Cenário global é de desaceleração e exige cautela no Brasil, diz sócio da Kairós

Fabiano Godoi, sócio e diretor de investimentos da gestora, diz em entrevista à Bloomberg Línea que é prematuro antecipar um ambiente internacional positivo

Luiz Fabiano Godoi, sócio da gestora Kairós Capital
29 de Agosto, 2023 | 05:05 AM

Bloomberg Línea — A queda dos juros no Brasil pode ser favorável para alguns ativos brasileiros no curto prazo, mas o cenário da economia mundial exige cautela e atenção, na visão Fabiano Godoi, sócio e diretor de investimentos da Kairós Capital, ex-CEO e ex-CIO (Chief Investment Officer) da Safra Asset Management.

Para Godoi, a desaceleração da China e os juros altos nos Estados Unidos tendem a penalizar também os investimentos no Brasil, como se viu em agosto, o que tem feito a gestora adotar uma postura comprada no curto prazo, mas mais defensiva no longo prazo, disse o executivo em entrevista à Bloomberg Línea.

“Preferimos ficar tomados na inclinação da curva, apostando que as partes mais curtas até o intermediário da curva ainda podem ceder mais. Mas vemos que a ponta longa não deveria mais ceder tanto além do nível atual”, afirmou.

“Na bolsa, temos posições que são arbitradas também. Estamos comprados em setores mais alavancados e que tendem a se beneficiar de uma queda da taxa de juros. E vendidos no índice ou em outros setores que são mais defensivos”, completou.

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Depois de um período de alta até julho, os ativos brasileiros acumulam perdas em agosto diante da perspectiva de juros mais altos por mais tempo nos Estados Unidos e das dificuldades econômicas da China.

O Ibovespa (IBOV) teve queda acumulada de 5% em agosto até a sexta-feira (25), a primeira perda mensal depois de quatro meses consecutivos de alta. Já o dólar (USDBRL), que chegou a cair a R$ 4,72 em julho, voltou para a faixa entre R$ 4,80 e R$ 5,00 nas últimas semanas.

Para Godoi, cuja gestora é especializada em traçar estratégias de olho no cenário macroeconômico doméstico e internacional, a visão para a economia mundial não é otimista, pelo contrário. Ele antevê uma desaceleração forte da atividade nos países desenvolvidos, o que dificulta também a situação dos países emergentes.

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“Não é um ambiente lá fora que olhamos e podemos dizer que está tudo azul”, disse Godoi. “Existem desbalanceamentos relevantes no mundo. E isso deveria atrapalhar o ambiente global do ponto de vista de crescimento econômico ao longo dos próximos meses. Mesmo achando que os preços daqui tenham potencial de andar um pouco mais, temos preferido posições mais conservadoras no Brasil.”

Outro ponto de atenção no caso do Brasil é a política fiscal. Para o sócio da gestora, a questão do desequilíbrio das contas públicas ainda não está resolvida, apesar de o arcabouço fiscal ter evitado uma piora acentuada da relação dívida/PIB.

“Ainda não é suficiente para observar uma estabilidade ao longo dos próximos anos. Isso também continua colocando pressão na ponta longa da curva. Com uma desaceleração lá fora, não é uma situação que ajuda os ativos de risco. E o Brasil é percebido por parte dos investidores estrangeiros como uma alocação de risco.”

Soft landing é prematuro

Ao analisar os Estados Unidos, Godoi disse acreditar que é cedo para antecipar que o Federal Reserve vai desacelerar a inflação sem causar uma retração da economia, o chamado soft landing. Ele avaliou que a narrativa do soft landing é prematura e que ainda pode haver uma desaceleração mais forte da economia americana.

Uma das razões são os efeitos defasados da política monetária, que ainda não foram totalmente absorvidos pela economia, na sua visão. Os juros altos podem estar levando mais tempo para fazer efeito na atividade econômica.

Uma das razões, na visão dele, é que as empresas e os consumidores tomaram empréstimos ou refinanciaram suas dívidas durante a fase de juros extremamente baixos e não têm incentivos para levantar novos financiamentos.

“A maior parte das grandes empresas não precisa se refinanciar agora a taxas mais elevadas, porque acabaram de se refinanciar dois anos atrás a taxas ridículas. A maioria das pessoas também não está querendo vender suas casas. Se vender a casa hoje, e vai comprar uma nova, vai pagar um financiamento imobiliário com uma taxa muito mais elevada”, afirmou

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Outra questão é o alto volume de títulos de hipoteca (mortgages) que continuam nos balanços do Fed, remanescente dos programas de quantitative easing dos últimos anos, o que também pode estar estendendo o prazo para o aperto nos juros fazer efeito.

“Somando a política monetária, que leva ainda um tempo para fazer o efeito completo, mais a retirada de liquidez, mais a desaceleração de outras regiões, a zona do euro e a própria China, o ambiente global é de desaceleração. Não é um ambiente global pujante”, afirmou.

Com isso, a gestora tem a expectativa de um Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil mais fraco em 2024 do que em 2023.

Além da falta de impulso da economia global, a atividade econômica no país tende a ficar limitada. As regras impostas pelo arcabouço fiscal obrigam o governo a fazer uma política fiscal restritiva depois de um ano de elevação dos gastos. Por outro lado, o corte da Selic pode trazer ganhos para a economia.

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Filipe Serrano

É editor da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.