Bloomberg Línea — No primeiro domingo de agosto, a Praça XV, no centro do Rio de Janeiro, começou a encher de pessoas logo nas primeiras horas da manhã.
Milhares de corredores cortavam a área que já foi um dos centros do poder colonial e imperial do Brasil para pegar a balsa que os levaria até Niterói.
Eles se dirigiam para participar do Desafio da Ponte, prova de meia-maratona (com 21,1 km) que havia sido realizada pela última vez mais de uma década antes.
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Lançada originalmente em 1981, a prova que cruza a Ponte Rio-Niterói no sentido inverso ao do seu nome nunca se fixou no calendário. Após seis edições consecutivas até 1986, foi interrompida por questões operacionais da ponte. Na década passada, houve nova tentativa, com edições de 2011 a 2013.
O anúncio de retorno da prova foi acompanhado de elevadas expectativas por parte de corredores, dado o simbolismo de cruzar a maior ponte do hemisfério Sul e o novo momento de popularização da corrida de rua no país.
Quando os preços foram divulgados, outro sentimento tomou lugar da expectativa e invadiu as redes sociais: frustração.
O preço de inscrição a R$ 500,00 afastou muitos corredores - em geral, provas dessa distância custam de R$ 250 a R$ 350. O Desafio da Ponte, planejado e organizado com capacidade para absorver 8.000 atletas, chegou a pouco mais de 5.000 inscritos, dos quais 86,5% do estado do Rio de Janeiro.
A organização creditou o número aquém do esperado também ao tempo que levou para conseguir todas as liberações e, consequentemente, a confirmar a realização da prova. Isso atrapalhou o planejamento dos atletas do ponto de vista de treinamento e também de viagem ao Rio de Janeiro.
A edição acabou com duas certezas: a primeira é que a Dream Factory, organizadora da prova, quer incluí-la no seu calendário de corridas. “Tem tudo para acontecer no ano que vem”, disse Claudio Romano, VP de Marketing e Negócios da empresa.
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E a segunda é a de que o preço não será mais baixo.
“Essa é uma prova muito premium, não é uma prova em que você corre em uma pista normal. A logística de fechamento é muito difícil, com a ponte Rio-Niterói e as duas cidades envolvidas. Tudo é diferente e nós entregamos isso”, disse, citando o show do Barão Vermelho na arena, entre experiências com marcas parceiras.
Tríplice coroa
A prova se insere em uma agenda que a Dream Factory e a Spyridon, empresa do grupo Dreams para a operação de eventos, procura acelerar na corrida.
Faz parte de um projeto de lançar uma “tríplice coroa”, que inclui a Maratona do Rio, o principal ativo, e o Circuito Adidas MDR, uma extensão da Maratona do Rio prevista para passar por cinco capitais nos próximos meses.
O projeto começou com provas em Belo Horizonte e Recife e terá três outros destinos, ainda mantidos em sigilo. Ao longo das etapas, as distâncias mudam, como uma espécie de preparação para a Maratona do Rio, que acontecerá em 2026 no feriado de Corpus Christi, entre 3 e 7 de junho.
Nos últimos anos, a Maratona do Rio se consolidou como a maior experiência de corrida no país em número de participante e se tornou um destino de corredores do Brasil e do exterior - 85% dos participantes são de fora do estado.
“Como recebemos esse volume de pessoas de fora do Rio, entendemos que seria uma abertura para levarmos essa experiência. A escolha das praças do circuito leva em conta esse dado também”, disse Fernanda Cozac, diretora de marketing da Dream Factory.
De acordo com a Brand Finance, a prova no Rio foi eleita a 11ª marca de maratona mais valiosa do mundo, com um impacto econômico calculado em US$ 37 milhões - o equivalente, na cotação atual, a cerca de R$ 200 milhões.

Em 2025, a edição registrou 60 mil inscritos - 33% a mais do que um ano antes -, incluindo todas as distâncias, das provas de 5 km e 10 km até a meia-maratona e a maratona. Uma expansão que não veio sem dores.
Reclamações sobre filas extensas com horas de espera para a retirada de kits, falta de medalha no percurso de 5km e críticas à forma de venda de inscrição se avolumaram em redes sociais na edição.
Houve também congestionamento nos primeiros quilômetros devido ao excesso de corredores, principalmente na meia-maratona, a distância mais demandada, uma vez que não há largada dividida em “ondas” (blocos).
São problemas que a organização promete resolver para 2026.
“Nós faremos mais medalhas para não ter esse tipo de problema”, disse Romano.
A logística de retirada de kits, com um modelo de agendamento, deve ser revisada para atender às características de comportamento dos brasileiros.
“Se as pessoas tivessem respeitado o dia e o horário certo, não teríamos problema. Nós fizemos toda a projeção para isso. Mas entendemos também que vem muita gente de fora que, ao descer no aeroporto, opta por vir logo retirar o kit”, afirmou Romano.
Para a edição de 2026, a organização adotou a realização de sorteios para as inscrições para as distâncias de 21,1 km e 42,2 km, um modelo presente nas maratonas internacionais mais concorridas a organizadas do mundo.
E também o benefício da inscrição direta para quem correu o Desafio da Ponte, por exemplo.
Projeção de 115 mil corredores
Enquanto encara e busca atender as dores do crescimento, a Dream celebra os números que a frente de corrida tem trazido como negócio.
Essa vertical de negócios representa hoje 27% da receita da companhia. Após crescer 47% em 2024, a projeção é que avance acima dos 60% em 2025.
E supere 50% no próximo ano, quando espera que 115 mil atletas participem de suas provas, entre Maratona do Rio, Circuito e Desafio da Ponte.
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Além de corrida de ruas, a Dream detém outros ativos sob sua gestão, como o carnaval de rua do Rio de Janeiro e de São Paulo, o Rally dos Sertões - rebatizado como Sertões -, e a ArtRio, feira internacional de arte, além de administrar a Marina da Glória. A companhia não revela o faturamento total.
A conexão entre todos esses ativos de corridas ganhou um novo estímulo com uma plataforma que faz uso de gamificação.
A partir de desafios, incluindo projetos em parceria com o Strava, e participações nas provas, a Dream Factory promete descontos e benefícios na aquisição de produtos de patrocinadores.

No Desafio da Ponte, a aposta interativa foi incentivar que corredores guardassem os sachês de hidratação - em substituição aos copos plásticos com água. Quem apresentasse três embalagens ao final da prova recebia um chaveiro inspirado na medalha da prova.
Mais de 90% dos corredores participaram, de acordo com a organização, o que levou à entrega de mais de 19.000 sachês. A colaboração resultou na coleta de 12 sacos de resíduos e reduziu o volume de lixo na rua - um desafio para a organização.
Em um cenário em que a corrida avança pelo país e atrai mais de 13 milhões de pessoas, em provas ou momentos de exercício físico, a Dream Factory, com a Maratona do Rio, o Desafio da Ponte e o Circuito QAdidas MDR, investe para consolidar uma plataforma com escala para atrair marcas, atletas e turistas.
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Faz isso contando com o DNA de experiência do Grupo Dreamers, holding da qual faz parte e é conhecida por eventos como o Rock in Rio e o The Town.
A ambição é transformar cada prova não apenas em um evento esportivo mas em um ativo cultural e econômico capaz de colocar o Rio e o país no mapa global das grandes maratonas.
Um objetivo é passar a integrar o seleto grupo das World Major Marathons, como são conhecidas as sete maratonas mais desejadas por corredores do mundo: Nova York, Boston, Chicago, Londres, Berlim, Tóquio e, mais recentemente, Sydney.
Para isso, segundo especialistas e treinadores, a Maratona do Rio terá que passar por uma evolução, em que parte do apelo ao entretenimento cederá espaço a uma organização que inclua, por exemplo, áreas muito maiores para entregas de kits e largada em “ondas” (divisão dos corredores em blocos que largam em horários diferentes), para citar duas práticas adotadas pelas “Majors”.
Como uma maratona, é um grande objetivo que leva tempo e muita preparação.
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