Morte de principal opositor de Putin remete a destino de outros adversários na Rússia

Falecimento de Alexey Navalny por causas desconhecidas em prisão no Ártico é condenado por líderes do Ocidente e sinaliza riscos de enfrentamento do presidente da Rússia

Vígilia pela morte do ativista russo Alexey Navalny, principal opositor ao regime de Vladimir Putin, em Munique, na Alemanha (Foto: Alex Kraus/Bloomberg)
Por Bloomberg News
16 de Fevereiro, 2024 | 05:09 PM

Bloomberg — A morte de Alexey Navalny remove o oponente mais proeminente do presidente Vladimir Putin e envia mais um sinal inequívoco dos perigos de enfrentar o regime cada vez mais repressivo do líder russo.

Desde que ele ganhou proeminência internacional em grandes protestos pró-democracia na Rússia em 2011-2012, ficou evidente tanto para o Kremlin quanto para os opositores de Putin que o carismático e espirituoso Navalny tinha o potencial de se tornar um desafio político sério.

Também ficou claro que Navalny estava vivendo com tempo “emprestado” depois de retornar à Rússia no início de 2021 e desafiar avisos de prisão.

“Há uma semana, ele estava saudável e cheio de energia”, disse Ekaterina Schulmann, pesquisadora não residente no Carnegie Russia Eurasia Center em Berlim, em um post no Telegram. “Não nos restam versões além de assassinato.”

PUBLICIDADE

O destino do ativista opositor segue-se a um acidente fatal de avião que matou o líder do grupo de mercenários Wagner, Yevgeny Prigozhin, no ano passado.

Prigozhin, que se tornou um herói para os nacionalistas russos por seu papel na luta na Ucrânia, foi relatado como morto em agosto, exatamente dois meses após liderar uma rebelião contra a liderança do Ministério da Defesa que se transformou na maior ameaça aos quase 25 anos de governo de Putin.

Os dois incidentes servem para remover figuras que se opunham publicamente a Putin, embora sob perspectivas muito diferentes. Isso por si só envia uma mensagem poderosa aos russos e ao mundo, à medida que se aproxima o segundo aniversário da invasão em larga escala de Putin na Ucrânia, que desencadeou uma onda de sanções e levou os EUA e seus aliados a fornecer armamentos a Kiev.

A morte de Navalny foi anunciada na véspera da campanha oficial para as eleições presidenciais de 17 de março, nas quais Putin busca um quinto mandato. Chefes de estado rapidamente acusaram o Kremlin e alguns culparam diretamente Putin, o ex-agente da KGB que está a caminho de igualar o mandato recorde do tirano soviético Josef Stalin como governante em Moscou.

As autoridades russas ainda não divulgaram a causa da morte, dizendo que Navalny se sentiu mal após uma caminhada e perdeu a consciência. Apenas um dia antes, ele havia aparecido em vídeo da prisão em uma audiência judicial, brincando alegremente com os funcionários.

Putin era tão hostil a Navalny que se recusava a usar seu nome quando os repórteres faziam perguntas sobre o ativista, uma tendência seguida pelo porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov. A televisão estatal russa, que, por anos, proibiu qualquer menção a Navalny, relatou brevemente sua morte.

Com as relações entre Rússia e Ocidente já em grande parte rompidas devido ao ataque de Putin à Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, não está claro se a condenação dos EUA e da Europa à morte de Navalny se transformará em penalidades mais concretas contra o Kremlin.

PUBLICIDADE

Amigos e aliados de Navalny estavam constantemente preocupados com sua segurança na prisão, enquanto o Kremlin se engajava na maior repressão à dissidência em décadas para esmagar a oposição à guerra.

Essa preocupação se intensificou quando Navalny, 47 anos, foi transferido para uma colônia prisional remota no Ártico, IK-3, no final de dezembro, vindo de uma prisão nos arredores de Moscou. Em seu último post no X, anteriormente conhecido como Twitter, em 14 de fevereiro, ele relatou que havia sido condenado a 15 dias em uma cela de punição pela quarta vez desde que chegara lá.

Ele vinha defendendo da prisão nas redes sociais uma manifestação nacional durante as eleições presidenciais, incentivando as pessoas a chegarem às seções eleitorais exatamente ao meio-dia para votar contra Putin. Navalny também havia condenado a invasão da Ucrânia.

Sua morte é a mais recente de uma série de incidentes envolvendo principais críticos do Kremlin.

Boris Nemtsov, ex-vice-primeiro-ministro, foi assassinado em Moscou à vista das muralhas do Kremlin em fevereiro de 2015. A jornalista de campanha Anna Politkovskaya foi morta a tiros no elevador de seu prédio de apartamentos em Moscou no aniversário de Putin em outubro de 2006.

Vladimir Kara-Murza, outra figura proeminente da oposição condenada a 25 anos por traição em abril depois de condenar a invasão da Ucrânia, acusou as autoridades russas de ter tentado envenená-lo duas vezes no passado.

Nos primeiros anos, pelo menos, Navalny causou polêmica ao se aproximar de elementos nacionalistas hostis ao Kremlin, bem como de estrangeiros e minorias. Navalny justificou os laços argumentando que estava tentando construir uma ampla coalizão contra Putin, mas muitos ativistas liberais permaneceram desconfiados dele.

Destemido e habilidoso na Internet, Navalny ganhou uma grande legião de seguidores online na Rússia com investigações que expuseram corrupção em empresas estatais e entre altos funcionários, usando postagens em redes sociais para contornar o “apagão” de informações na televisão estatal.

Em janeiro de 2021, ele causou furor com um vídeo expondo um suntuoso palácio de US$ 1,3 bilhão no Mar Negro que, segundo ele, foi construído para Putin.

O vídeo, que foi visto mais de 129 milhões de vezes no YouTube, foi lançado depois que Navalny foi detido ao retornar à Rússia da Alemanha, onde havia sido tratado por uma tentativa de envenenamento na Sibéria em 2020 que ele e o Ocidente atribuíram ao Kremlin. A Rússia negou envolvimento.

Mais tarde naquele ano, a Rússia proibiu a rede nacional de grupos de campanha de Navalny como “extremista”, forçando os ativistas a se dissolverem e muitos a fugirem para o exterior. Navalny, por sua vez, estava sofrendo com a saúde piorando na prisão e parecia magro em audiências judiciais depois de passar 24 dias em greve de fome para exigir melhores cuidados médicos.

O destino do líder da oposição e de seu movimento, composto principalmente por jovens profissionais, contrastava com o otimismo inicial dos grandes protestos em 2011-2012 contra o retorno de Putin à presidência no lugar de Dmitry Medvedev. A repressão do Kremlin que se seguiu não conseguiu diminuir sua determinação.

Quando Navalny foi inesperadamente permitido a concorrer nas eleições municipais de Moscou em setembro de 2013, após protestos generalizados em apoio à sua libertação, ele chegou a um fio de forçar um segundo turno contra Sergei Sobyanin, o aliado de Putin. Ele obteve 27% contra 51% para Sobyanin.

Essa foi a última vez que Navalny teve permissão para concorrer. Quando ele lançou uma campanha para desafiar Putin na eleição presidencial de 2018, autoridades o proibiram de disputar devido a uma condenação por fraude que Navalny, os EUA e a União Europeia criticaram como politicamente motivada.

“Navalny foi essencialmente morto quando foi preso anos atrás”, disse Thad Troy, diretor administrativo da Crumpton Global e ex-oficial da CIA em Moscou. “É um passo inevitável para Putin fortalecer seu controle sobre a Rússia.”

Na prisão, Navalny continuou a desafiar Putin. Ele também revelou que desenvolveu uma crença em Deus após anos de ateísmo, surpreendendo muitos de seus apoiadores.

“Nosso país é construído sobre injustiça. Mas dezenas de milhões de pessoas querem a verdade”, disse ele a um tribunal durante uma audiência de apelação fracassada em 2021. “E, mais cedo ou mais tarde, eles a terão.”

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

Rússia tenta baixar inflação sem esfriar economia, enquanto Putin mira eleições

Quem são os mercenários de Wagner e seu líder, que ameaçaram o regime de Putin