Menos recompra de ações, mais investimento: os rumos da economia dos EUA

Mudança na alocação de recursos tem sido marca registrada da temporada de balanços, o que pode ser interpretado como um sinal de que recessão sai um pouco do radar

Linha de produção do Hammer elétrico em fábrica da GM no estado do Michigan (Foto: Emily Elconin/Bloomberg)
Por Lu Wang
03 de Agosto, 2023 | 07:12 PM

Bloomberg — De todos os sinais de que os Estados Unidos conseguirão evitar uma recessão antes considerada inevitável, talvez nenhum seja mais convincente do que este: os CEOs de todo o país estão optando por reinvestir mais de seus lucros em projetos de expansão em vez de devolver dinheiro aos acionistas.

A mudança na alocação de recursos tem sido uma marca registrada da temporada de resultados do segundo trimestre. Com o crédito restrito reduzindo as recompras de ações e a Inteligência Artificial ecoando em todos os lugares, os gastos com investimentos em plantas industriais e tecnologia floresceram.

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As empresas aumentaram os gastos de capital em 15% no período, com três quartos desse universo anunciando programas que superaram as estimativas dos analistas em julho, de acordo com dados do Bank of America (BAC).

Em contraste, as recompras de ações têm acompanhado tendências sazonais de queda desde maio. Mais amplamente, as recompras líquidas caíram 36% em relação ao ano anterior entre as empresas do S&P 500 que já anunciaram seus resultados financeiros. E a relutância também está evidente nas recompras planejadas, que, segundo a Birinyi Associates, caíram 15% no acumulado do ano.

Há muito tempo, esse é um objetivo dos políticos progressistas e dos que pregam reformas industriais: livrar os executivos-chefes de suas dependências de recompras de ações e fazê-los investir no futuro.

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Diante da pressão crescente para modernizar as empresas, há sinais de que isso está acontecendo. Estrategistas do Goldman Sachs (GS) preveem que as recompras do S&P 500 ficarão abaixo dos gastos de capital neste ano pela primeira vez desde 2020.

“A América corporativa está reinvestindo”, escreveram estrategistas do BofA, incluindo Ohsung Kwon e Savita Subramanian, em uma nota na segunda-feira (31). “O ciclo de reinvestimento acabará levando a um aumento da produtividade, que será o principal motor do crescimento dos lucros no futuro, em comparação com o crescimento gerado financeiramente da última década.”

A redução na demanda corporativa pode não ser bem recebida pelos investidores bullish do mercado de ações, pelo menos no curto prazo, pois enfraquece uma grande fonte de poder de compra em um momento em que o momentum do mercado está enfraquecendo. Abalado pelo aumento dos rendimentos dos títulos, o S&P 500 caiu quase 2% nas últimas duas sessões, a maior queda desde maio.

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O foco nos investimentos de capital, se isso persistir, marcaria uma mudança drástica em relação à era seguinte à crise financeira de 2008, um período em que dinheiro barato impulsionou recompras financiadas por dívida e uma economia estagnada tornou os novos projetos produtivos pouco atraentes.

Durante esse período, para cada dólar gerado por operações ou emprestado, as empresas gastavam apenas 38 centavos em gastos de capital, em comparação com 54 centavos antes da crise financeira. Ao mesmo tempo, o dinheiro destinado a recompras aumentou de 13 para 24 centavos, de acordo com dados do BofA.

A crescente dependência das empresas americanas em suas próprias ações tem sido alvo de críticas de políticos e acadêmicos que afirmam que o dinheiro seria melhor utilizado em ativos que visam impulsionar o crescimento de longo prazo, como atualizações de equipamentos ou benefícios para os funcionários.

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Para dissuadir as recompras, o Congresso começou a impor um imposto de 1% neste ano sobre as recompras.

Para Chad Morganlander, gestor de carteira sênior da Washington Crossing Advisors, o recente aumento nos investimentos está sendo sustentado por uma série de fatores, que vão desde o boom da Inteligência Artificial até os planos do presidente Joe Biden de impulsionar a infraestrutura e a energia limpa.

“De uma perspectiva histórica, geralmente em algum momento quando o investimento empresarial diminui, esse é o início de uma recessão”, disse ele. “Mas o investimento corporativo tem sido historicamente alto agora.”

É claro que não há garantia de que o aumento dos investimentos persista, especialmente com o futuro econômico do país incerto. A estrategista da Bloomberg Intelligence Gina Martin Adams vê motivos para acreditar que a taxa de crescimento nos gastos de capital diminuirá à medida que o ano avança. E afirmou que muitos dos gastos até o momento têm sido concentrados no setor de tecnologia.

“A menos que os gastos relacionados à Inteligência Artificial impulsionem uma recuperação, os ganhos de receita em declínio provavelmente implicam um crescimento fraco de gastos de capital pelo restante do ano”, escreveu ela em uma nota recente.

No Goldman Sachs, estrategistas incluindo Ryan Hammond e David Kostin têm uma visão mais otimista, prevendo que as empresas do S&P 500 reservarão mais de US$ 900 bilhões em gastos de capital neste ano e no próximo, ambos à frente do montante reservado para recompras.

A disposição de apostar mais no futuro é pelo menos consistente com o apetite dos investidores convencidos de que a Inteligência Artificial representa um boom que muda o jogo na eficiência corporativa. Apesar de três trimestres de lucros em queda, o S&P 500 subiu até 28% desde seu momento mais baixo em outubro de 2022, chegando perto de uma recuperação total em relação ao bear market.

Múltiplos em níveis elevados

Com o S&P 500 sendo negociado a 20 vezes os lucros, um múltiplo que raramente foi excedido nas últimas três décadas, é compreensível por que algumas empresas estejam reconsiderando o amor por suas ações.

Nos primeiros sete meses deste ano, as empresas dos EUA anunciaram cerca de US$ 700 bilhões em recompras, uma queda de 15% em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com dados compilados pela Birinyi Associates.

Não que as recompras estejam propensas a sair de moda tão cedo.

A queda nas recompras foi impulsionada principalmente por empresas menores e seguiu um ano recorde de compras. Grandes empresas do S&P 500, de acordo com a Birinyi, tiveram apenas um corte de 4% e ainda possuem um total de US$ 1,2 trilhão em autorizações não utilizadas.

“O que realmente importa é o quanto as empresas têm reservado para comprar de seus programas”, disse Jeff Rubin, diretor de pesquisa da Birinyi. “Não estou preocupado com a leve queda nos anúncios neste ano, especialmente considerando que isso vem de um nível de 2022 muito substancial.”

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