Bloomberg Línea — O mercado brasileiro de relógios de luxo está prestes a passar por uma transformação histórica, com potencial para multiplicar por dez o valor de mercadorias importadas da Suíça. A estimativa é do executivo Freddy Rabbat, distribuidor da TAG Heuer no Brasil e vice-presidente da Associação Brasileira das Marcas de Luxo (Abrael).
O setor movimenta estimados 50 milhões de francos suíços ao ano (R$ 342 milhões) e pode chegar a 500 milhões (R$ 3,4 bilhões), disse Rabbat, com impulso do acordo comercial recém-fechado entre o Mercosul e a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA, na sigla em inglês), bloco liderado pela Suíça.
“Podemos esperar um mercado pelo menos dez vezes maior do que é hoje”, afirmou Rabbat em entrevista à Bloomberg Línea.
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Apesar do otimismo com os impactos da assinatura do acordo no médio e longo prazo, Rabbat explicou que o cronograma é lento.
O acordo ainda precisa ser traduzido para todos os idiomas oficiais dos países envolvidos, passar pelo crivo de possíveis referendos, como na Suíça, e ser aprovado pelos respectivos parlamentos nacionais.
“O consumidor só verá benefícios reais desse acordo lá por volta de 2029 e 2030. Antes disso ninguém vai ver muita mudança, mas as empresas podem começar a se movimentar para vir ao país”, disse.
Uma vez em vigor o acordo, o efeito será imediato, com a eliminação total do imposto de importação, hoje na faixa de 20%. “Esse imposto sempre atrapalhou muito. Quando estiver ratificado, ele zera no dia seguinte.”
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A perspectiva do imposto zero já começa a redesenhar a estratégia das marcas suíças.
Rabbat disse acreditar que, nos próximos dois a três anos, empresas do setor devem abrir escritórios, buscar parceiros e planejar pontos de venda no Brasil para garantir mercado antes do boom.
“Devemos ver as empresas suíças começarem a procurar ou parceiros locais ou elas mesmas abrirem seus escritórios no Brasil.”
A lógica é antecipar a presença e consolidar o market share, ainda que sacrificando margens nos primeiros anos.
“As marcas maiores já sabem que isso vai acontecer e querem entrar no Brasil antes para ganhar o seu espaço. Elas vêm, mas não com os braços abertos: colocam uma quantidade limitada”, disse o executivo.
Ele explicou qual deve ser a estratégia: “se o mercado brasileiro pode ser de 20.000 relógios para uma marca, vai entregar 3.000, sabendo que vai perder dinheiro, mas para já começar a conversar com o público brasileiro”.
A lista de marcas suíças que devem reforçar ou estrear operações no Brasil vai do ultra premium ao segmento mais acessível, segundo ele.
Rabbat citou nomes como Patek Philippe, Vacheron Constantin, Audemars Piguet e Richard Mille, no topo do mercado de luxo, além de Frederique Constant, Alpina e todo o grupo Swatch, que reúne marcas como Swatch, Tissot e Certina.
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Muitos deles já estiveram no Brasil no passado, mas deixaram o país em razão da carga tributária e dos custos logísticos.
“No caso das marcas caras, ninguém queria revender no Brasil porque nunca seria competitivo. O sujeito que compra um relógio caro viaja e prefere comprar no exterior. Mas quando ele encontra o mesmo preço no Brasil, com o vendedor de confiança, no idioma dele, garantia local, fica muito mais fácil e agradável”, disse.
Ao contrário do que muitos consumidores podem imaginar, entretanto, o acordo com a Suíça não deve derrubar imediatamente os preços dos relógios.
O que vai mudar é a rentabilidade do negócio e o volume de produtos disponíveis no país, explicou Rabbat.
“Não vai haver redução de preço, pois hoje as marcas operam com sacrifício da margem de lucro. O que você vai ter, talvez, é algum ajuste para que o preço brasileiro fique exatamente igual ao preço internacional”, disse o executivo.
Ele explicou que, hoje, marcas já operam no Brasil abrindo mão de margens apenas para manter presença e reconhecimento. “Todas as marcas que estão no Brasil falam: vender para o Brasil dá prejuízo.”
Com o imposto de importação zero, a tendência é que empresas ampliem significativamente o volume enviado ao mercado brasileiro.
“No exemplo citado: em vez de ter 3.000 relógios quando poderia vender 20.000, vão mandar 20.000 para o Brasil.”
Esse movimento deve alterar o comportamento do consumidor brasileiro, que hoje compra boa parte dos relógios de luxo em viagens ao exterior para escapar da diferença tributária que se reflete nos preços.
A partir do momento em que o preço for equivalente, a compra local passa a ser mais atraente por fatores como segurança, pós-venda e condições tipicamente brasileiras, como o parcelamento.
Para a economia, o efeito será abrangente: menos evasão de divisas, mais arrecadação de impostos indiretos e empregos qualificados no varejo e em operações regionais.
“Vai haver muito mais comércio, muito mais geração de emprego e - palavra mágica para o país - geração muito maior de impostos. Mesmo sem cobrar imposto de importação, o Estado vai arrecadar muito mais”, disse.
Em um momento em que a China desacelera o consumo de luxo, o Brasil aparece como próxima fronteira de expansão para o setor, destacando-se por um mercado potencial de 200 milhões de habitantes.
“Todo mundo quer um relógio. Não precisa ser o mais caro. A Suíça tem toda a variedade de preços, mas sempre com qualidade”, afirmou Rabbat.
Além disso, o acordo com o EFTA serve como modelo para acelerar o tratado com a União Europeia.
“O comércio é a grande ferramenta de crescimento de qualquer país. Quando você abre suas portas para os outros, desde que eles também abram para você, deixa de contar só com 200 milhões de consumidores e passa a falar em 8 bilhões”, disse em referência ao tamanho da população no mundo.
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