Bloomberg Línea — Enquanto o mercado de luxo global passa por momentos de incertezas com a retração do consumo na China e os desdobramentos da guerra comercial promovida por Donald Trump, um número maior de empresas enxerga o Brasil como um destino alternativo em que vale a pena investir.
Um uísque com preço de R$ 40.000 é uma das apostas da multinacional francesa Pernod Ricard para consolidar o Brasil como um mercado estratégico no segmento de bebidas de categorias que vão além do luxo.
Um dos focos é a explorar o conceito de exclusividade, que leva a uma valorização ainda maior dos produtos classificados como premium e ultra premium.
Apenas duas garrafas da edição de 40 anos do single malt escocês The Glenlivet foram trazidas ao país pelo preço citado, e elas são vistas como parte da estratégia para capturar a demanda crescente por produtos “ultra prestige” no país.
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“A Pernod Ricard já vem se estruturando há alguns anos, com uma organização local justamente para atender esse mercado de luxo”, disse Ana Paula Limonge, head de marketing de Prestige da companhia no Brasil, em entrevista à Bloomberg Línea.
O grupo, que opera no Brasil desde 2001, possui um portfólio dedicado ao alto padrão, que contempla categorias como uísque single malt, blended scotch, gin, vodka e champanhe.
Entre as marcas prioritárias do portfólio Prestige estão o próprio The Glenlivet (cujo preço de entrada é próximo dos R$ 200, mas que tem categorias mais caras até a edição de R$ 40.000), o blended uísque Royal Salute (bebida envelhecida 21 anos que custa em torno de R$ 1.300) e o champagne Perrier-Jouët (que tem garrafas a partir de R$ 500). São ícones que concentram investimentos e esforços no país.
No Brasil, o uísque lidera o consumo de destilados de luxo, segundo dados internos da Pernod Ricard. A categoria representa aproximadamente 85% do segmento Prestige, patamar que inclui bebidas que custam mais de R$ 500 - enquanto a categoria Ultra Prestige tem rótulos a partir de R$ 1.200.
“Costumamos dizer que o uísque é a bebida legítima de Prestige no Brasil”, disse Limonge.
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Esse peso se intensifica à medida que o consumo avança para faixas de preço mais altas. Por essa razão, a estratégia da empresa tem foco no público disposto a investir mais em produtos de qualidade, que se traduzam em exclusividade e experiências singulares.
The Glenlivet, descrito pela executiva como uma “powerhouse” dentro do portfólio global, é peça central dessa aposta. Embora o mercado brasileiro de single malt ainda seja incipiente, a companhia observa avanços consistentes no interesse por produtos mais complexos.
“Nós vemos um avanço muito relevante no interesse por single malts. É uma subcategoria que ainda está em desenvolvimento, mas tem muito potencial para crescer”, avaliou.
Parte desse movimento está atrelado a mudanças no comportamento do consumidor brasileiro, aceleradas durante a pandemia.
“É um público que prioriza qualidade em vez de quantidade e que está disposto a desembolsar mais por um uísque ou produto que traduza esse atributo”, disse Limonge.
“Nós vemos uma tendência clara de ‘premiunização’ do mercado, com consumidores que buscam produtos e serviços de maior valor percebido, exclusividade e experiências sensoriais.”
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Nesse contexto, o Brasil segue em trajetória distinta da observada em outros mercados globais, em que a desaceleração do luxo tem sido impulsionada pela retração chinesa e por incertezas políticas e econômicas.
“O mercado brasileiro está na contramão. Ele ainda está em pleno desenvolvimento, com fundações fortes”, apontou a executiva.
Segundo a Pernod Ricard, esse mercado de luxo no Brasil deve crescer de 6% a 8% até 2030. Segundo Limonge, o Brasil já se tornou o terceiro maior mercado global em valor para o Royal Salute. “Isso reforça a representatividade estratégica do país dentro da companhia”, disse.
Estratégias para o consumidor
A estratégia de marketing para o uísque The Glenlivet no Brasil apela às ideias de tradição com um posicionamento de modernidade.
Fundada há mais de 200 anos, a destilaria foi a primeira licenciada em Speyside, na Escócia, e carrega o espírito pioneiro do criador George Smith — que, à época, optou por legalizar sua produção em meio a inúmeras destilarias clandestinas.
“Falamos muito em quebrar convenções para continuar levando o single malt adiante. The Glenlivet trabalha com autenticidade, disrupção e um toque contemporâneo que é diferente do luxo clássico”, disse Limonge.
Mas a construção do mercado de single malt no Brasil passa inevitavelmente por educar o consumidor. “É um produto mais complexo, que justifica pagar um valor mais alto, mas isso precisa ser explicado.”
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Para chegar a esse público, a Pernod Ricard adota uma estratégia omnichannel, que vai do varejo tradicional a experiências exclusivas, tratadas como “money cannot buy” (o dinheiro não pode comprar), inspiradas em iniciativas globais e com degustações de rótulos especiais.
Além disso, a companhia trabalha com embaixadores de marca, que levam conhecimento técnico para bares, clientes e consumidores finais, o que busca fortalecer a percepção de valor do portfólio.
A aposta da Pernod Ricard mira tanto os apreciadores tradicionais que consomem o uísque puro ou “on the rocks” quanto um público mais aberto a explorar drinks e coquetéis — ainda que as edições muito envelhecidas, como The Glenlivet 40 anos, sejam destinadas quase exclusivamente à degustação pura.
A prioridade da empresa é continuar a ampliar a base de consumidores e consolidar a presença do portfólio Prestige, sem perder o caráter exclusivo que sustenta o mercado de luxo. A meta inclui aproximar o uísque The Glenlivet de novos públicos, inclusive femininos, e estimular colecionadores.
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