Bloomberg Línea — O anúncio do presidente Donald Trump de que vai taxar todos os produtos brasileiros exportados aos Estados Unidos em 50% teve repercussão negativa no mercado nos últimos dias – mas com perdas moderadas.
E a expectativa entre gestores, estrategistas e analistas é que essa tendência de efeitos limitados tenha continuidade, sem mudanças estruturais nas teses positivas tanto para o Ibovespa como para o real (isso sem considerar um recuo de Trump, como tem sido a regra em suas negociações com outros países).
“Os impactos econômicos são relativamente limitados, e isso ocorre também na bolsa – com exceção de algumas empresas como Embraer, que são mais dependentes do mercado americano”, afirmou Fernando Ferreira, estrategista-chefe e head de research da XP, em entrevista à Bloomberg Línea.
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“O Brasil não é o único que recebeu tarifas altas. Além disso, é um país de economia fechada sem tanta dependência dos EUA. Portanto, não vejo o anúncio das tarifas, por si só, como um fator que mude a cabeça do investidor estrangeiro”, disse Ferreira.
As incertezas causadas por Trump levaram a uma busca global por diversificação, que beneficiou mercados emergentes, incluindo o Brasil. O Ibovespa não está longe da máxima nominal de 141.264 pontos conquistada neste mês de julho e ainda acumula alta de 12,8% mesmo com as perdas recentes.
O índice somou sete pregões consecutivos de queda desde o anúncio das tarifas na quarta-feira (9), mas com baixa acumulada de apenas 2,9%. A efeito de comparação, o índice chegou a cair 3,15% em um único pregão de dezembro do ano passado, no auge do pessimismo dos investidores com o cenário fiscal.
“Acreditamos que haverá um fluxo estrutural de capital estrangeiro para o Brasil no segundo semestre. Mas, no curto prazo, pode haver uma redução na velocidade de entrada desse fluxo.”

O maior perigo para a bolsa local, na visão de Ferreira, é que as ações americanas renovem o protagonismo com a divulgação dos resultados trimestrais nos próximos dias, especialmente das chamadas sete magníficas “Sete Magníficas” (Alphabet, Amazon, Apple, Meta, Microsoft, Nvidia e Tesla), com atração de maior parte do fluxo global de diversificação.
Em sua visão, ainda há espaço para valorização nas bolsas americanas EUA, mesmo com o S&P500 perto das máximas históricas.
“O S&P 500 está subindo 6,5% no ano, enquanto o Stoxx 600 da Europa avança 24%, e a bolsa brasileira sobe 25% – tudo isso em dólares. Apesar de estar atrás, o S&P 500 teve a melhor performance entre esses índices no último mês. É algo que pode se fortalecer daqui para frente”, disse o estrategista da XP.
“Pode ocorrer principalmente se não houver grande impacto das tarifas sobre a inflação dos Estados Unidos”, avaliou.
O que esperar do dólar
Embora investidores continuem a apostar em ações americanas, estão menos construtivos em relação ao dólar do que na última década. O dollar index, que calcula a força do dólar frente a uma cesta de moedas fortes, recua 9,54% no acumulado do ano. Contra o real, a baixa do dólar alcança 10%.
O mês de julho, no entanto, caminha para quebrar a tendência. O dólar tem alta de 2,35% contra o real no período – com elevação de 2,5% apenas na última semana, após a notícia das tarifas contra o Brasil.
Na XP, os próximos movimentos do dólar ainda são motivo de discussão interna. Uma linha de análise aposta que as incertezas causadas por Trump vão continuar a derrubar a moeda globalmente, o que abre espaço para novas apreciações do real.
“Por outro lado, não é tão óbvio qual seria a alternativa mais clara [de reserva de valor] entre outras moedas”, afirmou Ferreira.
“O euro, por exemplo, já subiu bastante, mas a Europa enfrenta sérios problemas, além de manter juros mais baixos que os dos Estados Unidos. O mesmo vale para o iene japonês e o yuan chinês, que ainda sofre com controle de capitais.”
“Por essas raznões, pode ser que, no fim do dia, o dólar volte a se fortalecer, já que as Treasuries estão pagando juros mais altos, o que tende a atrair recursos de volta para os EUA, caso o movimento de fuga do dólar continue”, disse.
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Ainda assim, o cenário-base mais favorável para o câmbio conta com a abertura de negociações entre Brasil e EUA.
O governo brasileiro declarou que prefere e buscará resolver a questão por vias diplomáticas, mas que poderia, em último caso, acionar a Lei de Reciprocidade Econômica, que autoriza o Executivo a tomar contramedidas em reação às tarifas unilaterais. Não está claro quais medidas seriam tomadas.
Trump, por sua vez, ainda não deu sinais de diálogo. Na terça-feira (15), o governo americano endureceu o tom: o Escritório do Representante do Comércio dos EUA (USTR, na sigla em inglês) abriu uma investigação contra o Brasil citando supostas práticas comerciais ilegais, do Pix à indústria de etanol.
Se não houver acordo entre os países, as perspectivas mudam de figura.
Nesse caso, Ferreira estima um impacto negativo na balança comercial brasileira, ao menos até que o país consiga redirecionar essas exportações — o que, em tese, seria um fator de alta para o dólar e levaria à depreciação do real.
Mas esse movimento não é garantido. “O mercado tem reagido cada vez menos a indicadores como balança comercial e conta corrente, que já estão deteriorados há algum tempo. O que tem feito mais preço é o cenário externo do dólar e, principalmente, o diferencial de juros”, defendeu.
“O Brasil continua a pagar um juro real muito elevado, o que favorece o carry trade. Se o Banco Central seguir com uma postura dura em relação à inflação e mantiver os juros altos por mais tempo, enquanto o Fed começa a cortar os seus a partir de setembro, como esperamos, esse diferencial deve se ampliar ainda mais, o que pode atrair mais capital para a nossa moeda, mesmo com as tarifas.”
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Impacto político
E, para além do aspecto econômico, Ferreira destacou as consequências políticas da disputa sobre as tarifas: “é um aspecto até mais relevante”.
Isso porque o embate comercial pode fortalecer a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a eleição presidencial de 2026 contra um candidato da direita que poderia ser, em tese, mais próximo aos interesses do mercado.
“Havia uma tendência de queda na popularidade do presidente Lula, que agora pode ser revertida. As próximas pesquisas eleitorais serão acompanhadas de perto pelos investidores”, afirmou.
Os primeiros levantamentos divulgados já mostraram um aumento da popularidade de Lula. A pesquisa da Genial/Quaest divulgado nesta quarta-feira mostrou que a desaprovação do governo caiu de 57% para 53% – menor índice desde dezembro de 2024. Já a aprovação subiu de 40% para 43%.
Na terça-feira (15), pesquisa da AtlasIntel para a Bloomberg News apontou que o índice de aprovação de Lula subiu de 47,3% para 49,7%, enquanto a desaprovação do chefe do Palácio do Planalto teve queda de 1,5%, saindo de 51,8% no mês passado para 50,3% em julho.
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