Bloomberg Línea — A volatilidade externa, as expectativas sobre a política monetária dos Estados Unidos e o aumento dos riscos políticos estão moldando o segundo semestre do ano para os mercados latino-americanos.
Francisco Campos, economista-chefe do Deutsche Bank para a região, adverte que, embora a América Latina tenha demonstrado resiliência nos primeiros meses de guerra comercial, o ambiente externo pode trazer impactos mais tangíveis.
“Esperamos uma desaceleração da atividade econômica no segundo semestre do ano”, disse Campos em entrevista à Bloomberg Línea. Para ele, o denominador comum será navegar em meio à volatilidade externa, na qual a política comercial dos EUA continuará a ser um fator fundamental a ser seguido.
Desde o desempenho do real brasileiro até as tensões do T-MEC no México e as perspectivas eleitorais no Chile, Campos apresentou uma visão regional marcada por fatores idiossincráticos, restrições fiscais e desafios estruturais.
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Dólar fraco deve persistir
Um fator comum para a América Latina é a perspectiva para o dólar. Na opinião do economista-chefe do banco alemão para a região, o cenário atual reflete uma mudança fundamental no humor global.
“Não achamos que a força do dólar voltará por algum tempo”, disse Campos, observando que o mundo demonstra menos tolerância em relação a uma economia dos EUA com “grandes déficits fiscais” e sem sinais claros de correção no horizonte.
Esse desequilíbrio estrutural é agravado por decisões de política econômica que, na visão de Campos, estão longe da ortodoxia.
“Se acabarem nomeando um presidente do Fed muito voltado à acomodação [monetária], isso jogaria contra o dólar”, explicou ele, referindo-se a uma possível mudança no comando do Federal Reserve. Nesse contexto,“poderíamos ver uma fraqueza adicional do dólar nos níveis atuais”.
Embora o Deutsche Bank não projete uma queda acentuada da moeda, tem uma posição clara sobre seu comportamento futuro.
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“A principal mensagem é que não sabemos se haverá mais fraqueza, mas estamos convencidos de que não veremos a recuperação da força do dólar em um futuro próximo”, concluiu Campos.
Brasil: pressão fiscal e tensões com EUA
O caso brasileiro ganhou notoriedade desde a semana passada devido às ameaças tarifárias do presidente Donald Trump.
Campos afirma que “não há base econômica para a medida anunciada”, dado que os Estados Unidos têm superávit comercial com o Brasil.
A imposição de tarifas, segundo ele, tem motivação política, e não econômica, o que complica o poder de barganha do Brasil.
No entanto Campos disse acreditar que, mesmo que elas sejam implementadas, o efeito sobre a economia brasileira seria limitado.
“As exportações do Brasil para os Estados Unidos representam um pouco menos de 2% do PIB brasileiro“, disse o analista, que vê um impacto de cerca de 0,2 ponto percentual do PIB na atividade econômica se as tarifas comerciais se concretizarem e forem mantidas ao longo do tempo.
Com relação à política monetária, o Deutsche Bank não prevê cortes na taxa Selic até 2026. “De fato, vemos a política monetária se contraindo, em grande parte por causa do problema fiscal”, argumentou Campos.
Entretanto as medidas do governo Lula, como novas linhas de crédito e isenções fiscais, podem amortecer o impacto dessa postura contracionista na economia.
Com relação ao real, Campos qualificou que, embora a moeda tenha se valorizado em relação ao dólar, a trajetória do Brasil continua a ser a de uma política fiscal “que não é favorável à estabilidade da dívida”, ainda que as altas taxas de juros possam sustentar a moeda devido à atratividade do carry trade.
México: baixo crescimento
O México passa por uma fase de baixo crescimento econômico, embora, para o Deutsche Bank, o país ainda não esteja em uma dinâmica de estagflação.
“Nossa previsão é que a fraqueza ainda deve se manifestar mais claramente, mas esperamos algo maior em relação à forma como as coisas estão agora”, disse Campos.
Apesar disso, a dinâmica inflacionária estaria abaixo da média histórica do México, de modo que não se configuraria um cenário de estagflação.
Para o economista, o que é esperado é que a economia permaneça por pelo menos dois anos e meio “em condições de folga”, o que pressionará o Banco do México a reduzir as taxas de juros.
Colômbia: sem credibilidade
A perspectiva fiscal da Colômbia é uma das mais complexas da região. Embora, para Campos, a deterioração das contas públicas já tenha sido precificada pelo mercado e os déficits fiscais devam ficar em torno de 7% do PIB por três anos, a fraqueza institucional se reflete na perda de credibilidade da regra fiscal.
“A credibilidade da regra fiscal atual está morta, eles a mataram. Eles a vinham prejudicando há anos, mesmo antes da Petro”, disse Campos.
“Essa invocação da cláusula de escape foi o último ‘prego no caixão’ do que restava da credibilidade da regra fiscal. Agora, para fins práticos, a Colômbia não tem regra fiscal, porque ela se tornou uma piada.”
Peru e Chile: estabilidade
Em contraste com a Colômbia, o Peru mantém estabilidade macroeconômica e espaço para mais cortes [de juros] por parte de seu banco central, embora “não seja uma economia que esteja ‘gritando’ para você que precisa de mais estímulo monetário”, disse Campos.
Embora reconheça as pressões externas, como a incerteza em relação às tarifas sobre o cobre, o Deutsche Bank prevê “alguns cortes neste ano”.
Em relação ao Chile, o fator eleitoral define o ritmo da política econômica.
“Nosso cenário básico é que teremos um governo mais favorável ao mercado“, disse ele, embora tenha reconhecido que as pesquisas mostram a força dos setores de esquerda que o surpreenderam. “Parece que o [Jose Antonio] Kast continua a gerar a repulsa eleitoral que vimos em 2021."
Em relação ao segundo semestre, ele prevê uma desaceleração generalizada na região, com cada país com desafios específicos. Além disso, ele destacou o papel da China como uma variável crítica para a América do Sul.
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