Rio Bravo vê risco em aposta em juro no país com incerteza fiscal e aperto do Fed

Evandro Buccini, sócio-diretor da gestora com R$ 13,2 bi em ativos sob gestão, diz à Bloomberg Línea que as taxas mais elevadas nos EUA vão limitar potencial de ganhos no mercado

Banco Central de Brasil
06 de Novembro, 2023 | 05:05 AM

Bloomberg Línea — A estratégia de aposta no mercado de juros, para aproveitar a diferença entre as taxas do mercado e a projeção mais baixa para a Selic, pode ser mais arriscada diante do cenário internacional turbulento e da falta de credibilidade da política econômica do governo Lula, na avaliação de Evandro Buccini, sócio e diretor de gestão de crédito e multimercado da Rio Bravo Investimentos.

Em entrevista à Bloomberg Línea, Buccini disse acreditar que o Banco Central vai encerrar o ciclo de cortes da Selic em um patamar mais alto do que o esperado pelo consenso de mercado, o que tende a diminuir o potencial de ganho nas apostas em juros.

Economistas do mercado financeiro projetam que a Selic deve chegar ao patamar de 9,25% ao ano no fim de 2024, de acordo com o mais recente Boletim Focus (do último dia 30 de outubro). Enquanto isso, os contratos futuros de DI com vencimento em 1º de janeiro de 2025 eram negociados com juros de 11,03% ao ano, de acordo com a cotação do último dia 31.

Essa diferença tem feito algumas casas e bancos a verem ganhos potenciais no mercado de juros.

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O diferencial é ainda maior observando as projeções para a Selic para 2025 (8,75% ao ano) e 2026 (8,5%), enquanto os contratos equivalentes de DI precificam taxas a 10,9% e 11,15% respectivamente.

Na visão de Buccini, no entanto, a perspectiva de taxas de juros mais elevadas por mais tempo nos Estados Unidos tende a limitar o espaço para o Banco Central cortar a Selic no Brasil, reduzindo o potencial de ganho no mercado de juros.

“Se os juros dos Estados Unidos ficarem onde estão, com a taxa de 10 anos perto de 5%, não dá para o Brasil ter juros de um dígito baixo. Diria que 8% já seria um exagero”, afirmou.

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“Temos gastado mais tempo para entender qual é esse patamar de equilíbrio entre a taxa de juros americana mais alta e a do Brasil, considerando uma combinação de fatores. Essa conta está mais para os high single digits”, disse.

A Rio Bravo, que tem entre os sócios-fundadores o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, tem hoje cerca de R$ 13,2 bilhões em ativos sob gestão, divididos em fundos de crédito, imobiliário, multimercado e renda variável. É uma das mais tradicionais gestoras do país.

Evandro Buccini, da Rio Bravodfd

O especialista disse que tem buscado referências dos anos antes da crise de 2008, quando os EUA tinham taxas de juros mais altas, colocando na conta as mudanças no ambiente econômico do Brasil que ocorreram de lá para cá. Hoje a Selic está em um patamar mais baixo, a dívida pública baixou, mas o resultado primário é pior. “Estamos tentando colocar tudo isso em um ‘liquidificador e ver o que vai dar”, afirmou.

Diante desse cenário, Buccini disse que a Rio Bravo tem ficado menos exposta aos juros mais longos e buscado um duration (prazo médio de vencimentos de títulos pré e pós-fixados) mais curto e mais protegido em relação à inflação.

Buccini chamou a atenção também para a diferença entre as expectativas de inflação medidas no Focus e a chamada inflação implícita no mercado de juros, que, na sua visão, está muito alta.

Hoje, economistas do mercado financeiro estimam que o IPCA deve ficar em 3,90% em 2024 – acima da meta de 3%, mas dentro do intervalo de tolerância do BC, de até 4,5%. Enquanto isso, a inflação implícita sugere um patamar de 4,26% para novembro de 2024.

A diferença indica um prêmio de risco e sugere que o mercado vê a possibilidade de a inflação ficar mais alta do que esperado atualmente em razão do que aponta como falta de credibilidade da política econômica.

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As recentes declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que indicaram a possibilidade de o governo não cumprir ou até rever a meta de zerar o déficit fiscal em 2024 são um dos exemplos que contribuem para a maior incerteza no mercado.

“Não sabemos quão forte é o novo arcabouço fiscal. E a perseguição da nova meta de superávit, sendo 100% baseado no aumento de receitas, é algo que também não é positivo considerando a experiência histórica. É difícil de passar e gera incerteza, desequilíbrios e ineficiência”, afirmou.

As incertezas fiscais, combinadas ao cenário internacional de juros mais elevados, têm pesado sobre os ativos brasileiros.

Buccini avaliou que os fundos de multimercado brasileiros exageraram em adotar uma posição mais otimista com o Brasil depois da aprovação do arcabouço fiscal na Câmara no fim do primeiro semestre, que levou a ganhos no que ele define como uma “profecia autorrealizável”.

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Depois da mudança no cenário internacional, com a perspectiva de que o Fed deve manter os juros mais elevados por mais tempo, os fundos reviram a posição, levando a perdas.

“Não embarcamos de cabeça, como talvez a maior parte dos fundos daqui fizeram, no otimismo com o Brasil, de forma ampla. Nós estávamos mais para otimistas, mas não tanto”, afirmou.

Diante desse cenário, o executivo disse que a gestora tem adotado uma posição ainda neutra e levemente defensiva, aguardando uma definição mais clara do ambiente internacional e interno.

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Filipe Serrano

É editor da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.