Bloomberg Línea — Para muitas pessoas das gerações que nasceram no Brasil entre os anos 1970 e 1980, em uma época sem internet, a logomarca da cruz branca em um fundo vermelho que forma a bandeira da Suíça ficou marcada no imaginário.
Ela estava estampada em produtos como o icônico canivete suíço, objeto de desejo famoso por concentrar várias ferramentas em uma única peça, capaz de auxiliar em múltiplas necessidades do dia-a-dia.
Mais de 140 anos depois da criação do canivete, a cutelaria se mantém parte essencial do portfólio da Victorinox, marca que deu origem ao ícone suíço. Mas a empresa repetiu para si a fórmula do objeto múltiplo e passou a atuar em outras frentes, como fabricante de malas, mochilas, acessórios e relógios.
No Brasil, essa diversificação levou a um resultado de certa forma inesperado: os relógios, que começaram a ser produzidos apenas quatro décadas atrás, se consolidaram como a principal produto da marca.
“Quase 50% do nosso faturamento é para a categoria de relógios, uma proporção mais alta do que no resto do mundo. Globalmente, a participação dos relógios gira em torno de 30%”, disse Claudia Schmatz, Country Manager da Victorinox no Brasil, em entrevista à Bloomberg Línea.
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O mercado foi conquistado com uma aposta no segmento premium, que inclui objetos de alta qualidade, mas sem serem necessariamente exclusivos ou com preços que sejam considerados altos demais.
“Nossa marca está na entrada do luxo”, disse Schmatz. A posição equivale a relógios que custam em média a partir de R$ 4.000 e podem chegar a R$ 22.000.
Para sustentar a estratégia, a Victorinox mantém duas fábricas na Suíça. A tradicional unidade em Ibach, dedicada aos canivetes e facas, divide espaço com um centro de competências relojoeiras em Delémont, na região francesa do país.
“A marca desenvolveu esse centro de competência justamente para melhorar a qualidade, se especializar cada vez mais, com a melhor mão de obra do mercado suíço”, disse.
“São mais de 130 testes regularmente dentro dessa fábrica para que possamos oferecer cinco anos de garantia em todos os nossos relógios.”

A diversificação de portfólio não diminui o peso da identidade nacional para a Victorinox, marcada pela bandeira do país na logo.
“A marca tenta sempre levar essa identidade muito forte da Suíça para o nosso consumidor em todos os produtos”, disse Schmatz.
Essa identidade vem acompanhada de uma estratégia de criar vínculos de longo prazo com os clientes. “Estamos sempre pensando em produtos premium, que sejam atemporais, passados de geração para geração e que transmitam essa história que tem por trás da nossa marca”, explicou.
Aceleração do crescimento no Brasil
O Brasil é considerado um mercado estratégico para a Victorinox.
A operação local foi inaugurada em 1993, sendo a primeira na América Latina. Hoje a empresa atua em 12 países da região, e a filial brasileira se destaca pelos resultados, segundo a executiva.
A companhia não possui lojas próprias físicas no país. A estratégia passa por parcerias em diferentes canais, como joalherias de alto padrão para relógios, lojas de esportes para mochilas e boutiques de viagem para malas e acessórios.
“O que realmente queremos é estar presente em todos os locais. A ideia é expandir por meio dos nossos parceiros e que eles tenham o mesmo perfil e a mesma visão de negócio”, disse Schmatz.
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Enquanto grandes nomes do luxo enfrentam retração global diante da desaceleração na China e de tensões geopolíticas, a Victorinox diz estar na contramão no Brasil.
“Globalmente, vemos esse cenário, mas no Brasil não sentimos esse impacto. A Victorinox já passou por vários cenários socioeconômicos e políticos e tivemos a habilidade de nos adaptar e rapidamente criar novas estratégias”, disse.
Nos últimos anos, o crescimento da marca tem sido constante. O faturamento cresceu 10% em 2023, 18% em 2024 e tem avançado ainda mais neste ano.
“No acumulado de 2025, já estamos com um crescimento de 35%”, disse. Segundo ela, o Dia dos Pais ajudou a impulsionar os resultados recentes.
A expansão também tem um recorte geográfico.
Além das capitais, a empresa avança no interior do país, com destaque para o Centro-Oeste. “A marca tem expandido muito para o interior, principalmente para onde há um mercado muito aquecido com o agronegócio”, afirmou.
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Um fator externo pode reforçar ainda mais a posição do Brasil: a negociação do acordo Mercosul–EFTA, que prevê redução de tarifas sobre produtos suíços.
Ao mesmo tempo, os Estados Unidos anunciaram tarifas de 35% sobre importados da Suíça. “A marca já vinha nesse movimento de equalizar preços de venda e isso pode favorecer ainda mais o consumidor brasileiro”, afirmou Schmatz.
O perfil do cliente da Victorinox no Brasil varia conforme a categoria de produto, de acordo com a executiva.
Nos relógios, o público ainda é majoritariamente masculino, que representa entre 70% e 80% do total.
A faixa etária principal vai dos 30 aos 60 anos - ou seja, muitos dos que tiveram ou sonharam em ter um canivete da marca no passado -, mas a empresa aposta em colaborações e embaixadores para alcançar jovens e mulheres.
Apesar da força dos relógios no mercado nacional, os canivetes continuam a representar cerca de 30% do faturamento no Brasil.
As facas, que receberam prêmios internacionais, também têm espaço, mas enfrentam concorrência de marcas locais como a Tramontina e estrangeiras como a Zwilling.
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