Do deserto ao gelo: Ventisquero produz vinho em climas extremos e prioriza o Brasil

Com vendas anuais de US$ 40 milhões e presença em 52 países, a vinícola chilena vê condições de ampliar o mercado de vinhos de luxo entre brasileiros e avançar no enoturismo, diz o CEO Francisco Grohnert à Bloomberg Línea

Do deserto ao gelo, Ventisquero faz vinho em todo o Chile e prioriza venda ao Brasil
Por Daniel Buarque
03 de Agosto, 2025 | 06:00 AM

Bloomberg Línea — Com uma história recente, fundada em 1998, a Viña Ventisquero decidiu construir sua marca desafiando o caminho mais previsível no mercado global de vinhos.

Gerida de forma independente, apesar de pertencer a um dos maiores conglomerados agroindustriais do Chile, a vinícola explora terroirs extremos, do deserto do Atacama às bordas geladas da Patagônia, para produzir rótulos que reforçam a diversidade vitivinícola do país e apresentam um terroir do Chile como um todo.

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Essa ambição agora se volta de forma ainda mais incisiva à maior economia da região.

“O Brasil é hoje o nosso principal mercado. Representa aproximadamente 30% de nossa venda”, disse Francisco Grohnert, CEO da Ventisquero, em entrevista à Bloomberg Línea durante visita recente a São Paulo.

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No Brasil, a proximidade cultural e o enoturismo são vistos como fatores que abrirão espaço para vinhos de origem.

“É um mercado muito interessante porque é muito próximo ao Chile, de modo que as pessoas conhecem os vinhedos, nos visitam e têm boa experiência. O enoturismo é algo super relevante.”

A ascensão do mercado brasileiro reflete mudanças no cenário global.

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Grohnert explicou: “até 2023, aproximadamente, a China era o principal mercado, mas, com toda a turbulência que o país tem em relação ao consumo de luxo, o Brasil se pôs à frente e se tornou o nosso destino número um”.

O relacionamento com o Brasil, no entanto, não é novo. A Ventisquero exporta para o país há mais de duas décadas por meio da Cantu Grupo Wine.

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Nos últimos cinco anos, foram mais de 3 milhões de caixas vendidas no país, o equivalente a 36 milhões de garrafas só no mercado brasileiro, desde rótulos mais simples, como Chilano, que chega a custar pouco mais de R$ 20, até vinhos mais sérios e caros, como Enclave, que pode passar de R$ 800.

A empresa tenta equilibrar assim volume e imagem. De um lado, sustenta linhas de entrada como a Chilano, que não carrega o nome Ventisquero para não afetar o posicionamento da marca principal.

Por outro lado, linhas de entrada são cruciais para ganhar espaço no mercado brasileiro, em que competem diretamente com outras categorias de bebidas, como cervejas e cachaças.

Mas o foco atual é consolidar a imagem da vinícola no país como produtora de vinhos de maior valor agregado.

“O futuro no Brasil fazer da Ventisquero uma marca conhecida como vinhos de qualidade e também avançar na diversidade de produtos que temos.”

A Ventisquero se posiciona como sétimo maior grupo exportador de vinhos do Chile, com vendas anuais de aproximadamente US$ 40 milhões e presença em 52 países.

A vinícola exporta entre 6 milhões e 7 milhões de garrafas por ano globalmente, com mercados importantes que incluem China, Estados Unidos, Holanda, Japão e Dinamarca.

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Condições extremas

De outro lado, a Ventisquero aposta em projetos considerados singulares para o mercado de alta gastronomia, como o Tara, elaborado no Atacama, que tem preço próximo de R$ 500.

Além disso, acompanha com atenção os primeiros testes que começaram a executar recentemente na Patagônia, com o vinhedo mais ao sul do mundo.

“O espírito nosso é a de uma vinícola que está constantemente desafiando e tentando extrair coisas exclusivas, de origem”, afirmou Grohnert.

O custo de produzir vinhos em terroirs em condições extremas é alto.

“Há 12 anos corremos a fronteira do vinho para o norte”, contou Grohnert sobre a expansão para o Atacama. No deserto, onde chove menos de 25 milímetros ao ano, a irrigação é essencial não só para nutrir as plantas mas também para lidar com a salinidade do solo.

Em Chile Chico, na Patagônia, os desafios são diferentes. O vento atinge 120 km/h, o que exige a instalação de barreiras e redes protetoras para as vinhas, além de sistemas para proteger os cachos dos pássaros.

A produtividade é baixa, segundo o CEO da Ventisquero.

“Cada planta faz uma ou duas garrafas por safra, são rendimentos muito baixos”, disse. A logística também é complexa. As uvas são transportadas de barco por um lago, seguem de caminhão até o aeroporto e, dali, em avião para Santiago, antes de chegarem à vinícola para a vinificação.

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O projeto levou sete anos de experimentação em condições extremas, com apenas duas pequenas áreas dedicadas ao vinhedo.

Apesar dos desafios, a Ventisquero não recua.

O grupo familiar que controla a vinícola, que é proprietário da Agrosuper (gigante agroindustrial com faturamento de US$ 4,5 bilhões), trata o negócio de vinhos como uma operação independente e autossustentável.

Grohnert enfatizou que o próximo passo é consolidar os projetos de terroirs extremos, que levam de 8 a 10 anos para se estabelecerem.

Premiação internacional

A visão de longo prazo da Ventisquero já trouxe frutos. A vinícola foi eleita pela revista Wine Enthusiast como a Melhor Vinícola do Novo Mundo em 2024, um prêmio que não era concedido para uma casa do Chile havia nove anos.

“Esse prêmio, junto com outros que vinícolas chilenas como a Don Melchor [da concorrente Concha y Toro] ganharam, põe novamente o Chile no plano internacional”, celebrou o executivo.

A estratégia da Ventisquero reflete a tentativa de atuar como uma espécie de vitrine do potencial vitivinícola chileno. “Somos uma vinícola que é muito representativa da diversidade do Chile”, disse Grohnert.

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Daniel Buarque

Daniel Buarque

É doutor em relações internacionais pelo King’s College London. Tem mais de 20 anos de experiência em veículos como Folha de S.Paulo e G1 e é autor de oito livros, incluindo 'Brazil’s international status and recognition as an emerging power', 'Brazil, um país do presente', 'O Brazil é um país sério?' e 'O Brasil voltou?'