Caso Reag expõe indústria de fundos exclusivos e táticas do crime para lavar dinheiro

Gestora fundada por João Carlos Mansur se tornou uma das maiores do Brasil no momento em que a indústria de fundos encolhia e está no centro de suspeita de esquema de lavagem de dinheiro que levantou questões sobre lacunas regulatórias

Investigadores alegam a empresa foi implicada em um esquema de criminosos para ocultação de lucros ilícitos por meio de veículos de investimento há muito utilizados pela elite brasileira
Por Andrew Rosati - Cristiane Lucchesi
02 de Dezembro, 2025 | 12:02 PM

Bloomberg — Dias antes de a polícia invadir a Reag Investimentos, sua próspera gestora de fundos, João Carlos Mansur se vangloriava na TV.

“A verdade é que buscamos oportunidades o tempo todo”, disse o fundador da empresa e figura central por trás de seu sucesso estrondoso, em uma entrevista à Jovem Pan em agosto.

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Três meses depois, as oportunidades que transformaram a Reag em uma das maiores gestoras independentes de recursos de terceiros do Brasil estão no centro da ampla investigação sobre um esquema de lavagem de dinheiro de quase US$ 10 bilhões ligado à organização criminosa voltada ao tráfico de drogas mais poderosa do país.

Os investigadores alegam em documentos que a Reag foi implicada em um esquema de criminosos para ocultação de lucros ilícitos por meio de veículos de investimento há muito tempo utilizados pela elite brasileira devido à sua discrição e isenções fiscais.

O suposto mentor, Mohamad Hussein Mourad, utilizou os fundos para construir um império ilegal de combustíveis, lavando lucros por meio de uma rede que abrangia postos de gasolina, fintechs e usinas de açúcar e etanol, tudo em conluio com o Primeiro Comando da Capital (PCC).

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A operação policial de agosto no distrito financeiro de São Paulo abalou a sofisticada comunidade de investimentos do Brasil e levantou questões sobre as lacunas regulatórias no maior mercado da América Latina.

Com a Reag sofrendo as consequências, e seu fundador, Mansur, afastado, o caso ressalta como o crime organizado aparentemente penetrou no sistema financeiro tradicional do país e como será difícil fechar as portas.

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O crime organizado há muito tempo usa empresas de fachada e táticas comerciais coercitivas para se infiltrar na economia brasileira. Mas agora ele está cada vez mais intrinsecamente ligado a negócios legítimos.

“Estamos vendo o PCC lavar dinheiro com um nível de sofisticação que simplesmente não se vê na Colômbia, no México ou em outras grandes economias da região onde grupos criminosos atuam”, disse Will Freeman, pesquisador para a América Latina do think tank Council on Foreign Relations.

A operação policial de 28 de agosto revelou que os criminosos mascaravam seus ativos por meio de fundos de investimento com um único cotista, os chamados fundos exclusivos.

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“O que temos hoje são fundos de fachada”, disse Marcia Meng, chefe da Receita Federal do Brasil em São Paulo, em entrevista à Bloomberg News. São como “empresas sem nenhuma atividade comercial”.

‘Fortes laços’ com o PCC

Até o momento, as autoridades identificaram pelo menos 40 fundos — muitos com apenas um acionista — ligados a Mourad, segundo documentos judiciais obtidos pela Bloomberg News.

Um advogado que representa Mourad afirmou que não há “nenhuma acusação criminal” que o ligue ao PCC, com o qual ele “não tem nenhuma conexão”.

Os promotores, por sua vez, identificaram “fortes laços” entre a organização de Mourad e o PCC, conforme mostram os documentos judiciais.

Devido à natureza confidencial dos autos do processo, o advogado afirmou que não era possível entrar em detalhes e que responderia às acusações durante o processo judicial.

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Quase uma dúzia de fundos sob investigação por autoridades federais e estaduais eram geridos ou administrados pela Reag, segundo os documentos, mais do que por qualquer outro gestor de fundos envolvido.

Os advogados que representam a Reag e seus acionistas controladores afirmaram em comunicado que a empresa colabora de forma ampla e proativa com as autoridades e repudia as alegações que buscam associar indevidamente a empresa a práticas irregulares e organizações criminosas sem apresentar provas de envolvimento em atos ilícitos.

Os promotores alegam que os gestores de fundos permitiram que Mourad transformasse um negócio, composto por dezenas de postos de gasolina, em um gigante da venda de combustível adulterado, que controlava uma frota de caminhões, refinarias de etanol e um terminal portuário.

Essa expansão ganhou força em 2020, quando Mourad, que, de acordo com documentos judiciais, já havia sido condenado por um crime econômico envolvendo a venda de combustível adulterado, ampliou seus negócios.

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Naquele ano, ele adquiriu a empresa de combustíveis Copape Produtos de Petróleo e a distribuidora Aster Petróleo, que se tornaria uma das maiores fornecedoras de gasolina do Brasil.

Para realizar as compras, os promotores alegam que Mourad, de 47 anos, desviou milhões de reais primeiro para sua companheira e depois para um sócio, que enviou o dinheiro para um fundo de investimento, o Location, que assumiu o controle das empresas.

O Location era administrado pela Reag na época da aquisição, conforme mostram os documentos.

Os advogados de Reag afirmam que os representantes das empresas de combustíveis recém-adquiridas não tinham antecedentes criminais e que a empresa parou de prestar serviços ao fundo Location um ano antes da operação policial.

Crescimento 'explosivo' da Reag levantou suspeitas: evolução dos ativos sob gestão

Mas a organização de Mourad aplicaria uma estratégia semelhante com outros fundos de investimento geridos ou administrados pela Reag à medida que adquiria mais infraestrutura.

Os recursos foram usados ​​para comprar usinas de açúcar e etanol em dificuldades no estado de São Paulo; para comprar dívidas emitidas por empresas ligadas a Mourad, o que levantou suspeitas de lavagem de dinheiro entre os investigadores; e ocultar os imóveis do grupo.

Fundos como boneca matriosca

Os fundos envolvidos frequentemente mudavam de nome e trocavam os gestores responsáveis ​​por eles.

E, para obscurecer ainda mais quem controlava os ativos dos criminosos, os investigadores afirmam que a organização criou cadeias de fundos, empilhando-os uns sobre os outros como uma boneca matriosca.

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Nessa cadeia lucrativa, a organização supostamente canalizava os lucros gerados por centenas de postos de gasolina para fintechs, a fim de evitar o pagamento de impostos, que, por sua vez, repassavam esse dinheiro para fundos de investimento para a compra de empresas.

Os investigadores examinaram centenas de empresas — incluindo padarias e lojas de conveniência — para identificar as peças-chave na máquina de lavagem de dinheiro.

Eles afirmam que muitas das lojas de varejo pertenciam ao PCC, que, por sua vez, lavava seus lucros por meio da operação maior.

Ascensão da Reag e de Mansur

Enquanto o império ilegal de combustíveis de Mourad crescia, a Reag prosperava.

Nos últimos cinco anos, seus fundos multimercado aumentaram dez vezes em patrimônio, atingindo cerca de R$ 158 bilhões em agosto, segundo dados da Anbima, a associação brasileira de entidades e empresas do mercado de capitais.

Esse crescimento ocorreu no momento em que o setor de fundos multimercado do Brasil registrava resgates líquidos de mais de R$ 500 bilhões no mesmo período.

Com quase R$ 369 bilhões em ativos sob gestão em seu auge, a ascensão meteórica da Reag já causava preocupação nos círculos financeiros brasileiros mesmo antes da operação policial.

A empresa abriu seu capital na B3, a maior bolsa de valores da América Latina, em janeiro, após assumir o controle da GetNinjas, um marketplace de serviços online, em um processo conhecido como IPO reverso.

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Os advogados da Reag afirmaram que o crescimento da empresa foi “orgânico” e também impulsionado por mais de uma dezena de aquisições realizadas nos últimos três anos.

Ligações com Daniel Vorcaro e o Master

Mansur, de 55 anos, fundou a Reag em 2012 como uma boutique de investimentos especializada em serviços imobiliários para clientes ultrarricos.

Posteriormente, diversificou suas atividades para outros setores, como seguros e entretenimento.

Até recentemente, um dos clientes da Reag era o Banco Master, agora liquidado, cujo ex-CEO, associado e amigo de Mansur, Daniel Vorcaro, enfrenta acusações de fraude, que ele nega.

Nascido em São Paulo e de origem humilde, Mansur, ex-acionista majoritário da Reag, descreveu sua abordagem de negócios como a de fornecer soluções para os clientes, e não vender produtos.

Seu objetivo, disse ele durante a entrevista à Jovem Pan, é “sentar ao seu lado e ver o que é bom para você”.

Os advogados da Reag afirmam que os representantes de Mourad não tinham antecedentes criminais quando se tornaram clientes e que a gestora deixou de prestar serviços aos fundos envolvidos em 2024, após identificar transações suspeitas.

Os fundos sob investigação representam apenas cerca de 0,23% dos ativos sob gestão da Reag, disseram os advogados.

Até recentemente, a sede da Reag ficava em um prédio de escritórios de estilo neoclássico no coração de Faria Lima, e o fundador da empresa afirmava que ela contava com mais de 900 funcionários.

Mansur integra o conselho de supervisão do Palmeiras, um dos clubes mais tradicionais e populares do Brasil, e faz parte de uma equipe recordista de paraquedismo.

Documentos judiciais mostram que um ex-sócio da Reag atuou como diretor em uma das usinas de açúcar e etanol controladas por Mourad, levantando suspeitas de que a gestora de ativos estivesse envolvida diretamente nas operações da organização.

Os documentos também indicam que Mansur listou seus filhos como cotistas em um dos fundos de investimento ligados ao grupo, o Olaf 95.

Um dos clientes de Reag era o agora liquidado Banco Master

Os advogados da Reag afirmam que “nenhum centavo” da organização de Mourad passou pelo fundo.

Talvez uma das discrepâncias mais gritantes para as autoridades tenha sido a situação financeira pessoal de Mansur.

Entre 2022 e 2023, o patrimônio declarado de Mansur mais que quadruplicou, chegando a quase R$ 738 milhões, segundo documentos judiciais.

Ele alegou que a renda veio de lucros e dividendos de duas de suas empresas, o que, segundo disseram os investigadores em documentos, é “uma fantasia”.

De acordo com os advogados da Reag, a riqueza de Mansur cresceu “em alinhamento” com a expansão da gestora, e as empresas citadas como fonte de sua renda são holdings sem receita operacional utilizadas para fins de planejamento patrimonial.

A polícia cumpriu mandados de busca e apreensão na Reag, naquela que se tornou a maior operação contra o crime organizado da história do Brasil. As autoridades desmantelaram a lavagem de dinheiro, congelando fundos de investimento envolvidos e realizando buscas em empresas por todo o país.

Mourad está foragido, enquanto a Reag enfrenta as consequências negativas para sua reputação.

Dias após a operação, Mansur, cuja casa foi alvo de buscas, renunciou ao cargo de presidente do conselho da Reag e concluiu a venda de sua participação na empresa em outubro.

A nova gestão da Reag está reduzindo o tamanho da empresa e vendendo alguns ativos.

A empresa mudou-se para um endereço mais modesto e adotou o nome Arandu Investimentos, palavra indígena que significa “sabedoria” ou “tempo de escutar”.

As investigações sobre Mansur estão em andamento. A Polícia Federal confiscou seu telefone celular no início de outubro.

Expansão do PCC na Faria Lima

A expansão do PCC para o mercado de capitais abalou o mundo financeiro brasileiro.

Executivos se preparam para novas regulamentações, enquanto investigadores olham mais de perto o setor de fundos de investimento do país, com quase US$ 2 trilhões em recursos sob gestão, para determinar se outros estão envolvidos.

“Hoje, posso proteger meus ativos aqui no Brasil”, disse Meng. “Não preciso de um paraíso fiscal.”

No Brasil, as instituições financeiras são obrigadas a verificar a identidade de seus clientes e a origem de seus recursos, em conformidade com as práticas globais de Know Your Client, ou Conheça Seu Cliente.

A falha ao cumprir com essa obrigação na relação com o grupo de Mourad foi “estarrecedora”, escreveram as autoridades em documentos obtidos pela Bloomberg News.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) disse que está “modernizando constantemente suas regulamentações e supervisão”, mas não quis comentar situações específicas.

A Anbima disse que os fundos sob investigação são “casos isolados” em um setor que abrange mais de 32.000 fundos.

Gestores de fundos afirmaram que reguladores como a CVM não possuem as condições e os recursos necessários para pegar os criminosos, enquanto autoridades governamentais insistem que os fundos exclusivos precisam ser mais transparentes e podem ser facilmente explorados.

Uma recente alteração na legislação reduziu a vantagem tributária do instrumento, mas ele continua popular entre os investidores.

Os fundos exclusivos tem mais de R$ 358 bilhões em ativos no Brasil.

Para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a investigação revela o desafio de conter uma quadrilha que fatura centenas de milhões de dólares com o tráfico de drogas para a Europa. Já para o setor financeiro, o caso expõe tensões crescentes, exemplificadas pelo colapso do Banco Master.

Embora o governo brasileiro tenha intensificado a fiscalização das fintechs desde então, alguns fundos de investimento continuam sendo um veículo tentador para o submundo, disse Roberto Uchôa, ex-policial federal e atual membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

“Agora eles conhecem o caminho”, disse ele. “Uma porta foi fechada, mas eles vão abrir outra.”

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