Bloomberg Línea — Com uma história recente, fundada em 1998, a Viña Ventisquero decidiu construir sua marca desafiando o caminho mais previsível no mercado global de vinhos.
Gerida de forma independente, apesar de pertencer a um dos maiores conglomerados agroindustriais do Chile, a vinícola explora terroirs extremos, do deserto do Atacama às bordas geladas da Patagônia, para produzir rótulos que reforçam a diversidade vitivinícola do país e apresentam um terroir do Chile como um todo.
Essa ambição agora se volta de forma ainda mais incisiva à maior economia da região.
“O Brasil é hoje o nosso principal mercado. Representa aproximadamente 30% de nossa venda”, disse Francisco Grohnert, CEO da Ventisquero, em entrevista à Bloomberg Línea durante visita recente a São Paulo.
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No Brasil, a proximidade cultural e o enoturismo são vistos como fatores que abrirão espaço para vinhos de origem.
“É um mercado muito interessante porque é muito próximo ao Chile, de modo que as pessoas conhecem os vinhedos, nos visitam e têm boa experiência. O enoturismo é algo super relevante.”
A ascensão do mercado brasileiro reflete mudanças no cenário global.
Grohnert explicou: “até 2023, aproximadamente, a China era o principal mercado, mas, com toda a turbulência que o país tem em relação ao consumo de luxo, o Brasil se pôs à frente e se tornou o nosso destino número um”.
O relacionamento com o Brasil, no entanto, não é novo. A Ventisquero exporta para o país há mais de duas décadas por meio da Cantu Grupo Wine.
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Nos últimos cinco anos, foram mais de 3 milhões de caixas vendidas no país, o equivalente a 36 milhões de garrafas só no mercado brasileiro, desde rótulos mais simples, como Chilano, que chega a custar pouco mais de R$ 20, até vinhos mais sérios e caros, como Enclave, que pode passar de R$ 800.
A empresa tenta equilibrar assim volume e imagem. De um lado, sustenta linhas de entrada como a Chilano, que não carrega o nome Ventisquero para não afetar o posicionamento da marca principal.
Por outro lado, linhas de entrada são cruciais para ganhar espaço no mercado brasileiro, em que competem diretamente com outras categorias de bebidas, como cervejas e cachaças.
Mas o foco atual é consolidar a imagem da vinícola no país como produtora de vinhos de maior valor agregado.
“O futuro no Brasil fazer da Ventisquero uma marca conhecida como vinhos de qualidade e também avançar na diversidade de produtos que temos.”
A Ventisquero se posiciona como sétimo maior grupo exportador de vinhos do Chile, com vendas anuais de aproximadamente US$ 40 milhões e presença em 52 países.
A vinícola exporta entre 6 milhões e 7 milhões de garrafas por ano globalmente, com mercados importantes que incluem China, Estados Unidos, Holanda, Japão e Dinamarca.
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Condições extremas
De outro lado, a Ventisquero aposta em projetos considerados singulares para o mercado de alta gastronomia, como o Tara, elaborado no Atacama, que tem preço próximo de R$ 500.
Além disso, acompanha com atenção os primeiros testes que começaram a executar recentemente na Patagônia, com o vinhedo mais ao sul do mundo.
“O espírito nosso é a de uma vinícola que está constantemente desafiando e tentando extrair coisas exclusivas, de origem”, afirmou Grohnert.
O custo de produzir vinhos em terroirs em condições extremas é alto.
“Há 12 anos corremos a fronteira do vinho para o norte”, contou Grohnert sobre a expansão para o Atacama. No deserto, onde chove menos de 25 milímetros ao ano, a irrigação é essencial não só para nutrir as plantas mas também para lidar com a salinidade do solo.
Em Chile Chico, na Patagônia, os desafios são diferentes. O vento atinge 120 km/h, o que exige a instalação de barreiras e redes protetoras para as vinhas, além de sistemas para proteger os cachos dos pássaros.
A produtividade é baixa, segundo o CEO da Ventisquero.
“Cada planta faz uma ou duas garrafas por safra, são rendimentos muito baixos”, disse. A logística também é complexa. As uvas são transportadas de barco por um lago, seguem de caminhão até o aeroporto e, dali, em avião para Santiago, antes de chegarem à vinícola para a vinificação.
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O projeto levou sete anos de experimentação em condições extremas, com apenas duas pequenas áreas dedicadas ao vinhedo.
Apesar dos desafios, a Ventisquero não recua.
O grupo familiar que controla a vinícola, que é proprietário da Agrosuper (gigante agroindustrial com faturamento de US$ 4,5 bilhões), trata o negócio de vinhos como uma operação independente e autossustentável.
Grohnert enfatizou que o próximo passo é consolidar os projetos de terroirs extremos, que levam de 8 a 10 anos para se estabelecerem.
Premiação internacional
A visão de longo prazo da Ventisquero já trouxe frutos. A vinícola foi eleita pela revista Wine Enthusiast como a Melhor Vinícola do Novo Mundo em 2024, um prêmio que não era concedido para uma casa do Chile havia nove anos.
“Esse prêmio, junto com outros que vinícolas chilenas como a Don Melchor [da concorrente Concha y Toro] ganharam, põe novamente o Chile no plano internacional”, celebrou o executivo.
A estratégia da Ventisquero reflete a tentativa de atuar como uma espécie de vitrine do potencial vitivinícola chileno. “Somos uma vinícola que é muito representativa da diversidade do Chile”, disse Grohnert.
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