No Uruguai, Banco Central prepara medidas para reduzir o uso do dólar na economia

Guillermo Tolosa, presidente do BC uruguaio, pretende aumentar o uso do peso em uma estratégia para desenvolver um mercado de capitais doméstico; país é um dos mais dolarizados na América Latina

Uruguay
Por Ken Parks
26 de Dezembro, 2025 | 02:35 PM

Bloomberg — O presidente do Banco Central do Uruguai quer convencer poupadores de um dos países mais dolarizados da América Latina de que o apego à moeda americana faz mal tanto para a economia quanto para o bolso.

A partir de 2026, Guillermo Tolosa pretende implementar medidas para ampliar o uso do peso uruguaio como parte de uma estratégia para desenvolver um mercado de capitais doméstico que possa beneficiar tomadores de crédito locais — de empresas e pessoas físicas ao próprio governo.

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Tolosa deve falar com a imprensa nesta sexta-feira (26) para discutir a política monetária e os planos de desdolarização do banco central.

Leia também: O que esperar para o dólar em 2026, segundo Bank of America, Citi e Itaú

Os primeiros passos incluem a elevação das exigências de capital dos bancos para alguns empréstimos em dólares, além da eliminação de níveis de recolhimento compulsório para certos depósitos em pesos, a fim de incentivar as instituições financeiras a conceder mais crédito na moeda local.

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Outras medidas em análise incluem a exigência de que empresas que precificam bens em moedas estrangeiras também exibam os preços em pesos.

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Será um caminho longo para desestimular o uso do dólar em um país onde mais de dois terços dos depósitos bancários estão em moeda americana.

Os uruguaios começaram a adotar o dólar durante períodos de inflação elevada e desvalorização cambial na segunda metade do século 20. Hoje, caixas eletrônicos oferecem pesos e dólares, e compras de maior valor, como carros e imóveis, são cotadas em dólares.

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A iniciativa de desdolarização do presidente Yamandú Orsi contrasta com as medidas adotadas do outro lado do Rio da Prata. Na Argentina, o presidente Javier Milei persegue reformas trabalhistas que permitiriam que salários fossem pagos tanto em dólares quanto em pesos argentinos.

Embora suas propostas cambiais mais radicais permaneçam em suspenso, o líder libertário da Argentina também afirmou que poderia, no futuro, eliminar o peso por completo, fechar o banco central e adotar o dólar.

Tolosa afirma que o apego do Uruguai ao dólar reflete um hábito antigo, formado em tempos de instabilidade econômica — algo que, em sua visão, o país já superou.

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“Vamos largar a chupeta de uma vez por todas”, disse ele a líderes empresariais em setembro. “Seu poder de compra quando você investe em dólares vai ser muito volátil. Investir em dólares em um contexto como este é uma forma de aposta, como em um cassino.”

Abandono do dólar

O movimento do Uruguai para reduzir a dependência do dólar, embora motivado sobretudo por preocupações domésticas, também reflete um debate internacional mais amplo sobre o futuro da moeda americana.

Poucos esperam que a divisa perca seu papel dominante na economia global tão cedo, mas o aumento da concorrência de outras moedas, as tensões geopolíticas e os déficits dos Estados Unidos corroeram parte de seu apelo.

A participação do dólar nas reservas dos bancos centrais caiu de cerca de 71% na virada do século para quase 59% no ano passado, segundo dados do Fundo Monetário Internacional. No caso do Uruguai, os ativos denominados em dólares nas reservas recuaram para 84% em setembro, ante 90% em março, quando Tolosa assumiu o cargo.

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O banco central pretende avançar de forma significativa no desenvolvimento dos mercados domésticos em pesos e na redução da dolarização durante o mandato de Tolosa, informou a autoridade monetária em resposta enviada por e-mail a um pedido de comentário.

Tolosa tem buscado apoio público para sua campanha de desdolarização ao argumentar que os uruguaios estão perdendo dinheiro ao poupar em dólares. Contas correntes denominadas na moeda americana perderam metade de seu poder de compra nas últimas duas décadas, afirmou.

A escassez de depósitos em moeda local também limita a oferta de crédito, já que as regras restringem empréstimos em dólares a famílias e empresas com renda em pesos.

Para convencer os uruguaios a manter uma parcela maior de suas economias em pesos, no entanto, os formuladores de política monetária precisarão adotar uma meta de inflação mais baixa — de 3%, em vez dos atuais 4,5% — e defendê-la com sucesso por anos, disse Aldo Lema, economista e sócio da consultoria regional Vixion Consultores.

“O Uruguai avançou muito lentamente rumo a uma inflação baixa e estável, em contraste com o Peru, que tem inflação baixa e estável há muito tempo e conseguiu se desdolarizar”, afirmou Lema.

Até recentemente, o Uruguai era um ponto fora da curva na América Latina, com a inflação ao consumidor avançando, em média, 8,8% ao ano entre 2001 e 2022.

Essa situação foi amplamente tolerada graças a acordos de negociação coletiva e contratos empresariais estruturados para proteger as partes das oscilações de preços.

A inflação elevada não impediu o país de obter grau de investimento nem de atrair bilhões de dólares em investimento estrangeiro, incluindo fábricas de celulose e imóveis de luxo à beira-mar.

A política monetária restritiva começa a dar resultado, com a inflação permanecendo dentro da faixa de tolerância do banco central, de 3% a 6%, por dois anos e meio, e girando em torno da meta de 4,5% por seis meses consecutivos.

O empresário do setor de incorporação para habitação popular Fabian Kopel acredita que o setor de construção se beneficiaria da precificação em moeda local, por meio da unidade indexada à inflação conhecida como UI, já que cerca de 75% de seus custos estão em pesos.

A UI ajudaria a proteger construtoras e compradores contra a inflação e as oscilações cambiais que corroem margens e elevam os preços dos imóveis em dólares, disse ele.

O problema é que os consumidores têm pouco ou nenhum entendimento sobre a UI, afirmou Kopel, cuja empresa, a Kopel Sanchez, construiu cerca de 1.600 unidades habitacionais.

“A única forma de isso acontecer é se se tornar obrigatório. Que todo o mercado imobiliário passe a operar em UI”, disse ele em entrevista à Bloomberg News.

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