Como o sorteio da Copa serviu para o encontro inédito de Trump, Sheinbaum e Carney

Líderes dos países-sede que formam um dos maiores blocos comerciais do mundo dividiram o palco diante de milhões de pessoas e se reuniram depois a portas fechadas em Washington DC; mensagem ao público teve direito até a selfie ‘improvisada’

U.S. President Donald Trump, Claudia Sheinbaum, President of Mexico, and Mark Carney, Prime Minister of Canada, pose for a selfie with Gianni Infantino, President of FIFA, during the FIFA World Cup 2026 Official Draw at John F. Kennedy Center for the Performing Arts on December 05, 2025 in Washington, DC. (Photo by Hector Vivas - FIFA/FIFA via Getty Images)
Por Alexandre Salvador
06 de Dezembro, 2025 | 05:21 PM

Bloomberg Línea, de Washington DC — A cena parecia roteirizada para demonstrar harmonia.

No palco do John F. Kennedy Center for the Performing Arts, em Washington DC, a presidente do México, Claudia Sheinbaum, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o primeiro-ministro do Canadá, Mark Carney trocaram sorrisos, dividiram comentários amenos sobre as atrações do espetáculo e posaram lado a lado diante de um telão que anunciava o pontapé inicial para a Copa do Mundo de 2026.

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Houve espaço e disposição até para uma selfie “improvisada” tirada pelo presidente da FIFA, Gianni Infantino, com os três líderes no palco após a participação surpresa em que cada um sorteou o nome do respectivo país que lider - “surpresa” na versão oficial para a imprensa e o público, dado que não constava do protocolo inicialmente divulgado sobre os atos previstos na cerimônia.

Houve também espaço para interações retratadas por fotógrafos e cinegrafistas, que pareceram querer sinalizar uma mensagem de proximidade e entendimento entre os três líderes, da chegada ao evento às apresentações musicais.

Nos bastidores, porém, o encontro inaugural entre os líderes dos países-sede do Mundial do ano que vem carregava o peso de tarifas impostas pelo governo americano, incertezas sobre o acordo de livre comércio USMCA e dúvidas sobre até onde a Fifa está disposta a ir para agradar o líder da Casa Branca.

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Uma reunião a portas fechadas na tarde de sexta-feira (5), que, segundo interlocutores do governo canadense, durou cerca de 50 minutos e não contou com a presença de assessores, marcou as primeiras discussões presenciais entre Trump e Sheinbaum, e as primeiras conversas privadas entre Trump e Carney desde que o presidente interrompeu as negociações comerciais com o Canadá em outubro.

WASHINGTON, DC - DECEMBER 05: FIFA President Gianni Infatnino, U.S. President Donald Trump, Claudia Sheinbaum, President of Mexico, and Mark Carney, Prime Minister of Canada during the FIFA World Cup 2026 Official Draw at John F. Kennedy Center for the Performing Arts on December 05, 2025 in Washington, DC. (Photo by Tasos Katopodis - FIFA/FIFA via Getty Images)

Horas mais cedo, Trump e o presidente da FIFA chegaram juntos ao tapete vermelho do evento na sexta, em uma capital americana tomada pela neve e por temperaturas abaixo de zero, o que praticamente acabou com qualquer manifestação popular.

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Antes do início do sorteio propriamente dito, a FIFA entregou a Trump o chamado “Prêmio da Paz – O Futebol Une o Mundo”, criado neste ano para reconhecer ações de promoção de diálogo em escala global.

O presidente americano subiu ao palco, colocou em si mesmo a medalha que lhe foi presenteada e agradeceu dizendo que esse prêmio “é verdadeiramente uma das maiores honras” que já recebeu em sua vida.

A FIFA justificou a escolha de Trump pela atuação diplomática em diferentes frentes desde o retorno à Casa Branca.

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Em seu discurso, Infantino disse que Trump ajudou a salvar “milhões de vidas” ao redor do globo.

A decisão gerou críticas de organizações de direitos humanos e de parte da imprensa, que apontaram um alegado contraste entre o prêmio e a escalada de tensões pela política migratória de seu governo e a perseguição a imigrantes ilegais em território americano.

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Trump agradeceu e elogiou a tradição e o alcance do futebol, maior até - reconheceu - do que o do futebol americano no território local e globalmente.

Sobre as relações com seus vizinhos, Trump seguiu um caminho igualmente diplomático, dizendo que sua relação de trabalho tanto com México quanto com o Canadá é “tremenda” e de “estreita colaboração, coordenação e amizade”.

No palco do Kennedy Center, tanto o líder americano como a do México e o do Canadá tiveram a oportunidade de expressar suas visões sobre o impacto e o simbolismo do torneio para suas respectivas nações.

Sheinbaum como anfitriã

Na abertura do evento, Claudia Sheinbaum destacou que o México será sede de uma Copa do Mundo pela terceira vez (depois de 1970 e 1986) e citou a tradição do país com o futebol desde jogos de bola em períodos pré-colombianos.

Mas também reforçou o que descreveu como uma característica de seu governo, que procura melhorar as condições de trabalho dos mexicanos - uma de suas ações mais recentes trata da redução gradual da jornada de trabalho em seu país de 48 para 40 horas semanais.

A presidente apresentou o torneio como oportunidade para ampliar o fluxo de turistas e investimentos, mencionando a preparação de cidades como Cidade do México, Guadalajara e Monterrey para receber jogos.

Depois do sorteio, Sheinbaum afirmou que a reunião com Trump e Carney foi “excelente” e “produtiva” e que os três países vão continuar a trabalhar em conjunto em temas como comércio, migração e segurança.

A presidente da segunda maior economia da América Latina indicou que o México pretende preservar o acesso preferencial ao mercado americano ao mesmo tempo em que mantém posições próprias em áreas como política social e energética.

Carney e a posição canadense

O primeiro-ministro do Canadá, Mark Carney, que assumiu o governo do país em março deste ano, aproveitou suas intervenções sobre o encontro para dizer que a Copa conjunta é um exemplo de cooperação entre Canadá, Estados Unidos e México.

O primeiro-ministro afirmou que o governo canadense pretende usar o torneio para reforçar laços comerciais e turísticos e defendeu a manutenção de regras claras para o fluxo de bens e serviços na América do Norte.

O Canadá enfrenta o impacto direto das tarifas americanas sobre aço, madeira, automóveis e produtos agrícolas, em um momento em que cadeias de produção transfronteiriças aumentam a sensibilidade a mudanças regulatórias.

A estratégia do país mais ao norte do continente tem sido combinar aproximação política com a Casa Branca e defesa pública da importância do USMCA para empresas e trabalhadores canadenses.

Dança ao som de ‘YMCA’

Ao longo do dia, Trump usou rápidas interações com a imprensa para dizer que “se dá muito bem” com Sheinbaum e Carney e que discutiria comércio com ambos durante o encontro em Washington.

O presidente americano voltou a falar sobre a possibilidade de rever o tratado comercial USMCA caso não consiga novos compromissos dos parceiros, mantendo a ameaça de saída do acordo como instrumento de pressão.

O encerramento do sorteio ficou a cargo de uma apresentação musical que incluiu “YMCA”, música associada há vários anos aos comícios de Trump.

Imagens oficiais do evento mostraram o presidente dançando no palco e interagindo com Sheinbaum e Carney durante a canção, todos já nas tribunas do Kennedy Center, repetindo gestos vistos na campanha eleitoral de 2024.

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