Jovens na mira: golpes financeiros disparam no Canadá em meio a desemprego recorde

A ação de golpistas aumentou entre jovens de 18 a 24 anos em meio a um cenário de vulnerabilidade financeira e ao pior nível de emprego desde 2010

Gende de negocios caminando en un edificio
Por Ari Altstedter
17 de Novembro, 2025 | 09:38 AM

Bloomberg — Sem dinheiro e enfrentando um dos mercados de trabalho mais desafiadores em décadas, os jovens do Canadá têm sofrido cada vez mais com a ação de golpistas financeiros.

Dados coletados por reguladores do setor mostram que, no ano passado, canadenses entre 18 e 24 anos relataram perdas financeiras devido a fraudes de investimentos na maior taxa já registrada, superando pela primeira vez o índice entre idosos. O levantamento cobre dados desde 2006.

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A situação tem se agravado, já que o emprego entre jovens atingiu seu pior nível em 27 anos, excluindo o período da pandemia de covid-19. Enquanto isso, as dívidas dessa faixa etária aumentaram.

“Os golpistas se aproveitam de pessoas vulneráveis, e os jovens hoje estão enfrentando dificuldades,” disse Richard Powers, professor de gestão na Universidade de Toronto, que estuda fraudes.

“Eles não conseguem encontrar um emprego, têm contas a pagar e procuram uma saída. E, se não é no mercado de trabalho, onde será?”

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A experiência de Nicole Amaral, uma enfermeira de 24 anos de Kelowna, na província de British Columbia, reflete uma situação cada vez mais comum.

Trabalhando apenas meio período enquanto estuda para se qualificar, ela se interessou quando um amigo da família mencionou uma empresa de investimentos que havia dobrado o dinheiro dele em poucos meses.

Ela pediu por uma apresentação, e não demorou para que um representante da firma, chamada PureVision Trader, entrasse em contato através de uma chamada pelo WhatsApp.

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Amaral conta que o homem, que dizia chamar-se William Burton, falava com sotaque britânico e apresentou um documento de licença supostamente emitido no Reino Unido.

Ele passou quase duas horas explicando o processo para que ela comprasse 10 mil dólares canadenses (cerca de R$ 36 mil) em bitcoin e transferisse a criptomoeda para a plataforma da PureVision, onde, segundo ele, seria utilizada para a compra de ações.

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gráfico canadá

Após desligar o telefone, Amaral já tinha a sensação de que havia caído em um golpe, mesmo conseguindo acessar a plataforma e visualizar seu “investimento.”

A desconfiança se confirmou nas semanas seguintes, quando tentou sacar o dinheiro, mas foi impedida por uma série de justificativas.

Quando o amigo da família passou por uma experiência semelhante após investir 50 mil dólares canadenses, Amaral denunciou a PureVision às autoridades canadenses, que confirmaram se tratar de uma fraude.

“Viver em Kelowna não é barato, e pensei que ganhar um dinheiro extra enquanto estudo seria útil,” explicou Amaral ao justificar por que decidiu tentar a suposta oportunidade de investimento. “Eu acreditava de verdade que estavam me ajudando.”

Desde então, reguladores de valores mobiliários do Canadá emitiram um alerta sobre a PureVision Trader, e dois sites associados à empresa já não estão mais acessíveis. No entanto, os golpes continuam a se proliferar.

Variam desde artigos falsos que simulam declarações de autoridades canadenses promovendo um “programa de investimentos” como resposta às tarifas dos Estados Unidos, até sites oferecendo a oportunidade de financiar uma empresa de compartilhamento de scooters em Hong Kong, que conseguiu recrutar vítimas nos EUA e no Canadá.

Independentemente do tipo de investimento prometido, esses golpes quase sempre envolvem convencer a vítima a comprar criptomoedas primeiro.

Isso ocorre porque as moedas digitais são mais fáceis de transferir internacionalmente e mais difíceis de rastrear em comparação com métodos de pagamento tradicionais. Com o dinheiro e os golpistas muitas vezes localizados em países distantes das vítimas, recuperar o prejuízo ou abrir um processo legal se torna muito difícil.

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“São conglomerados internacionais de crime organizado,” explicou Maude Blanchette, presidente da força-tarefa contra fraudes de investimento da Canadian Securities Administrators, entidade que coordena as comissões de valores mobiliários nas províncias canadenses.

“Os reguladores têm buscado diferentes abordagens para tentar interromper, mais do que punir, essas fraudes, especialmente em casos em que não conseguimos localizar os responsáveis ou iniciar uma investigação internacional.”

Assim como ocorre com as formas mais tradicionais de fraude financeira, golpes desse tipo frequentemente utilizam uma combinação de simpatia e táticas de vendas agressivas.

No entanto, eles têm se tornado cada vez mais sofisticados, integrando plataformas financeiras falsas bem elaboradas, documentos forjados e até deepfakes — recursos de inteligência artificial que criam vídeos falsificados de figuras públicas ou até mesmo de familiares — para ganhar a confiança das vítimas.

A PureVision Trader, por exemplo, tinha diversos comunicados à imprensa e vídeos no YouTube para aparentar legitimidade e experiência.

Muitos desses golpes seguem uma estratégia conhecida como “pig butchering” (abate do porco, em tradução literal), um termo que remete à ideia de engordar o porco antes do abate.

O objetivo é construir a confiança da vítima ao longo do tempo para conseguir valores maiores de dinheiro.

Embora pessoas de todas as idades possam cair nesses golpes, o aumento no número de jovens afetados ocorre em um contexto de deterioração histórica de suas perspectivas de emprego e condições financeiras.

Em setembro, a taxa de desemprego entre jovens no Canadá alcançou 14,7%, o maior índice desde 2010, exceto pelo período da pandemia.

Isso se deve à incerteza econômica e às tensões comerciais com os Estados Unidos, que têm levado empresas canadenses a evitar novas contratações.

Essa desaceleração econômica surge em um momento em que o mercado de trabalho para vagas iniciais já estava saturado, em parte devido a uma onda histórica de imigração nos últimos anos. Isso elevou a taxa de desemprego entre jovens desde o início.

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Com a redução das perspectivas de renda, também houve piora na saúde financeira dos jovens.

No segundo trimestre de 2023, pessoas entre 18 e 24 anos apresentaram a maior taxa de inadimplência no pagamento de cartões de crédito de todas as faixas etárias no Canadá — superando até mesmo o índice registrado em 2020, segundo dados da agência de crédito Equifax.

Outro fator que torna os jovens mais suscetíveis às fraudes é o fato de que os golpes financeiros são amplamente promovidos nas redes sociais — e muitos envolvem criptomoedas, que atraem um público mais jovem.

“Eles estão presentes em plataformas que outras faixas etárias talvez não utilizem,” explicou Jeff Horncastle, especialista em fraudes e porta-voz do Canada Anti-Fraud Centre, um serviço policial nacional que reúne informações sobre fraudes e roubo de identidade.

“Eles sabem que muitas pessoas da faixa etária deles ganharam dinheiro com Bitcoin. E veem isso como uma oportunidade, já que estão tendo dificuldades para encontrar emprego.”

Mesmo aqueles que possuem um trabalho não têm escapado do aumento no custo de vida dos últimos anos, que tem pressionado as finanças de muitos.

“Eu tenho que pagar contas, comprar comida, e meu trabalho de meio período não cobre tudo,” disse Amaral sobre os motivos que a levaram a seguir com a oportunidade que se revelou um golpe. “Ele foi muito convincente e insistente,” disse sobre o homem com quem falou.

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