‘Século perdido’: América Latina precisa repensar como crescer, diz Banco Mundial

Em entrevista à Bloomberg Línea, o economista-chefe do organismo para LatAm e Caribe, William Maloney, defendeu que a região só vai conseguir aproveitar oportunidades decorrentes de casos como a guerra comercial se realizar a ‘lição de casa’

Fachada do Museu do Futuro
16 de Junho, 2025 | 12:21 PM

Bloomberg Línea — A América Latina precisa repensar seu modelo de crescimento econômico, afirmou o economista-chefe do Banco Mundial para a região e o Caribe, William Maloney, em entrevista à Bloomberg Línea.

Para ele, o modelo atual “não está funcionando muito bem”, em meio a ameaças atuais como o retorno do protecionismo e uma guerra comercial. Em sua avaliação, a região tem a oportunidade de tirar proveito desse contexto, mas precisa concluir algumas lições de casa para conseguir atrair investimento.

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A América Latina desperdiça seu verdadeiro potencial e enfrenta o desafio de recuperar o que Maloney chama de “o século perdido do crescimento”, disse.

“Temos crescido lentamente há muitas décadas. Estamos mais ou menos no mesmo nível que tínhamos entre 2000 e 2010”, disse Maloney em entrevista por vídeo.

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De acordo com as últimas projeções do escritório global do Banco Mundial, publicadas em junho, a América Latina crescerá 2,3% em 2025 e a uma média de 2,5% em 2026-2027, ainda muito abaixo do seu potencial.

No relatório de abril do escritório regional do Banco Mundial, que teve a divulgação adiada por uma semana devido à volatilidade com as tarifas de Donald Trump, a organização revisou sua previsão de crescimento para a América Latina e o Caribe para 2,1% em 2025. Seria a região com o menor crescimento global.

“O fato é que nosso modelo de crescimento atualmente não está funcionando muito bem. Até mesmo o Chile, que implementou reformas mais abrangentes do que qualquer outro país da região, cresce com uma produtividade muito baixa”, observou Maloney.

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“Portanto, precisamos pensar no que estamos perdendo e em quais tarefas precisamos realizar para crescer melhor.”

O baixo crescimento, alertou o economista, torna as empresas mais cautelosas em investir ou expandir, pois não têm certeza sobre onde e se é seguro estabelecer novos mercados.

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“Investimos [como região] pouco em infraestrutura, a qualidade da educação continua baixa e as taxas de homicídio são oito vezes maiores do que no mundo como um todo”, disse.

Foto: Banco Mundial

Maloney afirmou que há grande potencial para desenvolver novas indústrias, tirando proveito da biodiversidade, de energias renováveis, do hidrogênio verde e de outros recursos, áreas que estão no radar da organização multilateral para promover projetos.

O Banco Mundial buscará contribuir para melhorar a governança eficiente na região, um desafio que, segundo Maloney, se reflete no fato de que “os cidadãos latino-americanos não estão muito satisfeitos com seus governos”.

Risco protecionista

Questionado sobre as recentes críticas do presidente Donald Trump às organizações multilaterais, Maloney reconheceu que há espaço para rever modelos, mas defendeu o papel do Banco Mundial como parceiro técnico dos países.

“Pode haver espaço para repensar alguns elementos, mas pelo menos acho que a mensagem é que eles apoiam a missão das organizações multilaterais”, observou.

Sobre o risco de um retorno - ainda maior - ao protecionismo global, Maloney afirmou que as políticas protecionistas das décadas de 1960 a 1980 não funcionaram devido à falta de concorrência e abertura à inovação tecnológica.

Portanto, ele destacou que o que deve ser feito para qualquer país é permanecer aberto à importação de tecnologia e desenvolver indústrias próximas à fronteira tecnológica, independentemente do cenário tarifário.

“Temos governos bastante de esquerda que, em décadas passadas, podem ter adotado políticas protecionistas, [...] e que agora estão buscando novos laços internacionais. Penso que é exatamente assim que devemos proceder; precisamos diversificar”, observou o economista.

Guerra comercial

Diante da guerra comercial que começa a “escalar”, Maloney explicou que a América Latina tem oportunidades, se puder se preparar adequadamente e concluir suas “tarefas pendentes”.

“Até agora, com exceção do México, estamos indo relativamente bem [como região]. Alguns produtos, como cobre e petróleo, continuam a entrar sem tarifas, mas a incerteza é alta”, indicou.

Maloney observou que a posição da região dependerá em grande parte de como os Estados Unidos definirem sua estratégia de médio prazo.

Ele disse acreditar que à medida que os EUA se preocupam cada vez mais com a China, oportunidades podem se abrir para que a América Latina se torne uma parceira mais próxima.

Para o economista, também é fundamental fortalecer os fundamentos domésticos que permitirão atrair investimentos da Ásia.

“Se queremos que indústrias da China ou do Camboja cheguem a Barranquilla [Colômbia], temos que fazer a lição de casa”, exemplificou, apontando para áreas como infraestrutura, estabilidade macroeconômica, educação, segurança e capacidade de gestão.

“Como disse (Louis) Pasteur, a sorte favorece os preparados, e acho que em muitas áreas ainda não estamos preparados”, observou Maloney. “Temos todos os tipos de incertezas que precisamos administrar.”

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Sobre o papel da China na região, o economista disse acreditar que a diversificação de mercados é positiva para a América Latina, mas não a isenta de realizar as reformas necessárias.

No contexto da guerra comercial, “acredito que todos os países latino-americanos diversificarão seus destinos de exportação, e com razão”.

Violência freia o crescimento

A América Latina também enfrenta sérios problemas com a violência, que podem prejudicar ainda mais seu desempenho econômico nos próximos anos, razão pela qual o Banco Mundial considera imperativo reduzi-la.

O economista associou esse flagelo à má distribuição de renda e à pobreza que a região continua a enfrentar.

Mas também existem “outras forças em termos de crime organizado, mais agressivas do que em outras décadas”.

Para Maloney, esse é um desafio que a região deve enfrentar em conjunto com seus parceiros, incluindo os Estados Unidos e a Europa.

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“Obviamente, onde há mais incerteza, há menos investimento. Em alguns países, as empresas estão gastando até 10% de sua receita com segurança, o que representa um desafio para suas operações.”

Além disso, quando as pessoas não conseguem trabalhar ou viver sem medo, há uma má alocação da força de trabalho.

“As pessoas param de investir em seu próprio capital humano porque se perguntam: por que devo me capacitar se não há indústria ou oportunidades?”

Ele analisou esse fenômeno sob diversas perspectivas: considerou que os governos alocam cada vez mais recursos para segurança quando poderiam concentrá-los em infraestrutura ou educação.

Portanto, a violência é um problema sério que precisa ser enfrentado o mais rapidamente possível, pois torna a região “menos atraente para investimentos”.

Sobre as principais economias da região, o economista ofereceu uma visão geral:

Brasil

O Banco Mundial projeta crescimento de 2,4% neste ano e 2,2% no próximo. “O país busca diversificar seus laços internacionais e abrir novos mercados, mas também têm tarefas pendentes para facilitar os negócios.”

México

“Projetamos um crescimento de 0,2% em 2025, bem abaixo da média de seis meses atrás (1,3 ponto percentual a menos que a previsão de janeiro).” O México está altamente exposto à evolução da economia americana e à resolução das tensões tarifárias, portanto, provavelmente será “o mais afetado” na América Latina pela guerra comercial.

Argentina

Maloney elogiou alguns progressos recentes, embora tenha alertado para os desafios futuros: “Eles obtiveram sucesso na gestão do déficit fiscal e conseguiram reduzir a taxa de inflação. Agora, estão entrando na próxima fase: como administrar a taxa de câmbio e os fluxos de capital, o que é complexo, e precisamos monitorar como o governo está se saindo.”

Colômbia

Há desafios fiscais significativos na América Latina. A maioria dos países fez o que era necessário durante a pandemia, mas agora enfrentam o desafio de reduzir gastos e buscar novas receitas, mantendo a disciplina fiscal. “Essas regras fiscais em toda a região serviram para manter alguma disciplina, o que foi muito valioso. Portanto, acho que manter esse tipo de disciplina em toda a região é fundamental para os próximos anos.”

Guiana e Venezuela

“O desafio para a Guiana é justamente usar esse boom do petróleo para alcançar um desenvolvimento amplo, bem distribuído por todo o país, que não gere problemas políticos.” E a Venezuela tem grande potencial, mas precisa primeiro resolver seus problemas políticos, segundo Maloney.

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Daniel Salazar Castellanos

Profesional en comunicaciones y periodista con énfasis en economía y finanzas. Becario de EFE en el programa de periodismo de economía de la Universidad Externado, Banco Santander y Universia. Exeditor de Negocios en Revista Dinero y en la Mesa América de la agencia española de noticias EFE.