CEO da Petrobras fica sob pressão enquanto Lula busca impulsionar a economia

Depois de um período de lua de mel, Jean Paul Prates se vê em uma situação delicada, sendo obrigado a lidar com interesses conflitantes do governo e dos investidores

Jean Paul Prates: governo vê o CEO em um tipo de período de teste
Por Peter Millard - Simone Iglesias
12 de Março, 2024 | 01:22 PM

Bloomberg — O retorno ao poder do presidente Luiz Inacio Lula da Silva em 2023 gerou preocupação entre os investidores de que ele usaria a Petrobras (PETR3; PETR4) para impulsionar o crescimento econômico em detrimento dos retornos aos acionistas.

Depois de um período inicial de lua de mel, alguns desses temores estão sendo realizados, colocando o CEO da Petrobras, Jean Paul Prates, em uma situação difícil.

Na semana passada, Prates se absteve de votar em uma proposta de pagamento de dividendos extraordinários apresentada por membros do conselho nomeados pelo governo. A maior empresa de petróleo da América Latina perdeu cerca de R$ 55 bilhões em valor de mercado após a decisão surpresa e sofreu uma onda de rebaixamentos de ações.

O governo vê Prates em um tipo de período de probação, e a decisão de não substituí-lo por enquanto é parcialmente porque a Petrobras não tem um plano de sucessão, de acordo com uma pessoa próxima a Lula.

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O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que já teve conflitos com Prates no passado em relação a políticas da empresa, incluindo preços de combustíveis, disse na segunda-feira (11) à noite que qualquer discussão sobre a substituição de Prates era especulação.

Mas pelo menos uma coisa está clara nos acontecimentos dos últimos dias: Lula tem ficado mais agressivo ao convocar a Petrobras para os seus esforços para liberar dezenas de bilhões de dólares em investimentos industriais para criar empregos e acelerar o crescimento econômico.

Isso colocou Prates, escolhido por Lula para o cargo, no meio das prioridades conflitantes do governo e dos investidores da Petrobras, com os acionistas minoritários tendo menos influência.

As tensões também destacam a luta sobre que tipo de empresa a Petrobras deve ser. As equipes de gestão nomeadas por governos anteriores reduziram o foco da Petrobras para os projetos de petróleo mais lucrativos nas águas profundas e saíram de negócios menos lucrativos, incluindo fertilizantes e energia renovável.

Tais medidas alinharam a Petrobras mais de perto com empresas internacionais de petróleo como Shell e Exxon Mobil e foram populares entre os investidores.

Mas Prates frequentemente disse que a estratégia estava levando a empresa a uma queda, pois não tinha plano para sobreviver à transição energética, e uma vez no poder, ele começou a mudar de rumo.

“O risco de investir na Petrobras aumentou após os últimos acontecimentos”, disseram os analistas do Goldman Sachs Group (GS) liderados por Bruno Amorim em um relatório na segunda-feira. “Pode haver certas preocupações no mercado sobre a possibilidade de decisões menos favoráveis aos acionistas no futuro.”

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A Petrobras não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.

O presidente Lula convocou Prates para a capital Brasília na segunda-feira. Antes da reunião, Lula desestimulou a reversão da decisão de não distribuir dividendos, deixando claro que suas prioridades não estão com os acionistas.

Lula chamou o mercado de um “rinoceronte voraz” que “quer tudo para si e nada para as pessoas”, em uma entrevista ao SBT. Ele acrescentou que está comprometido em reduzir o custo da gasolina e do diesel para os consumidores brasileiros.

“Acho que Prates está alinhado com Lula, mas eles precisam se sentar e conversar e dar um sinal”, disse Marcelo Godke, sócio da Godke Advogados em São Paulo, especializado em direito corporativo brasileiro. “Não pode ser uma bagunça como essa”.

A turbulência em relação aos dividendos pode tornar mais caro o acesso aos mercados de dívida no futuro, disse Godke. ”Do ponto de vista do mercado, eles não estão sendo sábios”, disse ele.

Muitos observadores pensavam que a Petrobras continuaria a pagar generosos dividendos sob Lula, em parte porque o governo é o maior acionista e os dividendos ajudariam a fortalecer suas finanças. Eles estão se tornando mais temerosos de intervenção estatal em um dos melhores investimentos da indústria do petróleo.

A gestão da Petrobras enfatizou que o dinheiro que poderia ter sido usado para dividendos extraordinários foi alocado em um fundo de reserva que só pode ser usado para compensar acionistas e que poderia ser acessado a qualquer momento no futuro para esse fim.

As ações estavam próximas de uma máxima de 16 anos em fevereiro, antes de Prates dizer em uma entrevista à Bloomberg que a empresa seria mais cautelosa em relação aos dividendos.

“A questão dos pagamentos recordes de dividendos sempre seria controversa para um governo do Partido dos Trabalhadores, pois a percepção pública é difícil”, disse Schreiner Parker, diretor-gerente para a América Latina da Rystad Energy. “No entanto, a ideia de reinvestir o dinheiro de volta nos negócios também é válida, especialmente considerando o plano estratégico proposto de gastos de capital. Este é o cabo de guerra que acontece com empresas de economia mista.”

Outra preocupação recorrente é a história da Petrobras de subsidiar os preços da gasolina e do diesel para os motoristas brasileiros. Até agora, Prates não sofreu uma pressão intensa para fazê-lo porque os preços do petróleo mundial têm permanecido relativamente estáveis desde que assumiu o comando.

Se Prates sair politicamente mais fraco da batalha pelos dividendos, seria mais difícil para ele resistir à pressão para subsidiar caso o preço do petróleo ultrapasse US$ 100 o barril.

O ex-presidente Jair Bolsonaro demitiu uma série de CEOs da Petrobras em 2022 porque eles não conseguiram conter a inflação dos preços dos combustíveis quando o petróleo estava em alta. Lula tem consistentemente afirmado que a Petrobras não deve seguir os preços internacionais.

-- Com a colaboração de Mariana Durão e Martha Beck.

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