Bloomberg Línea — Das décadas de 1960 a 1990, muito antes da abertura comercial que trouxe champagnes europeus ao Brasil e de o país se consolidar como um país produtor de grandes vinhos espumantes, a garrafa que oferecia o estouro de celebração de fim de ano para muitas famílias era de outra bebida: a sidra.
Doce, borbulhante e preparada com suco de maçãs, a sidra da marca Cereser se consolidou por décadas como uma das mais icônicas do país.
E continua forte em vendas mesmo em tempos de maior oferta de marcas nacionais e globais e de amadurecimento do perfil do consumidor nacional. Somente no fim do ano, o consumo chega a 1,5 milhão de caixas com 12 garrafas em cada uma (leia mais abaixo).
Prestes a completar 100 anos, a CRS Brands, dona da Cereser, vive um momento de transição, segundo disse o CEO da empresa, Alexandre Wolff, em entrevista à Bloomberg Línea.
A companhia tem investido em inovação, diversificação de portfólio e aumento da capacidade produtiva para reduzir a dependência da sazonalidade de suas vendas, quebrar estigmas e conquistar novos consumidores, dentro e fora do Brasil.
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Segundo Wolff, o desafio de percepção da Cereser é comparável ao que aconteceu com as sandálias Havaianas, que deixou de lado o preconceito e se tornou um símbolo do país.
“Era o chinelo mais simples que havia, até se tornar um produto de moda usado por artistas. Essa discussão aparece diariamente dentro da empresa: até que ponto conseguimos mudar a percepção sem perder o público de massa”, disse.
Entre os objetivos estão conquistar um público mais jovem e moderno e se conectar com as novas gerações, se afastar da sazonalidade (o consumo ainda está muito concentrado no fim do ano), deixar a ideia de que a bebida serve apenas para momentos de celebração e ampliar ocasiões de consumo.
“Nós somos reféns do formato da garrafa de espumante, que remete à celebração. Quando você muda a garrafa e vai para uma long neck, talvez você esteja presente em outras ocasiões, como piscina, churrasco e praia”, disse Wolff.
Para conquistar consumidores mais jovens, a CRS lançou uma linha de sidras em garrafas menores em quatro versões: tradicional, maçã verde, sem álcool e sem açúcar.
“É uma tentativa de rejuvenescer a clientela. Poderíamos dizer que é uma bebida mais saudável, porque tem o suco fermentado de maçã e não traz todos os ingredientes que um refrigerante teria”, afirmou o executivo.
Com a long neck, a CRS também quer ampliar o consumo para além das festas de fim de ano.
Segundo Wolff, a mudança geracional impactou diretamente a categoria.
“Nós tivemos ao longo dos anos uma certa estagnação nos volumes. A taxa de crescimento diminuiu muito. Agora em 2024, voltamos a crescer de novo e, com os lançamentos de long neck, queremos continuar nesse caminho”, disse.
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Além da aposta nas “garrafinhas”, a empresa prepara a entrada no mercado de latas, prevista para 2026. “Estamos adquirindo uma linha de envase que deve começar a operar no próximo inverno”, afirmou Wolff.
Público feminino
O esforço de diversificação acontece porque a base da Cereser é majoritariamente popular. “O nosso público é mais feminino, de 40 a 60 anos, classes C e D. Esse perfil foi consolidado ao longo das décadas”, disse Wolff.
O desafio é educar novas gerações sobre a própria natureza da sidra. “Os nossos pais e avós sabiam que a sidra era fermentado de maçã. Para os mais jovens, precisamos explicar novamente o que é o produto.”
Por lei, para ser considerada sidra no Brasil, a bebida precisa ter fermentado de maçã em sua composição.
“Sidra tem que ser só o fermentado de maçã. Você não pode ter água ou qualquer outra substância. Mas no fim do ano surgem no varejo muitos coquetéis alcoólicos rotulados como sidra, o que confunde o consumidor”, explicou o CEO.
Embora mantenha a essência popular, a CRS também avança no mercado de maior valor agregado.
A aquisição da marca de espumantes Georges Aubert abriu espaço para uma linha que ganhou prêmios em competições nacionais e internacionais. Agora, a aposta é trazer esse conceito também para a sidra.
“O mercado de sidra terá um produto mais premium ainda neste ano. É um movimento complementar, não substitutivo. Primeiro precisamos atender nosso público atual”, afirmou Wolff.
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Empresa centenária
Fundada em 1926, em Jundiaí, no interior de São Paulo, por imigrantes italianos que começaram com o cultivo de uvas, a empresa cresceu acompanhando a transformação do consumo de bebidas no país.
Hoje, figura entre as maiores fabricantes de bebidas alcoólicas da América Latina, com produção anual próxima de 14 milhões de caixas e exportações para mais de 40 países.
A empresa tem capacidade instalada para produzir 18 milhões de caixas de 12 garrafas por ano, e esse número deve crescer rapidamente.
“Vamos chegar no ano que vem a 22 milhões, e tenho planos de nos próximos anos elevar essa capacidade para 30 milhões de caixas”, disse Wolff.

A produção atual considera a soma de marcas próprias e contratos de industrialização para gigantes de bebidas como Diageo, Campari e Bacardi.
“Essas empresas mandam a garrafa, o rótulo e a formulação, e nós industrializamos. Esse faturamento representa 15% do negócio e ajuda a manter a fábrica produtiva, além de reduzir custos fixos”, explicou o executivo.
A relação com multinacionais também funciona como disciplina de qualidade. “Nós somos auditados por padrões internacionais muito rigorosos. Isso nos ajuda a manter a barra sempre elevada”, disse.
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Se a Cereser continua fortemente associada ao Brasil, as exportações se consolidam como um segundo motor de crescimento. Hoje, cerca de 15% do volume produzido já vai para fora do país, principalmente América do Sul, Caribe e África.
“Nos últimos anos, o peso da exportação mais que dobrou. Era de 5%, passou a 10% e agora já está acima de 15%. Estamos abrindo mercados importantes, como Rússia, Estados Unidos e China, onde já temos cinco distribuidores”, disse Wolff.
A demanda externa vai além da sidra e inclui tanto os vinhos Dom Bosco e espumantes Georges Aubert quanto destilados como o rum Capitán Cortez e o uísque Chanceler.
“Cada mercado puxa mais um produto. Na América do Sul, vendemos mais vinhos e espumantes; no Caribe, o foco são destilados; e, na Ásia, estamos entrando com espumantes e aperitivos”, afirmou.
O ano de 2026 marcará o centenário da CRS Brands. O plano é celebrar a data com a empresa em nova fase.
“Crescer 15% em 2024, quando o mercado de bebidas alcoólicas ‘andou de lado’, foi um resultado super importante. Mostra que estamos retomando a trajetória de expansão”, disse Wolff.
Até lá, a companhia espera consolidar os lançamentos na categoria de RTDs [Ready to Drink], ampliar exportações e inaugurar a linha de latas.
“O centenário será comemorado com uma CRS mais moderna, diversificada e conectada às novas gerações”, afirmou.
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