Ícone da Espanha e garrafa até R$ 9.000: Vega Sicília vê Brasil como mercado-chave

País representa 5% das vendas da vinícola, o equivalente a cerca de 65 mil garrafas de rótulos de luxo, e tem demanda crescente, contou o CEO, Pablo Álvarez, à Bloomberg Línea; e acordo Mercosul-União Europeia pode representar novo impulso

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Bloomberg Línea — Empresários que atuam no setor de vinhos no Brasil costumam dizer que os consumidores têm uma preferência por rótulos mais barato e que o “coração do mercado” está em garrafas que custam até R$ 50.

Mas o país também tem se destacado internacionalmente pelo seu interesse no segmento de maior qualidade.

É o caso da vinícola espanhola Vega Sicília, que enxerga o Brasil como um mercado-chave e que tem como produto principal o vinho ícone que leva seu nome e que chega ao país a R$ 8.775,72 a garrafa em uma das importadoras oficiais.

“O Brasil sempre foi um mercado em ascensão para nós, mesmo com suas oscilações econômicas. Há mais de 30 anos venho ao país e vejo um crescimento contínuo do consumo de vinho, especialmente entre a classe média e média-alta”, disse o CEO da Tempos de Vega Sicília, Pablo Álvarez, em entrevista à Bloomberg Línea.

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Segundo ele, o país representa 5% das vendas totais da empresa.

Pode parecer pouco, mas trata-se de uma vinícola que produz pouco e apenas bebidas de luxo - e que exporta 70% de sua produção para 140 países.

O Brasil se destaca como um dos pilares dessa estratégia de presença internacional, com um patamar que poucos outros alcançam.

“São poucos os países que superam esses 5% no mundo. Nas Américas, depois dos Estados Unidos e do México, o Brasil é o mais importante. Mesmo que o consumo per capita ainda não seja tão elevado, o Brasil sempre foi consistente para nós”, disse.

Álvarez viaja regularmente ao Brasil e esteve recentemente em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde participou de um jantar especial com degustação dos seus vinhos - um menu harmonizado no restaurante Piselli, de Juscelino Pereira, na capital paulista, custou R$ 2.990,00 por pessoa.

“Vejo o Brasil com um mercado de vinho cada vez mais vivo, e há um ecossistema saudável, com interesse, consumo e turismo relacionados ao vinho”, disse.

Para o CEO, o maior desafio para aumentar ainda mais essa presença é a alta carga tributária, que encarece os rótulos importados.

“Paguei 650 euros por uma garrafa de Alión [outro vinho do portfólio da Tempos de Vega Sicilia] no Rio de Janeiro. Na vinícola, ele custa 45 euros, mas aqui chega a ser 15 vezes mais”, disse.

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Esse impacto dos impostos poderá ser amenizado, segundo ele, com a aguardada aprovação do acordo entre o Mercosul e a União Europeia. “Se houver um acordo, isso afetaria os impostos e seria definitivamente positivo”, disse.

Apesar da crítica às taxas tributárias, ele disse que a vinícola não tem uma preocupação excessiva com a guerra comercial iniciada por Donald Trump.

O CEO disse que a preocupação em si não é o aumento do preço dos vinhos por causa das tarifas, mas o impacto sistêmico da guerra comercial.

“Se o nosso vinho ficar US$ 20 ou US$ 30 mais caro nos EUA, isso não deve afetar as vendas, pois são produtos de luxo. A questão é muito mais ampla, pois as tarifas tornarão todos os produtos mais caros e isso se tornará um problema econômico nos Estados Unidos”, disse.

Segundo ele, a vinícola não tem uma estratégia especial para lidar com a guerra comercial.

“Temos a capacidade de movimentar os vinhos e transferir nossa exportação para outro país. Continuamos a manter uma procura que excede a oferta. Isso nos permite mover [de mercados]. Não creio que haverá grandes mudanças no final”, disse.

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História de luxo

O nome Vega Sicilia apareceu pela primeira vez ligado a vinhos em 1577, quando a região espanhola de Ribera del Duero já produzia uvas para fazer a bebida.

A vinícola pertence ao grupo da família Álvarez desde 1982. Pablo Álvarez é o CEO desde 1990 e ajudou a consolidar a empresa como uma marca de apelo global especializada em vinhos especiais e icônicos.

Ícone é o termo usado para descrever rótulos que se consagraram como símbolo máximo de excelência, prestígio, tradição e, claro, preços altíssimos. É o caso do francês Romanée-Conti, do italiano Sassicaia, do português Barca Velha e do Vega Sicilia Unico, principal produto da empresa de Álvarez.

Hoje, além do Unico, os negócios da família no setor tem outras quatro marcas: Alión, Pintia, Macán e Tokaj-Oremus (a única fora da Espanha, na Hungria).

Em todas, o perfil é de vinhos de alta gama com preços também elevados. Esse perfil deve ser característico também em um novo projeto em desenvolvimento na região de Rías Baixas, na Galícia, contou Álvarez.

Com essa estratégia, o foco está mais em promover o valor especial da bebida do que em ampliar o volume.

A produção anual total da empresa varia de acordo com a safra e ficou em de 1,3 milhão de garrafas neste ano, 100 mil a menos do que no ano passado. Isso gera um faturamento que tem ficado estável em 90 milhões de euros.

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Para Álvarez, a estabilidade é um princípio inegociável: mesmo em anos de menor produção, a consistência da marca tem que ser preservada.

“Nossa prioridade é a qualidade. Em anos de condições climáticas desfavoráveis, produzimos menos. No ano passado vendemos 1,44 milhão de garrafas e faturamos quase €90 milhões. Neste ano, com uma produção menor, o faturamento deve se manter estável graças a um pequeno reajuste de preços — entre 4% e 10%, dependendo do vinho”, disse.

Apesar de focar na produção de luxo e de defender a alta qualidade dos vinhos que produz, Álvarez disse que há espaço para diferentes tipos de bebidas - e que ele mesmo não toma os ícones de sua casa tão frequentemente.

“Somos uma marca histórica. Produzimos vinhos com um objetivo claro: fazer o melhor vinho possível, sempre. Isso nos posicionou como a vinícola espanhola mais reconhecida do mundo. Mas, no final, o melhor vinho é aquele de que você gosta — não o mais caro”, ressaltou.

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