Bloomberg — As emissões de títulos de dívida da América Latina ultrapassaram com folga as previsões de banqueiros de investimento que, no máximo, esperavam um crescimento moderado em um ano marcado por maior volatilidade devido ao retorno de Donald Trump à Casa Branca.
Empresas e governos da região venderam US$ 184,45 bilhões em dívida no exterior até agora neste ano, um salto de quase 50% em relação a 2024.
Os números são recordes na série histórica compilada pela Bloomberg desde 2014, mas veteranos do mercado — eles próprios surpresos com os volumes — dizem que provavelmente este é o melhor ano da história.
“Esse vai ser o recorde absoluto, desde os anos 1990, quando todo o mercado evoluiu”, disse Lisandro Miguens, responsável pela área de mercados de capitais de dívida para a América Latina no JPMorgan, onde trabalha há 33 anos.
Ou, como colocou Adrian Guzzoni, responsável pelo mesmo negócio no Citi: “Acho que ninguém diria que não está surpreso.”
Os dois bancos foram, respectivamente, o primeiro e o segundo maiores coordenadores de emissões internacionais de títulos da dívida da América Latina neste ano, segundo dados compilados pela Bloomberg.
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Os cortes de juros do Federal Reserve e a necessidade de refinanciar dívidas emitidas durante a pandemia impulsionaram a atividade. O México — que levantou cerca de US$ 41 bilhões em títulos de moeda forte —, o governo brasileiro no seu ano mais ativo desde 2010, e uma onda de empresas argentinas contribuíram para a disparada nos volumes.
O afrouxamento monetário nos EUA e a maior volatilidade provocada pelo plano tarifário de Trump ajudaram a atrair investidores de volta aos ativos de mercados emergentes.
Fundos dedicados à dívida de países em desenvolvimento registraram entradas em 34 das últimas 35 semanas, segundo dados da EPFR Global compilados pelo Bank of America. As entradas líquidas no ano já superam US$ 60 bilhões.
O aumento do apetite levou ao estreitamento dos spreads, abrindo uma janela para tesoureiros e diretores financeiros refinanciarem dívidas.
A emissão de papéis de mercados emergentes de forma mais ampla está no maior ritmo desde 2020, enquanto o prêmio extra exigido por investidores para carregar títulos de países em desenvolvimento em dólar sobre os títulos do Tesouro dos EUA está em mínimas de vários anos, segundo um índice do JPMorgan.
“Dado o quão apertados estavam os spreads no mercado de grau de investimento, vimos alguns fundos tradicionais que compram papéis grau de investimento atravessarem a fronteira e comprarem créditos de emergentes”, disse Guzzoni.
Os governos lideraram as emissões, com 55% do total, segundo os dados. Mesmo países menores, como Suriname, Laos e República do Congo, conseguiram acessar investidores de dívida neste ano.
O México esteve entre os soberanos mais ativos do mundo, em grande parte para financiar a estatal Pemex. Para isso, adotou uma estrutura normalmente usada por seguradoras: os títulos pré-capitalizados, ou P-Caps, instrumento que permite captar recursos sem registrar a operação como dívida no balanço.
“Uma das coisas que vimos foram governos se tornando muito mais criativos ao buscar financiamento — indo para mercados diferentes, tentando captar em euros, francos suíços, moedas asiáticas”, disse Miguens. “Outros, como o Panamá, estão buscando financiamento bancário, algo que não víamos há muito, muito tempo, desde os anos 1980.”
O governo mexicano também vendeu títulos de dívida externa em euros para apoiar a Pemex. A Colômbia lançou seus primeiros títulos denominados em euros em uma década em meio a uma estratégia não-convencional de reperfilamento da dívida.
Embora o retorno do governo da Argentina aos mercados globais seja esperado apenas para 2026, empresas do país continuaram emitindo no exterior, totalizando mais de US$ 12 bilhões — boa parte após a vitória expressiva do presidente Javier Milei nas eleições legislativas de meio de mandato, no fim de outubro.
As empresas argentinas devem continuar emitindo no exterior, disse Guzzoni, acrescentando que companhias brasileiras também podem aumentar sua atividade.
As empresas do país enfrentaram um segundo semestre difícil, marcado por uma série de problemas de crédito que travaram algumas operações. Ainda assim, emitiram US$ 24 bilhões em títulos de moeda forte, segundo os dados compilados pela Bloomberg.
As eleições presidenciais no Brasil, na Colômbia e no Peru podem trazer volatilidade em 2026, embora banqueiros não esperem que os pleitos afetem materialmente os volumes de emissão. Além disso, com o Fed prevendo pelo menos mais um corte de juros em 2026, a demanda deve permanecer sólida, dizem.
A necessidade de investimentos também deve sustentar a oferta e manter volumes elevados de emissão. A “revolução da IA” demanda energia, lítio, cobre — e a região tem abundância desses recursos, disse Miguens.
“Esperamos que 2026 seja um ano ativo, mais no lado corporativo e menos no soberano”, disse Augusto Urmeneta, presidente para a América Latina do Bank of America, o terceiro maior coordenador de emissões de títulos de dívida internacionais da região, segundo dados compilados pela Bloomberg.
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