Bloomberg — Quando a Petrobras recebeu luz verde no mês passado para iniciar a exploração de petróleo bruto perto da Amazônia, foi uma grande vitória para a CEO da estatal, Magda Chambriard.
Apenas algumas semanas depois, outro grande desafio se aproxima, enquanto ela se prepara para apresentar um plano de investimentos que deve satisfazer o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, bem como os acionistas minoritários da companhia.
Liderar uma das maiores empresa do Brasil — e também a maior produtora de energia da América Latina — apresenta um conjunto único de desafios: gerenciar operações em expansão que produzem mais petróleo bruto do que a maioria dos membros da Opep, fornecer bilhões de dólares para os cofres do Estado e definir efetivamente os preços dos combustíveis no país.
O antecessor de Chambriard durou apenas 15 meses até ser demitido.
O ex-presidente Jair Bolsonaro demitiu três CEOs em quatro anos. Não é de se admirar, portanto, que o cargo já tenha sido chamado de “cadeira elétrica”.
“A qualquer momento”, disse Adriano Pires, sócio-fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura, o acionista majoritário da estatal pode “eletrocutar o presidente” por não servir ao governo.
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Até agora, Chambriard, 68 anos, tem tido alguma sorte. Os baixos preços do petróleo impediram que o principal motor de reação política — os aumentos dos preços da gasolina e do diesel — entrasse em ação.
Por outro lado, a queda na receita testará sua capacidade de resistir à pressão por investimentos que podem render votos, mas oferecem pouco retorno econômico, segundo Pires.
Lula quer que a Petrobras crie empregos ao expandir sua atuação para áreas menos lucrativas, incluindo refino e fertilizantes. Chambriard busca controlar os gastos e prometeu “apertar os cintos”.
Ela está determinada a evitar uma repetição da década de 2010, quando a Petrobras embarcou em uma expansão maciça e se tornou uma das empresas petrolíferas mais endividadas do mundo.
“O que me preocupa hoje são os preços do petróleo e a austeridade necessária para lidar com eles”, disse ela em uma entrevista à Bloomberg News em agosto.
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As tensões se elevam enquanto Chambriard elabora o próximo plano de negócios quinquenal da empresa, com prazo para final de novembro.
O governo Lula e o sindicato dos petroleiros têm pressionado por mais gastos.
Chambriard e sua equipe avaliam cortar US$ 5 bilhões em despesas de capital devido aos preços mais baixos do petróleo bruto, disseram pessoas familiarizadas com o plano no início deste mês.
“Há indícios de que haverá cortes no plano 2026-2030 e isso muito nos preocupa,” disse Deyvid Bacelar, coordenador-geral do maior sindicato de petroleiros do Brasil, a FUP, que exerce influência sobre Lula. Ele prometeu lutar contra qualquer restrição de gastos.
Perspicácia política
Por enquanto, Chambriard conta com bastante apoio político.
Ela fez parte da equipe de transição energética para o começo do governo Lula e foi apoiada por autoridades próximas ao presidente.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que foi influente na destituição do antecessor de Chambriard, Jean Paul Prates, elogia regularmente sua liderança.
Ela tem aparecido regularmente em cerimônias de inauguração com Lula, que já disse a considerar competente o suficiente para administrar duas empresas petrolíferas.
Especialistas do setor, investidores e funcionários da Petrobras a descrevem como técnica, educadamente exigente e fortemente focada no crescimento da produção – qualidades que a ajudaram a conquistar a licença de perfuração na Amazônia.
“Chambriard merece muito crédito por isso devido à sua resiliência, trabalho árduo e sagacidade política”, disse Marcelo De Assis, consultor independente de petróleo do Rio de Janeiro.
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Lula observou a tendência de Chambriard de andar devagar e falar baixo, dizendo que é fácil para as pessoas a considerarem “frágil” ou “boba”. Mas, acrescentou, “estão ferrados, porque não sabem quanta inteligência tratada de veneno tem na cabeça dessa mulher”.
Embora Chambriard não seja a primeira mulher a ocupar o cargo de CEO da Petrobras, a indústria petrolífera, dominada pelos homens, sempre foi um ambiente difícil para as mulheres.
Seus pais trabalhavam na empresa de combustíveis Esso, sua mãe como secretária e seu pai na área de comunicação. Mas quando sua mãe ficou grávida da irmã mais nova de Chambriard, seu pai disse à Esso que sua esposa não tinha permissão para trabalhar. Sua mãe ficou furiosa com a interferência, lembrou Chambriard durante uma entrevista recente em um podcast. “Se a escolha for entre perder seu emprego ou seu marido, que seja o marido”, ela costumava dizer a Chambriard.
Chambriard, que se destacava em matemática desde cedo e era atraída por projetos de construção como as gigantescas barragens hidrelétricas que o Brasil estava construindo, ingressou na engenharia.
Não demorou muito para se deparar com comportamentos machistas. Quando ela chegou a um estágio na construção civil, os trabalhadores pararam repentinamente de despejar cimento porque acreditavam que era azar ter uma mulher no local.
Depois de se formar, foi rejeitada para o cargo em uma empresa de engenharia porque um dos gerentes decidiu que não queria mais mulheres no projeto. “Chorei por três dias”, disse Chambriard, que tinha 22 anos na época, no podcast.
Ela então aceitou um cargo na Petrobras, onde havia sido aprovada em um concurso público. Era a década de 1980, e as mulheres não trabalhavam em plataformas offshore nem operavam campos em terra.
Mas ela nunca duvidou do seu direito de estar lá, disse à Bloomberg News, e conseguiu subir na hierarquia da divisão de exploração e produção.
No início da década de 1990, ela havia ascendido ao cargo de supervisora de engenharia de reservatórios em projetos de petróleo onshore e, no final da década, era responsável pela engenharia de reservatórios em bacias sedimentares em todo o Brasil.
Em 2002, ela deixou a segurança da Petrobras para ingressar no órgão regulador nacional do setor, onde teria a oportunidade de ajudar a estruturar a abertura e a regulamentação do mercado de petróleo e gás do Brasil.
Lá, espalharam-se rumores de que ela estava tendo um caso com o chefe da agência na época, de acordo com uma entrevista concedida ao jornal Folha de S.Paulo.
Ela ignorou as calúnias. “Decidi não tomar conhecimento, e essa postura sempre ajudou,” disse ela.
Uma década depois, ela estava à frente da agência, onde supervisionava licitações para blocos em águas profundas, incluindo a bacia da Foz do Amazonas, localizada em uma área offshore chamada Margem Equatorial.
“A Margem Equatorial é a melhor oportunidade” para garantir o crescimento da produção no Brasil na próxima década, segundo De Assis.
Foz do Amazonas
Embora o processo de licenciamento já estivesse em andamento quando Chambriard foi nomeada CEO há 16 meses, ela fez uma campanha agressiva pela aprovação.
Envolveu-se em discussões técnicas, às vezes controversas, com o órgão ambiental, o Ibama; afirmou publicamente que, sem a licença, a Petrobras teria que explorar petróleo fora do país; e, em determinado momento, aumentou a pressão sobre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, sugerindo encaminhar o assunto ao Conselho Nacional de Política Energética, uma autoridade supervisionada pelo próprio presidente.
Ela também respondeu rapidamente a todas as solicitações da agência ambiental, incluindo a construção de um segundo centro de resgate de animais em caso de derramamento de óleo.
A magnitude da conquista de Chambriard ficou evidente nos escritórios da empresa em 20 de outubro.
A Petrobras tinha apenas um dia para iniciar a perfuração do poço Morpho, caso contrário, o contrato da plataforma expiraria. A broca da plataforma estava pairando logo acima do fundo do mar quando a licença foi concedida.
Executivos e técnicos lotaram uma sala de controle para assistir a uma transmissão ao vivo quando a perfuração finalmente começou. “Foi uma festa”, relatou Sylvia Anjos, diretora executiva de exploração e produção da Petrobras. “Foi como se tivéssemos ganhado a Copa do Mundo.”
Essa euforia pode não durar muito mais tempo.
O atual plano de gastos quinquenal da Petrobras baseia-se no preço do petróleo Brent a US$ 83 por barril. Mas o Brent está atualmente em torno de US$ 63, e cada queda de US$ 10 no preço do petróleo equivale a cerca de US$ 5 bilhões a menos em lucros antes de impostos, juros, depreciação e amortização.
Por isso, Chambriard considera um corte de 4,5% no plano de gastos a ser divulgado nesta semana.
Até agora, Chambriard moderou a remuneração dos investidores e alertou que os baixos preços do petróleo tornam improvável o pagamento de dividendos extraordinários.
A Petrobras também tenta melhorar a eficiência e cortar despesas com iniciativas que incluem a redução dos custos de manutenção e pessoal em plataformas de petróleo inativas.
A empresa precisa reduzir as despesas de capital de 2026 para menos de US$ 17 bilhões para financiar dividendos sem aumentar a dívida, de acordo com o Itaú BBA.
A melhor esperança de Chambriard é colocar unidades de produção de petróleo em operação antes do previsto e bombear na capacidade máxima, para maximizar as receitas.
Até agora, ela conseguiu colocar três plataformas de produção flutuantes em operação antes do previsto. E começou a perfurar na área da Margem Equatorial um dia após receber a licença do Ibama.
O período que antecede as eleições presidenciais de outubro de 2026 também será crucial para Chambriard.
Se os preços do petróleo – e, consequentemente, dos combustíveis – subirem, ela ficará sob pressão para subsidiar o diesel e a gasolina a fim de combater a inflação e ganhar a simpatia dos eleitores.
Mas isso poderia comprometer a estabilidade financeira da empresa, como aconteceu sob a gestão da ex-CEO Maria das Graças Foster, cujos subsídios aos combustíveis causaram bilhões em prejuízos à Petrobras.
Chambriard, por sua vez, não parece preocupada.
“Tenho tido tanto apoio do governo para lidar com essa empresa que me sinto absolutamente tranquila em relação a 2026”, disse à Bloomberg News em agosto. “Não vejo nenhum obstáculo a ser superado.”
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