BC gasta US$ 17 bi em leilões à vista na semana para conter escalada do dólar

Apenas nesta sexta-feira, o BC voltou a realizar novo leilão de venda à vista e de linha de crédito, que, combinados, chegam a US$ 7 bilhões

Brazil Fights Cratering Real With Two Dollar Auctions In A Day
Por Giovanna Belotti Azevedo - Leda Alvim - Maria Elena Vizcaino
20 de Dezembro, 2024 | 02:44 PM

Bloomberg — Os mercados brasileiros se recuperaram no final da semana em meio a medidas extraordinárias do banco central para conter a escalada do dólar em relação ao real.

O real ganhou até 1,4% na sexta-feira (20), apagando brevemente as perdas semanais, depois que o BC interviu novamente com uma venda à vista e um leilão de linha de crédito, totalizando um total combinado de US$ 7 bilhões.

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Os títulos brasileiros em dólar estiveram entre os de melhor desempenho nos mercados emergentes na sexta-feira, e os swaps de inadimplência de crédito de cinco anos do país caíram.

O alívio vem depois que o banco central interveio quase todos os dias na semana passada para tentar atender a um aumento na demanda por dólares americanos.

Ele vendeu US$ 8 bilhões em leilões à vista consecutivos somente na quinta-feira, na maior venda diária de dólares desde pelo menos 1999. Até o momento, foram gastos cerca de US$ 17 bilhões em vendas à vista até às 12h desta sexta-feira (20).

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Os movimentos ajudaram a conter a velocidade das quedas, embora os investidores ainda estejam cautelosos quanto ao caminho a seguir para o real, cujo recuo de 20% este ano o torna a moeda de pior desempenho no mundo.

As ações brasileiras também estão entre os piores desempenhos globais, fazendo com que uma medida de avaliação atinja o nível mais baixo em relação ao benchmark de mercados emergentes em quase 20 anos.

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(Fonte: Bloomberg)

Os investidores correram para se desfazer dos ativos brasileiros em meio a preocupações crescentes com a deterioração das perspectivas fiscais do país.

A venda que fez com que o real despencasse para um nível recorde de baixa se espalhou para outras classes de ativos - de ações a dívidas em moeda local e títulos em dólar - com os investidores até mesmo se acumulando em hedges contra um calote soberano.

"A falta de credibilidade fiscal é o pecado original da atual derrota do mercado no Brasil", disse Patrick Esteruelas, chefe de pesquisa da EMSO Asset Management. "Parece difícil pegar essa faca que está caindo até que eles ancorem o fiscal, o crescimento esfrie ou o mercado comece a pensar em uma mudança de liderança."

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O Brasil apresenta um déficit orçamentário anual de 10% - muito maior do que os observados durante o primeiro governo do presidente esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva.

Um plano de corte de gastos muito aguardado, apresentado no mês passado, ficou muito aquém das expectativas, o que elevou as preocupações sobre as perspectivas fiscais.

Além disso, o pacote fiscal sofreu uma ‘desidratação’ pela Câmara dos Deputados.

Tomando medidas

A venda no Brasil ocorre em um momento em que os mercados emergentes como um todo enfrentam um cenário desafiador. Os investidores esperam que as políticas de Donald Trump mantenham o dólar forte e estimulem a inflação, provavelmente inviabilizando o afrouxamento monetário.

Esta semana, o Federal Reserve reduziu o número de cortes que espera fazer em 2025, o que sinaliza uma maior cautela quanto à rapidez com que poderá continuar reduzindo os custos dos empréstimos.

As perspectivas de um dólar forte fizeram com que os bancos centrais dos países emergentes entrassem em ação. Os formuladores de políticas da Coreia do Sul, Filipinas e Hungria agiram para estabilizar os mercados em meio à queda da moeda.

Domínio fiscal

A economia do Brasil continuou a crescer, com o desemprego em níveis quase recordes e salários em alta. Lula capitalizou o crescimento para demonstrar que está cumprindo suas promessas de melhorar a vida dos brasileiros de baixa renda.

Mas os observadores do mercado têm demonstrado preocupação de que a economia possa estar superaquecendo, com as expectativas de inflação tendo piorado significativamente. O banco central aumentou as taxas em um ponto percentual, para 12,25%, na semana passada, e se comprometeu a aumentar os custos dos empréstimos para 14,25% até março para tentar conter a deterioração.

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Isso fez pouco para evitar que as taxas fossem vendidas, com os investidores já apostando que a Selic atingirá um pico de mais de 16% e levantando dúvidas sobre a eficácia da política monetária.

Um coro cada vez maior de observadores do Brasil, desde o investidor veterano Luis Stuhlberger e o ex-banqueiro central Arminio Fraga até o Goldman Sachs e o Morgan Stanley, alerta que o país está caindo em uma armadilha na qual a expansão fiscal diminui o impacto da tentativa do banco central de apertar a política com taxas mais altas - um cenário conhecido como dominância fiscal.

Durante uma coletiva de imprensa na quinta-feira, Gabriel Galipolo, que assumirá o comando do banco central em janeiro, disse que a autoridade monetária tem as ferramentas necessárias para controlar a inflação.

Enquanto Roberto Campos Neto, atual presidente do BC, acrescentou que as intervenções cambiais não se destinam a estabelecer os níveis da moeda, nem a combater as percepções dos investidores sobre a piora das perspectivas fiscais.

O banco tem "muitas" reservas e agirá "sempre" que necessário, disse Campos Neto. As autoridades observaram uma saída "atípica" nas últimas semanas do ano, acrescentou.

No entanto, investidores e analistas dizem que o impacto das medidas pode ser de curta duração. Brad Bechtel, chefe global de câmbio da Jefferies, chamou as medidas de "solução de band-aid".

"Sabemos que as intervenções não funcionam, mas ganhamos algum tempo", disse Gorky Urquieta, gerente de portfólio da Neuberger Berman. "Será preciso decisão e disposição, e isso, em última análise, terá de vir do próprio presidente."

--Com a ajuda de Walter Brandimarte.

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