Bloomberg Línea — A América Latina carrega um pesado ônus de dívida pública que se torna mais difícil de administrar devido ao alto custo de financiamento enfrentado pelas economias latino-americanas em comparação com outros mercados desenvolvidos.
Três das maiores economias da região têm níveis de dívida pública bruta acima de 80% do PIB: Brasil, Argentina e Bolívia, de acordo com dados do Instituto de Finanças Internacionais (IIF), a associação global do setor financeiro.
“No restante do continente, os índices estão bem abaixo dos níveis críticos”, disse Jonathan Fortun, economista do IIF, à Bloomberg Línea. “Em alguns casos, por causa de decisões políticas. Em outros, devido à falta de acesso.”
A dívida global cresceu US$ 7,5 trilhões no primeiro trimestre de 2025 e ultrapassou o limite de US$ 324 trilhões pela primeira vez, de acordo com os números do IIF.
Juntos, países como Brasil, México, Argentina, Chile, Colômbia e Peru responderam por cerca de US$ 3,6 trilhões em dívidas, representando aproximadamente 1,11% do endividamento global.
“Até a pandemia, as finanças públicas da América Latina estavam em ordem. A pandemia levou a um aumento nos gastos/dívidas, o que, combinado com o aumento das taxas de juros, levou alguns países a ter níveis mais altos de dívida em relação ao PIB“, disse Fernando Baer, economista da Quantum Finanzas. “Mas eu não diria que a região está em apuros ou que a dívida saiu dos trilhos. Os prêmios de risco ainda são muito baixos para refinanciamento.
A dívida pública bruta é o conjunto total de obrigações financeiras que um estado contraiu com credores, tanto domésticos quanto externos, para financiar os gastos públicos.
A reforma tributária dos EUA desencadeou uma nova onda de preocupação com a sustentabilidade da dívida pública nas economias avançadas.
“A discussão naturalmente se voltou para outras regiões. A América Latina voltou a fazer parte da comparação“, de acordo com Fortun.
Na visão da Fortun, no entanto, os dados mostram que a região não está se movendo paralelamente aos EUA, mas em um eixo diferente.
Os Estados Unidos estão entrando em uma fase em que o déficit primário está convergindo para 7% do PIB e a dívida federal líquida deverá ultrapassar 170% do PIB na próxima década.
Por enquanto, o mercado tolera esse comportamento porque a moeda continua sendo a referência global.
“Mas o debate político interno tornou a dívida uma questão visível. E essa visibilidade nos forçou a olhar para fora, a comparar”, disse Fortun. “A conclusão é clara. A América Latina não enfrenta uma crise generalizada da dívida, mas enfrenta uma profunda heterogeneidade em termos de exposição. O risco dominante não é o nível absoluto, mas o custo do financiamento e a qualidade da âncora fiscal”.
Riscos de uma dívida pública elevada

Consultada pela Bloomberg Línea, a acadêmica e economista Clara Inés Pardo adverte que o alto endividamento público na América Latina pode ter efeitos prejudiciais se não for administrado adequadamente, pois pressiona as finanças públicas, limita o investimento em áreas essenciais e aumenta a vulnerabilidade a choques externos.
Embora o endividamento não seja necessariamente negativo - se for usado para investir em projetos produtivos e temporários - “o problema surge quando o endividamento é estrutural, persistente e mal administrado, pois compromete a estabilidade econômica e o bem-estar das gerações futuras”.
Entre os riscos, ela menciona a redução do crescimento, o desestímulo ao investimento, a inflação e a perda de confiança nas instituições.
No nível social, ela alerta para “cortes nos gastos sociais que afetam especialmente os setores mais vulneráveis” e possíveis crises de legitimidade.
Garantia de dívida
Em contraste com os mercados latino-americanos, Pardo diz que os Estados Unidos têm conseguido manter altos níveis de endividamento graças à força institucional e ao financiamento em sua própria moeda.
Portanto, uma lição importante para a região é que “a confiança institucional é importante” e que “o empréstimo não é negativo se for feito com um objetivo claro, com retornos sociais ou econômicos esperados e dentro de uma estrutura fiscal responsável”.
O acesso ao financiamento em sua própria moeda é fundamental: os EUA emitem dívidas em sua própria moeda (o dólar), que também é a moeda de reserva mundial, o que permite que eles se financiem a taxas baixas e evitem o risco cambial.
No caso da América Latina, que depende muito de dívidas denominadas em dólares ou euros, isso a torna muito mais vulnerável a choques cambiais. “O desenvolvimento de mercados de dívida locais em moeda nacional deve ser uma prioridade”, diz ela.
Além disso, os EUA têm uma economia grande e diversificada, o que lhe permite absorver melhor o ônus da dívida (embora não indefinidamente) e o crescimento do PIB ajuda a manter estável a relação dívida/PIB.
Nesse sentido, Pardo acredita que o crescimento econômico sustentado é o melhor aliado para a sustentabilidade da dívida. “Na América Latina, a estagnação torna o endividamento crônico mais perigoso”, disse ele.
Dívida nos países da América Latina

O Brasil tem o maior índice de dívida bruta em relação ao PIB entre as grandes economias latino-americanas, em torno de 89%.
O sistema brasileiro evoluiu para um regime em que a dívida é financiada principalmente em moeda local e os riscos estão mais ligados ao custo do serviço do que ao acesso.
“A carga de juros cresceu muito nos últimos trimestres e o debate sobre a estrutura fiscal perdeu consistência. O problema não é apenas o tamanho da dívida, é o custo político de ancorá-la“, disse Fortun.
A Argentina combina um índice alto com uma estrutura frágil: alta carga de dívida em moeda estrangeira, concentração nas mãos do Banco Central (BCRA) e uma carga quase fiscal significativa.
Os números oficiais colocam a dívida bruta em cerca de 85% do PIB, de acordo com os números compilados pelo IIF.
De acordo com o economista do IIF, “o balanço patrimonial do BCRA é dominado por títulos que rendem juros e ativos que não têm liquidez imediata. Ao mesmo tempo, o Tesouro mantém um esquema de subsídios e taxas de câmbio múltiplas que gera passivos extraorçamentários“.
A dívida bruta está próxima de 82% do PIB na Bolívia, que mantém um alto déficit fiscal estrutural, com as reservas internacionais caindo drasticamente.
As reservas internacionais caíram drasticamente e o financiamento foi transferido para o banco central. A maior parte do novo crédito para o Tesouro vem de fontes domésticas e não responde às condições do mercado.
Sobre a Colômbia, Fortun diz que, embora a reforma tributária de 2022 tenha melhorado as receitas, ela não resolveu as pressões estruturais. Atualmente, o país tem um índice próximo a 67%.
Especialistas como José Antonio Ocampo, ex-ministro da Fazenda da Colômbia (2022-2023) e ex-diretor do Banco da República (2017-2019), acreditam que é “inevitável” que o próximo governo tenha que fazer uma reforma tributária.
O México, com uma dívida de 58% do PIB, enfrenta riscos contingentes da Pemex, cujos passivos financeiros e operacionais representam uma exposição direta para o soberano, apesar das sucessivas injeções fiscais.
O Chile e o Peru têm os níveis mais baixos entre as grandes economias da região, com índices abaixo de 40%.
Esses países emitiram dívidas para cobrir déficits temporários sem comprometer sua sustentabilidade.
Mesmo assim, há passivos contingentes decorrentes de contratos de infraestrutura e garantias explícitas que poderiam ser acionados em cenários de estresse.
Na América Central, os níveis de endividamento variam de economia para economia: enquanto El Salvador tem um nível de endividamento de cerca de 79% do PIB, o da Costa Rica é de cerca de 60%.
O Panamá está em torno de 59% do PIB, um nível que, embora inferior ao de seus pares, é acompanhado por compromissos extrapatrimoniais vinculados a concessões e PPPs.
Guatemala, Honduras e Nicarágua têm níveis mais baixos, entre 28% e 37% do PIB, refletindo o acesso restrito ao crédito e mercados locais mais rasos.
Na região, o principal desafio não é apenas o nível da dívida, mas a fragilidade institucional das estruturas fiscais e a alta dependência do financiamento multilateral.