Mundo descobre a cachaça. Desafio é levar pequenos produtores a bares e hotéis

Exportações avançam e refletem interesse maior pela bebida, que pode dar um salto maior com campanhas de promoção e presença global, segundo a empresária Raquel Lopes, da Casa Cachaça, que vende cerca de 30 marcas do país no exterior

Drink chamado Porto Seguro, com cachaça em carvalho francês da Mipibu, porto Tawny, vermute rosso e licor de cacau, criado pelo Manual da Coquetelaria ( (Foto: Reprodução/Instagram)
Por Daniel Buarque
28 de Dezembro, 2025 | 07:00 AM

Bloomberg Línea — Deu no New York Times: “o Brasil tem uma cachaça para cada estação do ano”, dizia uma reportagem publicada em dezembro com uma lista de drinks que poderiam ser preparados com “o destilado brasileiro”.

O destaque internacional no jornal americano de prestígio ajuda a reforçar uma tese que muitos na indústria já haviam percebido desde o início da década. A cachaça parece viver um ponto de inflexão no mercado global.

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“A cachaça entrou em fase de descoberta no mundo”, disse a empresária Raquel Lopes, radicada em Portugal e conhecida como uma embaixadora informal da bebida, em entrevista à Bloomberg Línea. “Hoje, lá fora, muitas pessoas ainda não sabem muito bem o que é a cachaça, mas isso começou a mudar”, disse.

À frente da Casa Cachaça, braço da importadora BRZ Select em Portugal, ela apresenta no exterior cerca de 30 marcas brasileiras, de pequenos alambiques familiares a rótulos premiados.

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A empresária atua na articulação de negócios, festivais e degustações que garantem espaço para a cachaça nas cartas de bares e restaurantes europeus.

Dados oficiais tendem a reforçar a avaliação dela.

Depois de anos de exportações modestas, a bebida brasileira começou a avançar no exterior nos últimos anos.

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Em 2021, as vendas para outros países cresceram 38% e somaram US$ 13,1 milhões. Em 2022, dado mais recente disponível, subiram para US$ 20,08 milhões, segundo dados do ComexStat (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), compilados pelo Instituto Brasileiro da Cachaça (IBRAC).

Isso representa um aumento de 53% em relação a 2021. Em volume, o aumento foi de 29,03%, totalizando mais de 9,3 milhões de litros, de acordo com estudo da ApexBrasil, que promove produtos e serviços do país no exterior.

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Ainda são cifras pequenas quando comparadas ao rum ou à tequila, bebidas da América Latina que conseguiram projeção global, mas revelam um avanço em curso.

“Há um movimento de valorização. O momento é agora. Se fizermos um trabalho bem-feito, vamos conseguir chegar ao patamar do rum e da tequila e colocar a cachaça em qualquer prateleira de bar ou hotel chique do mundo”, disse Lopes.

Como a cachaça entrou em fase de descoberta no exterior, segundo “embaixadora” da bebida

O crescimento, porém, ainda não elimina barreiras estruturais. A cachaça continua classificada no código tarifário internacional como “rum e outras aguardentes de cana”, o que reforça a confusão que a própria empresária enfrenta diariamente nas apresentações da bebida mundo afora.

“O maior desafio é explicar que cachaça não é rum. Muita gente chega perguntando: ‘Is Brazilian rum?’ e eu repito que não é, que é cachaça”, afirmou.

Lopes costuma recorrer à história para desenhar a diferença, e explica que a destilação da cana no Brasil antecede a produção de rum no Caribe.

“Com muito orgulho, eu digo que a cachaça é o destilado mais antigo das Américas. Quando levaram o método de fermentação para o Caribe, a cachaça já tinha sido feita aqui.”

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Lopes também insiste na necessidade de mostrar a amplitude técnica da bebida, pouco conhecida fora do país.

“A cachaça nasce virgem, a cachaça prata. E é o único destilado que pode ser envelhecido em mais de 40 tipos de madeira. Isso encanta as pessoas, porque elas não têm a mínima noção de que isso existe”, disse.

Esse repertório, segundo ela, é decisivo também para desassociar a imagem da cachaça da caipirinha, drink que abriu portas, mas que também limita o entendimento da categoria.

“A caipirinha é uma faca de dois gumes. As pessoas sabem o que é cachaça por causa dela, mas eu preciso mostrar que a cachaça é superversátil.”

Com esse objetivo, organiza concursos e workshops em grandes cidades portuguesas como Lisboa e Porto. “Desafiamos os bartenders a harmonizar com charuto e depois a preparar um drink com vinho do Porto, exatamente para mostrar que cachaça não é só caipirinha.”

Ao mesmo tempo em que reconhece o papel das grandes marcas na abertura de mercado, ela mantém foco em pequenos e médios produtores.

“Pitu, 51 e Velho Barreiro têm o papel delas. Bem ou mal, as pessoas sabem o que é cachaça por causa delas. Mas o meu trabalho é priorizar pequenos e médios produtores, para dar vez para eles”, disse.

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Empresas do setor têm atuado nos últimos anos nesse sentido, e a ApexBrasil desenvolveu o Projeto Setorial “Cachaça: Taste the New, Taste Brasil”, que ajudou nessa promoção no exterior.

Na avaliação de Lopes, para que a bebida avance de modo consistente nos mercados internacionais, será preciso elevar ainda mais o investimento em promoção e presença fora do país.

Para a empresária, a disputa pelo espaço global envolve, além de sabor e técnica, a capacidade de comunicar o peso cultural da cachaça.

“Não se trata de vender um produto, mas de abrir caminhos para que a bebida seja compreendida e valorizada no lugar que merece estar. A cachaça é parte da nossa identidade.”

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Daniel Buarque

Daniel Buarque

Editor-assistente