Ataques de Trump aproximam Índia, Brasil e África do Sul, que buscam reagir a tarifas

Líderes de três das principais economias emergentes do mundo se reuniram para dar maior importância ao Fórum IBAS na primeira vez em mais de uma década em que o grupo ganha destaque

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Bloomberg — Os ataques do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, direcionados contra três das principais economias emergentes do mundo levam os líderes desses países a estreitar laços e a reagir às políticas comerciais agressivas de Trump.

Líderes da Índia, Brasil e África do Sul se reuniram em Joanesburgo, nos bastidores da cúpula do G20, no domingo (23), para dar maior importância a um grupo trilateral, o chamado Fórum IBAS. É a primeira vez em mais de uma década que os líderes se reúnem sob os auspícios do grupo, embora os ministros das Relações Exteriores o façam regularmente ao longo dos anos.

Trump desestabilizou décadas de diplomacia cuidadosa de Washington para cultivar relações com os três principais mercados emergentes. Ele os direcionou com altas tarifas e repreendeu publicamente seus líderes por suas políticas internas. O presidente dos EUA ignorou a cúpula do G20 em Joanesburgo neste fim de semana, um golpe para a África do Sul e outras nações em desenvolvimento que lutam para reduzir a desigualdade global.

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“O nosso agrupamento afirma que a diversidade não é uma linha divisória, mas sim uma fonte de força”, disse o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, em seu discurso de abertura na reunião do IBAS: “Devemos nos posicionar como coarquitetos de um sistema multilateral mais representativo e responsivo”.

A ausência do presidente chinês Xi Jinping na cúpula — apenas a segunda vez que ele faltou ao fórum do G20 — pode também ter sido uma oportunidade para os três líderes reativarem sua articulação trilateral. Normalmente, Xi se reuniria com Modi, Ramaphosa e Lula como parte do grupo Brics, juntamente com a Rússia, cujo líder, Vladimir Putin, não participa da cúpula do G20 há anos.

Xi Jinping frequentemente assume um papel de liderança em fóruns como o Brics e a Organização de Cooperação de Xangai, que ele cultivou como um contrapeso à ordem mundial liderada pelos EUA. Ele também foi um dos poucos políticos a confrontar, com sucesso, as tarifas de Trump neste ano.

O Ministério das Relações Exteriores da China não respondeu a um pedido de comentário feito fora do horário de expediente.

No entanto, o Brics passou a ser dominado pelas agendas da China e da Rússia, e sua composição cresceu rapidamente ao longo dos anos, ultrapassando as cinco nações fundadoras e incluiu países como o Irã e a Etiópia.

O grupo IBAS, em sua forma mais reduzida, permite que os três líderes coordenem ações em um fórum menor, o que possibilita a execução de políticas com maior rapidez.

“A África do Sul, que antes estava feliz em deixar o IBAS subordinado ao Brics, agora busca um agrupamento mais coerente”, afirmou Syed Akbaruddin, ex-enviado indiano às Nações Unidas, que agora leciona na Escola de Políticas Públicas Kautilya.

A África do Sul propôs retomar a reunião de líderes do IBAS à margem do G20, considerando o bloco menor mais ágil na tomada de decisões sobre comércio, acesso a mercados e investimentos, de acordo com diplomatas indianos familiarizados com o assunto, que pediram para não serem identificados porque as discussões são privadas.

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Ben Joubert, funcionário da chancelaria sul-africana, disse que no grupo trilateral “é bastante fácil chegar a um consenso e avançar nas questões que são importantes para nós”.

“Os desafios geoeconômicos e geopolíticos que enfrentamos no mundo estão impulsionando a necessidade de uma melhor coordenação e de colocar o IBAS em destaque”, disse em entrevista no domingo, em Joanesburgo. “Vamos empenhar todos os esforços para anunciar e promover nossa cooperação.”

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que era importante para o IBAS ter uma agenda diferente da do Brics. Segundo ele, se o IBAS insistir em duplicar a agenda do Brics, permanecerá à sua sombra. Ele afirmou ainda que saíram da reunião com uma tarefa: iniciar uma reflexão profunda sobre os caminhos futuros para o IBAS, tendo em vista a próxima cúpula.

Tarifas

O fórum IBAS realizou sua última reunião de líderes na África do Sul em 2011. Formado em 2003, o grupo de três países coordena principalmente questões de governança global e promove a cooperação Sul-Sul, inclusive por meio do financiamento conjunto de projetos de desenvolvimento.

“Todos concordamos que as instituições globais não refletem as realidades do século XXI”, disse Modi no domingo. Ele classificou a cúpula entre África do Sul, Brasil e Índia como “histórica e oportuna”.

Trump puniu a Índia por seus laços com a Rússia ao impor tarifas de 50% sobre mercadorias enviadas aos EUA, e irritou Nova Déli com suas repetidas alegações de ter intermediado um cessar-fogo com o Paquistão. Na África do Sul, Trump tem boicotado a cúpula do G20 e fez falsas alegações de um genocídio de fazendeiros brancos no país.

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O presidente americano também impôs altas tarifas ao Brasil para forçá-lo a desistir do julgamento contra seu aliado, o ex-presidente Jair Bolsonaro, que é acusado de conspirar um golpe contra Lula. O líder brasileiro enfrentou Trump, que desde então tomou medidas para isentar muitos produtos de tarifas, em uma vitória para o líder brasileiro.

A reativação do fórum IBAS demonstra que as ações de Trump levam os países em desenvolvimento a buscarem a integração econômica por conta própria.

Não se espera que a reunião de Joanesburgo produza resultados significativos, mas sinalizará uma renovação da cooperação entre as economias emergentes.

A participação da Índia no IBAS e no G20 é “significativa”, visto que as nações buscam “reduzir os riscos e diversificar as cadeias de suprimentos”, afirmou Veda Vaidyanathan, pesquisadora do Centro para o Progresso Social e Econômico, um think tank independente com sede em Nova Déli.

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