Bloomberg Línea — Muitas empresas de setores estratégicos no Brasil, no México, na Argentina e na Colômbia estão antecipando compras e tentando acumular estoques para lidar com o aumento do impacto da guerra comercial entre os EUA e a China.
É uma espécie de corrida contra o tempo de forma preventiva, antes que a trégua de 90 dias de Donald Trump de suspensão das tarifas expirar em agosto, em meio à incerteza sobre interrupções nas cadeias globais de produção.
Os países tentam mitigar o impacto de eventuais novas tarifas e as distorções nos fluxos globais de insumos industriais e de bens de consumo, bem como de produtos de tecnologia, embora as previsões sugiram que a incerteza continuará a moldar as decisões de negócios na região.
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México, Brasil, Argentina e Colômbia compartilham um desafio comum: a necessidade de se adaptar rapidamente aos realinhamentos do comércio global.
“As empresas estão mergulhando de cabeça na importação do máximo que podem”, disse Alejandro Arroyo Welbers, diretor dos Programas de Comércio Internacional e Economias Regionais da Universidade Austral, na Argentina, à Bloomberg Línea.
“Os empresários e os executivos sabem que têm uma janela de 90 dias sem as altas de tarifas de Trump.”
O executivo explicou que, como resultado do aprendizado durante o período pós-pandemia, as empresas se antecipam para evitar impactos na cadeia de suprimentos.
Portos na China, como em Xangai, Ningbo, Shenzhen e Qingdao, estão “totalmente congestionados” como em 2021, de acordo com Arroyo Welbers.
“É isso que Trump está gerando, talvez não intencionalmente, mas ele está causando novas irrupções”, acrescentou o analista.
Nesse cenário, as taxas de frete aumentaram e o índice global de contêineres da Drewry subiu 41%, para US$ 3.527 por contêiner de 40 pés nos últimos dias.

Diante dos choques atuais, “as empresas valorizam mais ter um estoque cheio até o teto e até mesmo construir um ao lado, por precaução, porque o futuro é muito incerto”, disse o especialista em comércio exterior.
No transporte aéreo, a capacidade tem sido um desafio ao longo de 2025, pressionada pelo avanço do e-commerce e do modelo direto ao consumidor, enquanto persistem os atrasos na entrega de novas aeronaves para as companhias aéreas.
No caso do transporte terrestre, a falta de progresso na logística e na infraestrutura multimodal mantém os custos elevados, que já representam 17,9% do valor do produto e podem aumentar para 22%, bem acima da média de 8% nos países da OCDE, de acordo com a Associação Nacional de Comércio Exterior da Colômbia (Analdex).
Por exemplo, na Colômbia, “com a pausa de 90 dias nas tarifas, o que estamos vendo é que as empresas estão antecipando a temporada de férias e aumentando os pedidos”, disse Javier Diaz, presidente da Analdex.
“As pessoas estão se movimentando para comprar agora porque não sabem quais serão as tarifas quando esses 90 dias terminarem. Se não se chegar a um acordo entre EUA e China, as tarifas poderão ser altas.”
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Em março passado, último dado oficial registrado, as importações na Colômbia totalizaram US$ 5,5 bilhões CIF (incluindo custo, seguro e frete), um aumento significativo de 16,5% em relação ao mesmo mês de 2024.
A consultoria de logística MTM Logix, sediada no México, observou que as empresas latino-americanas vêm ajustando sua estratégia de estoque desde a eleição de Donald Trump em novembro passado.
Inicialmente, anteciparam as compras e, a partir de janeiro deste ano, entraram em modo de espera, o que causou uma queda acentuada no comércio exterior.
“Agora há um retorno às compras, mas essa incerteza afeta muito o setor”, disse Mario Veraldo, CEO da MTM Logix.
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México sai na frente
O México conseguiu evitar parte do impacto tarifário graças ao T-MEC, o acordo comercial com os EUA e o Canadá, enquanto aguarda a evolução das negociações.
No entanto setores como o automotivo, o de aço e o de alumínio – especialmente aqueles não cobertos pelo acordo – sofreram as consequências.
A resposta das empresas tem sido tática: antecipar as exportações e importar insumos estratégicos antes do ajuste tarifário.
De acordo com os números do Instituto Nacional de Estatística e Geografia (Inegi), nos primeiros quatro meses de 2025, as exportações aumentaram 4,5%, enquanto as importações cresceram marginalmente 0,6%, impulsionadas principalmente pela compra de petróleo.
Empresas como a Becle (produtora da tequila Cuervo) ou setores como a indústria automotiva aumentaram suas exportações para os Estados Unidos em antecipação a possíveis efeitos tarifários.
A Arca Continental (AC), uma engarrafadora mexicana de produtos da Coca-Cola com presença no sul dos Estados Unidos, também fez um hedge de alumínio para reduzir o impacto das tarifas.
De acordo com a consultoria de logística MTM Logix, o consumo doméstico no México sofreu poucas alterações, mas alguns setores empresariais começaram a apresentar rupturas de estoque em meio aos choques comerciais.
Isso pode estar associado ao aumento da incerteza sobre novas tarifas e atrasos ou custos mais altos na importação de insumos importantes, especialmente da Ásia.
“Historicamente, o estoque médio das empresas no México não ficava abaixo de 60 dias, mas hoje já temos estoques de 45 dias”, disse Mario Veraldo, CEO da MTM Logix.
Ele também aponta que o frete por contêiner na rota China-México continua a aumentar, oscilando em torno de US$ 3.000, acima da média de US$ 1.600 no início do ano.
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Brasil ajusta sua estratégia

No Brasil, a maior economia da América Latina, a atual incerteza sobre a guerra comercial impacta as decisões de compra, a formação de preços e o planejamento do setor.
De acordo com dados da plataforma governamental brasileira ComexStats, entre janeiro e abril de 2025, o Brasil reduziu suas exportações para a China em 12,2%, totalizando US$ 28,5 bilhões.
Em contrapartida, as vendas para os Estados Unidos cresceram 3,7%, para US$ 13,1 bilhões, impulsionadas por produtos agrícolas.
“Os efeitos dos desvios comerciais entre a China e os EUA ainda levarão tempo para se consolidar. O cenário ainda está sujeito a mudanças rápidas e profundas”, de acordo com o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) do Brasil, Ricardo Alban.
Embora o comércio bilateral de insumos industriais entre o Brasil e os Estados Unidos tenha totalizado quase US$ 250 bilhões nos últimos cinco anos, as mudanças na política comercial dos EUA geraram incertezas, especialmente desde abril.
Setores como metalurgia, petróleo, alimentos, máquinas, produtos químicos e equipamentos de transporte são os mais expostos às novas tarifas, de acordo com o presidente da CNI.
“Outros setores, como o de semicondutores, smartphones, produtos farmacêuticos e caminhões, estão sendo investigados”, disse Alban.
A CNI disse que tem monitorado as tarifas e avaliado os impactos, ao mesmo tempo em que articula com o Congresso e mantém diálogo com os Estados Unidos em defesa da indústria brasileira.
“Temos consciência de que esse momento exige uma visão de longo prazo e uma ação coordenada”, disse o presidente da CNI.
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Importações chinesas aumentam
Embora o principal parceiro comercial da Argentina seja o Brasil, em meio à guerra comercial, o país tem aumentado suas compras da China, à medida que o gigante asiático fortalece sua influência na América Latina.
As importações da China, medidas em dólares, cresceram 77,3% no primeiro trimestre em comparação com o mesmo período de 2024, de acordo com a Câmara de Comércio Argentina (CAC).
Embora os bens de consumo estivessem na liderança (com um aumento de 131,9%), outras categorias mostraram um progresso significativo, como foi o caso dos bens de capital (95%).
A Câmara de Comércio destacou que, além dos fatores globais, o aumento das importações na Argentina também é explicado pelo crescimento econômico sustentado desde meados do ano passado, pelo fortalecimento da moeda local e pela eliminação gradual das restrições ao comércio exterior.
Esses fatores impulsionaram o crescimento das compras externas, não apenas da China mas também de outros países: as importações do Brasil subiram 40% na base anual no primeiro trimestre, as dos EUA, 13,7%, e as da Espanha, em 27,6%.
De acordo com o relatório DHL Trade Atlas 2025, o comércio global tem sido “surpreendentemente resiliente” em face das recentes interrupções na cadeia e deverá crescer a uma taxa anual composta de 3,1% entre 2024 e 2029, impulsionado pela Ásia e apesar das medidas tarifárias de Donald Trump.
E, embora a participação dos EUA nas importações mundiais seja de 13% e nas exportações de 9%, essa contribuição não “definirá unilateralmente o curso do comércio mundial” devido à mudança de política.
– Com a colaboração de María Belén Escobar na Argentina, Juliana Estigarríbia no Brasil e Michelle del Campo no México.
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