Na Argentina, novas regras de liquidez geram atrito entre bancos e o governo Milei

Segundo a Bloomberg News, principais instituições do país avaliam que as novas medidas para conter a venda do peso argentino são ineficientes e custosas; bancos preparam carta de recomendações de mudanças ao BC do país

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Bloomberg — As novas medidas de liquidez recém-impostas com o objetivo de conter a venda do peso argentino aumentaram as tensões entre o presidente argentino, Javier Milei, e os bancos do país, um setor que estava amplamente alinhado com sua agenda econômica, mas que agora vê sua lucratividade ameaçada.

Os banqueiros argumentam que as novas regras, que exigem que as instituições atinjam os requisitos de reservas diariamente, em vez de mensalmente, são ineficientes e custosas.

As principais instituições financeiras preparam um documento com recomendações de mudanças operacionais para apresentar ao Banco Central da Argentina, de acordo com duas pessoas com conhecimento direto do assunto que falaram com a Bloomberg News.

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O descontentamento ficou evidente durante uma reunião virtual na quinta-feira (14), quando Darío Stefanelli - chefe de emissão e regulamentação do banco central - dirigiu-se a mais de 100 investidores de instituições como o Banco Galicia, Banco Santander, Banco Macro e BBVA Argentina, disseram as pessoas, falando sob condição de anonimato para discutir conversas privadas.

Stefanelli, que é conhecido por explicar pacientemente os regulamentos usando clipes de áudio, respondeu a uma enxurrada de reclamações, afirmando: “eu só explico as regras”, segundo uma das pessoas.

Galicia, Santander, Macro e BBVA não quiseram comentar. Nem a liderança da autoridade monetária nem os executivos do alto escalão dos bancos privados participaram da reunião na quinta-feira, de acordo com um funcionário do banco central que pediu para não ser identificado.

Os formuladores de políticas argentinos organizam rotineiramente reuniões mensais em nível técnico para esclarecer novas normas, acrescentou a pessoa.

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As tensões começaram a aumentar no final de julho, quando o governo decidiu retirar pesos do mercado para reduzir a demanda por dólares, vendendo dívidas em moeda local.

O peso perdeu mais de 12% do valor no mês passado, seu pior desempenho desde que Milei desvalorizou a moeda ao assumir o cargo em dezembro de 2023. As medidas do governo provocaram uma crise de liquidez que levou as taxas de juros reais a dois dígitos.

O impasse se agravou em 13 de agosto, quando o governo conseguiu refinanciar apenas 61% da dívida em pesos que estava vencendo, cobrindo uma parte do restante com os ativos do banco central. Isso injetou efetivamente cerca de 6 trilhões de pesos (US$ 4,6 bilhões) na economia.

Como resultado, a autoridade monetária ordenou que os bancos cumprissem as metas de reservas diariamente, aumentou certos tipos de exigências de reservas e endureceu as penalidades por não cumprimento.

O aumento das exigências de reservas forçou os bancos a correr atrás de pesos para atingir suas metas, o que, em um mercado carente de liquidez, elevou os custos de financiamento.

A taxa de recompra de um dia saltou rapidamente para 80% anualizados após o leilão da dívida, enquanto as notas LECAP de um mês do governo no mercado secundário atingiram 71%, de acordo com dados compilados pela Bloomberg.

As empresas com melhor classificação em busca de financiamento de ultracurto prazo acabaram pagando mais de 100% ao ano, de acordo com duas pessoas com conhecimento direto.

O ministro da Economia, Luis Caputo, disse que essa seria a resposta do governo sempre que houvesse excesso de pesos em circulação.

“Se as rolagens incompletas forem interpretadas como expansão monetária, esses pesos serão absorvidos - seja por meio de reservas remuneradas, reservas não remuneradas ou outras ferramentas”, disse ele na semana passada em uma postagem no X, referindo-se às exigências que podem ser atendidas pela posse de títulos em vez de dinheiro.

As medidas ajudaram a reverter parte da recente desvalorização do peso, que ameaçou inviabilizar o esforço de Milei para conter a inflação e, consequentemente, as perspectivas do governo nas próximas eleições de meio de mandato.

“O que eles esperavam? Que eu liberasse dinheiro para que eles pudessem atacar a taxa de câmbio? De jeito nenhum”, disse o presidente libertário em uma transmissão ao vivo em 28 de julho.

Taxas mais altas e exigências de reservas mais rígidas cortaram diretamente as margens dos bancos. Depois de um ano de rápido crescimento do crédito, muitas instituições concederam empréstimos de longo prazo financiados por passivos de curto prazo, cujos custos aumentaram drasticamente. A lucratividade, que já estava sob pressão, diminuiu ainda mais.

A queda esperada na lucratividade só se tornará evidente nos próximos relatórios financeiros, mas o mercado já precifica isso. As ações dos bancos argentinos já caíram até 8,2% em Nova York nos últimos cinco dias.

“Os bancos de grande porte, como Macro, Galicia, BBVA e Santander, talvez consigam resistir ao choque”, disse Walter Stoeppelwerth, diretor de investimentos da corretora local Grit Capital Group, em um relatório aos investidores. “Mas as instituições menores correm o risco de serem espremidas até o ponto de quebrar.”

Com os custos de financiamento acima de 44% - em comparação com a inflação esperada de 21% nos próximos 12 meses - as margens dos bancos estão entrando em colapso. “As baixas sistêmicas não podem ser descartadas”, disse Stoeppelwerth.

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