Bloomberg Línea — Deu no New York Times: “o Brasil tem uma cachaça para cada estação do ano”, dizia uma reportagem publicada em dezembro com uma lista de drinks que poderiam ser preparados com “o destilado brasileiro”.
O destaque internacional no jornal americano de prestígio ajuda a reforçar uma tese que muitos na indústria já haviam percebido desde o início da década. A cachaça parece viver um ponto de inflexão no mercado global.
“A cachaça entrou em fase de descoberta no mundo”, disse a empresária Raquel Lopes, radicada em Portugal e conhecida como uma embaixadora informal da bebida, em entrevista à Bloomberg Línea. “Hoje, lá fora, muitas pessoas ainda não sabem muito bem o que é a cachaça, mas isso começou a mudar”, disse.
À frente da Casa Cachaça, braço da importadora BRZ Select em Portugal, ela apresenta no exterior cerca de 30 marcas brasileiras, de pequenos alambiques familiares a rótulos premiados.
Leia mais: A Diageo dobrou de tamanho no Brasil. E quer avançar mais com novos hábitos de beber
A empresária atua na articulação de negócios, festivais e degustações que garantem espaço para a cachaça nas cartas de bares e restaurantes europeus.
Dados oficiais tendem a reforçar a avaliação dela.
Depois de anos de exportações modestas, a bebida brasileira começou a avançar no exterior nos últimos anos.
Em 2021, as vendas para outros países cresceram 38% e somaram US$ 13,1 milhões. Em 2022, dado mais recente disponível, subiram para US$ 20,08 milhões, segundo dados do ComexStat (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), compilados pelo Instituto Brasileiro da Cachaça (IBRAC).
Isso representa um aumento de 53% em relação a 2021. Em volume, o aumento foi de 29,03%, totalizando mais de 9,3 milhões de litros, de acordo com estudo da ApexBrasil, que promove produtos e serviços do país no exterior.
Leia mais: Além da cerveja: como a Beats, da Ambev, fez da inovação uma força para crescer mais
Ainda são cifras pequenas quando comparadas ao rum ou à tequila, bebidas da América Latina que conseguiram projeção global, mas revelam um avanço em curso.
“Há um movimento de valorização. O momento é agora. Se fizermos um trabalho bem-feito, vamos conseguir chegar ao patamar do rum e da tequila e colocar a cachaça em qualquer prateleira de bar ou hotel chique do mundo”, disse Lopes.

O crescimento, porém, ainda não elimina barreiras estruturais. A cachaça continua classificada no código tarifário internacional como “rum e outras aguardentes de cana”, o que reforça a confusão que a própria empresária enfrenta diariamente nas apresentações da bebida mundo afora.
“O maior desafio é explicar que cachaça não é rum. Muita gente chega perguntando: ‘Is Brazilian rum?’ e eu repito que não é, que é cachaça”, afirmou.
Lopes costuma recorrer à história para desenhar a diferença, e explica que a destilação da cana no Brasil antecede a produção de rum no Caribe.
“Com muito orgulho, eu digo que a cachaça é o destilado mais antigo das Américas. Quando levaram o método de fermentação para o Caribe, a cachaça já tinha sido feita aqui.”
Leia mais: Vinho ocupa parte do espaço da cerveja entre as bebidas preferidas no Brasil
Lopes também insiste na necessidade de mostrar a amplitude técnica da bebida, pouco conhecida fora do país.
“A cachaça nasce virgem, a cachaça prata. E é o único destilado que pode ser envelhecido em mais de 40 tipos de madeira. Isso encanta as pessoas, porque elas não têm a mínima noção de que isso existe”, disse.
Esse repertório, segundo ela, é decisivo também para desassociar a imagem da cachaça da caipirinha, drink que abriu portas, mas que também limita o entendimento da categoria.
“A caipirinha é uma faca de dois gumes. As pessoas sabem o que é cachaça por causa dela, mas eu preciso mostrar que a cachaça é superversátil.”
Com esse objetivo, organiza concursos e workshops em grandes cidades portuguesas como Lisboa e Porto. “Desafiamos os bartenders a harmonizar com charuto e depois a preparar um drink com vinho do Porto, exatamente para mostrar que cachaça não é só caipirinha.”
Ao mesmo tempo em que reconhece o papel das grandes marcas na abertura de mercado, ela mantém foco em pequenos e médios produtores.
“Pitu, 51 e Velho Barreiro têm o papel delas. Bem ou mal, as pessoas sabem o que é cachaça por causa delas. Mas o meu trabalho é priorizar pequenos e médios produtores, para dar vez para eles”, disse.
Leia também: Riedel se apoia em degustações para ampliar uso de taças de cristal de luxo no Brasil
Empresas do setor têm atuado nos últimos anos nesse sentido, e a ApexBrasil desenvolveu o Projeto Setorial “Cachaça: Taste the New, Taste Brasil”, que ajudou nessa promoção no exterior.
Na avaliação de Lopes, para que a bebida avance de modo consistente nos mercados internacionais, será preciso elevar ainda mais o investimento em promoção e presença fora do país.
Para a empresária, a disputa pelo espaço global envolve, além de sabor e técnica, a capacidade de comunicar o peso cultural da cachaça.
“Não se trata de vender um produto, mas de abrir caminhos para que a bebida seja compreendida e valorizada no lugar que merece estar. A cachaça é parte da nossa identidade.”
Leia também
Como este destilado coreano multiplicou a presença em bares de Nova York a Singapura









