Choque político com Flávio Bolsonaro atinge aposta de multimercados no Brasil

Possível candidatura do filho do ex-presidente esfriou as expectativas de investidores de que a direita se uniria em torno de Tarcísio de Freitas; movimento é um lembrete dos riscos políticos que vinham sendo ignorados

Brazilian Real Outperforms As Tariffs Fail To Inflict Much Pain
Por Giovanna Belotti Azevedo - Vinícius Andrade - Leda Alvim
09 de Dezembro, 2025 | 04:57 PM

Bloomberg — À medida que os mercados do Brasil subiam, mês após mês, e investidores globais compravam ativos do país, os ganhos eram grandes o suficiente para ofuscar os riscos de uma eleição presidencial que ainda está a quase um ano de distância.

Em algumas horas, tudo isso mudou.

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Os ativos do país vêm sendo pressionados por ondas vendedoras desde que Flávio Bolsonaro — filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, agora encarcerado — surgiu como um possível candidato na disputa do ano que vem.

Isso esfriou as expectativas de investidores locais de que a direita se uniria em torno de Tarcísio de Freitas, governador visto nos círculos financeiros brasileiros como o adversário mais forte ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A sexta-feira concentrou o pior das perdas. Os rendimentos dos títulos de dívida dispararam. As ações despencaram até 4,5% na queda mais profunda em mais de quatro anos. E o dólar subiu mais de 3%, a maior desvalorização do real desde que as tarifas anunciadas pelo então presidente dos EUA, Donald Trump, em abril, espalharam caos pelo mundo.

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Embora os ativos tenham ensaiado uma leve recuperação na segunda-feira (8), em meio a sinais contraditórios de Flávio Bolsonaro sobre levar adiante sua candidatura, eles foram novamente sacudidos pela volatilidade na terça-feira (9), quando o senador afirmou que sua candidatura era “definitiva”.

Leia também: Tarcísio diz que permanece leal a Bolsonaro e anuncia apoio à candidatura de Flávio

Os movimentos foram um lembrete claro dos riscos políticos que vinham sendo amplamente ignorados enquanto investidores compravam em massa ativos em países em desenvolvimento ao redor do mundo neste ano.

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O Brasil tem sido um dos principais beneficiados, deixando sua moeda com alta de mais de 13% frente ao dólar, mesmo após a recente correção. Parte disso foi impulsionada por operações de carry trade, estratégia na qual investidores tomam emprestado em países com juros baixos e aplicam onde os rendimentos são maiores — e que se aproveitaram das taxas locais mantidas em 15% ao ano, mesmo enquanto os bancos centrais nos EUA e na Europa começaram a reduzi-las.

“Pegou todo mundo de surpresa”, disse José Oswaldo Monforte, gestor da Vinland Capital.

“Com um ano de antecedência, achar que tudo ia caminhar linearmente para uma solução ótima, eu acho um pouco inocente”, disse. “Eu só consigo navegar bem isso administrando o risco e tendo uma margem de segurança. O que eu sei dizer é que vai ter volatlidade, e a gente precisa estar preparado.”

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Brazil's Real Slumps on Bolsonaro's Son Candidacy

A mudança marca o exemplo mais recente de como a política pode ameaçar o que têm sido fortes ralis em toda a América Latina.

No início deste ano, os títulos do Equador caíram quando parecia que o candidato socialista representava uma ameaça significativa ao presidente Daniel Noboa, que acabou reeleito. E os mercados da Argentina despencaram quando o presidente Javier Milei sofreu um revés em uma votação local, apenas para se recuperar fortemente quando contrariou expectativas ao vencer as eleições legislativas de outubro.

No caso do Brasil, o fluxo para mercados emergentes foi suficiente para ofuscar as preocupações com o aumento da dívida pública e do déficit fiscal sob Lula.

Embora a disputa de outubro de 2026 ainda esteja tomando forma, nos círculos financeiros a atenção se concentrava amplamente em uma possível candidatura presidencial de Tarcísio de Freitas, o governador de São Paulo.

Ele foi ministro da Infraestrutura no governo Bolsonaro — cargo que elevou seu perfil entre empresas locais e estrangeiras — e, como governador, conduziu a privatização da companhia estadual de saneamento, além de adotar medidas para conter gastos públicos.

Seu nome continuava a aparecer nas discussões políticas e de mercado. Em um evento em setembro, Luis Stuhlberger, CEO e CIO da Verde Asset Management, disse que Freitas “tem sido bastante vocal sobre a redução de custos”.

Stuhlberger acrescentou que enxerga um cenário “extremamente negativo” para os ativos brasileiros caso o presidente Lula conquiste a reeleição no próximo ano, incluindo uma desvalorização do real.

Eduardo Cohn, gestor da Heritage Capital Partners, disse que os multimercados estavam comprados em ações e aplicados em juros locais — posições que, segundo ele, se beneficiariam de uma vitória de Freitas. Em cartas mensais recentes, várias gestoras de multimercado disseram que estavam redobrando suas apostas otimistas em ativos locais.

“Os fundos estavam muito carregados nesse trade e a tendência é segurar a performance nesse finalzinho de ano”, disse Cohn.

Isso preparou o terreno para um choque abrupto provocado por uma guinada política inesperada que — ao menos por ora — parece ter frustrado a possibilidade de uma candidatura de Freitas.

O anúncio de Flávio Bolsonaro sugeriu que a eleição poderá ser uma revanche entre Lula e a família Bolsonaro, ou uma disputa com vários nomes da direita em vez de uma candidatura unificada. Ambos os cenários podem potencialmente fortalecer as chances de reeleição de Lula.

Freitas, que nunca confirmou que deixaria o cargo de governador de São Paulo para disputar a presidência, anunciou na noite de segunda-feira que apoia a candidatura de Flavio Bolsonaro.

Na terça-feira, o filho mais velho de Bolsonaro reiterou seu compromisso com a disputa e afirmou que só desistiria caso seu pai fosse libertado da prisão — onde cumpre pena por tentar reverter o resultado da última eleição — e pudesse voltar a concorrer.

A reviravolta continuou pressionando os mercados na terça-feira, enquanto investidores reavaliavam as perspectivas do país. O real chegou a cair mais de 1%, antes de recuperar grande parte das perdas, enquanto os contratos de juros futuros subiram, indicando que o mercado espera que as taxas permaneçam elevadas.

“Os mercados ainda acreditam que uma direita fragmentada aumentará as chances de Lula”, disse Daniel Balaban, da mesa de câmbio da XP em Nova York. “A reação de hoje está alinhada com essa narrativa.”

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