Bloomberg Línea — O mercado náutico brasileiro tem experimentado uma transformação significativa na demanda por embarcações de luxo, com crescimento de 60% no segmento de iates entre 70 e 100 pés desde meados de 2024.
A migração representa uma mudança estrutural no perfil de consumo, com redução proporcional na procura por barcos até 60 pés e aumento da demanda por embarcações acima de R$ 25 milhões - e que chegam a valores entre R$ 70 milhões e R$ 80 milhões.
Em entrevista à Bloomberg Línea, Roberto Paião, CEO do Grupo Okean - conglomerado que engloba estaleiro, embarcações das marcas Okean e Ferretti, além da divisão Yachtworks -, disse que esse movimento reflete o que descreveu como uma saturação natural do mercado de embarcações menores. E que a migração acaba sendo uma consequência natural.
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“Quem tinha 60 [pés] passa a ter 70, quem tinha 70 passa a ter 80, e quem tem 80 passa a ter 100 pés”, disse o executivo sobre o comportamento de clientes.
O principal modelo em vendas do estaleiro, a Ferretti 850 de 85 pés, exemplifica essa tendência com preço médio de R$ 36 milhões.

Essa transformação do mercado ocorre em momento desafiador para o setor náutico brasileiro, que enfrenta pressões regulatórias domésticas consideradas mais preocupantes que as recentes tarifas de 50% impostas pelo governo dos Estados Unidos, na avaliação do CEO.
A inclusão do IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) para embarcações na reforma tributária representa a principal ameaça ao setor, segundo Paião, que cita experiências negativas na Europa e nos EUA.
“Isso fez dezenas de milhares de postos de trabalho serem reduzidos, até que as autoridades entenderam que a medida não dizia respeito ao fim de um benefício a uma classe abastada para compra de iates mas que afetava uma economia que gira com mão de obra intensiva”, disse o CEO.
Cada embarcação demanda 30 mil horas de trabalho manual, equivalente ao investimento necessário para construir um prédio de 20 andares, em processo predominantemente artesanal que impede automação completa, explicou.
Verticalização e diversificação
Diante desses desafios, o Grupo Okean adota estratégias de diversificação e verticalização para reduzir vulnerabilidades nos negócios.
A empresa inaugurou neste ano uma nova fábrica de móveis náuticos em Rio Negrinho, no estado de Santa Catarina, que produzirá kits móveis e pavimentos de teca para substituir importações.
O investimento faz parte da terceira planta do grupo, que já verticalizou a produção de fibra e agora expande para móveis com prazo de dois anos para atingir capacidade plena.
Paralelamente, a empresa avalia investimentos nos Estados Unidos para montagem final de embarcações, o que as transformaria em “produto americano”, de modo que seria possível evitar as tarifas mais altas de importação.
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“Posso ficar aqui chorando porque não vou exportar para os EUA, ou posso buscar investimentos nos EUA para terminar de montar meus barcos lá”, disse Paião sobre as alternativas para o mercado em que o grupo já opera há dez anos.
A diversificação geográfica inclui expansão para novos mercados, com exportações atuais para Austrália, Japão, Europa e recente prospecção nos Emirados Árabes Unidos.
Essa estratégia complementa o foco doméstico em um país com 8.000 quilômetros de costa, em que a infraestrutura representa o principal desafio para acomodar embarcações maiores, mas o potencial de crescimento permanece significativo.
Compartilhamento de barcos
Internamente, o grupo inovou com o lançamento do Concierge & Co, programa de compartilhamento de embarcações com até 60 pés que iniciou operações em junho com quatro clientes.
O projeto funciona como ferramenta comercial para ativar produção e vendas e utiliza Itapema, em Santa Catarina, como laboratório antes da expansão.
“Uma embarcação tem muita disponibilidade, pois o barco fica parado muito tempo”, disse Paião sobre a lógica do compartilhamento para barcos menores.
A clientela diversificada do estaleiro inclui industriais, jogadores de futebol, artistas e empresários do mercado financeiro, motivados pela experiência marítima tanto para lazer quanto para fechamento de negócios em ambiente diferenciado.
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Para atender esse público AAA, a empresa evita participação em feiras massivas, priorizando eventos exclusivos que proporcionem experiência personalizada incompatível com multidões, segundo o CEO.
No aspecto tecnológico, o setor incorpora inovações focadas em sustentabilidade e eficiência, incluindo propulsão elétrica e sistemas de hidrogênio e hydrofoils para redução de arrasto e consumo, disse o executivo.
Projetos avançados de hidrogênio já existem no mercado náutico internacional, enquanto as tecnologias verdes ganham relevância crescente entre os consumidores de luxo.
A estratégia futura do grupo inclui expansão para embarcações acima de 100 pés e possíveis projetos únicos de montagem e entrega, acompanhando tendência de crescimento do segmento ultra luxo.
O posicionamento no nicho de 70 a 100 pés visa menor concorrência e maior margem, enquanto a costa brasileira oferece potencial de longo prazo para expansão sustentada do mercado náutico nacional, afirmou.
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