De R$ 20 a R$ 200: Góes aposta em nova marca para crescer no mercado de vinhos premium

Uma das maiores vinícolas do país, com produção de 8 milhões de litros e faturamento de R$ 120 milhões, se dividiu em duas para ganhar mercado de vinhos finos de qualidade e preços mais altos, explicou o CEO, Claudio Góes, à Bloomberg Línea

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Bloomberg Línea — Quando uma das maiores vinícolas do Brasil em vendas decidiu entrar no mercado de vinhos premium, descobriu que o desafio não seria apenas adotar novos tipos de uva e cultivo e investir na produção da bebida. As barreiras não eram exatamente técnicas ou financeiras.

A casa fundada em 1938 chegou a colocar no mercado bebidas bem cuidadas e elogiadas por especialistas, mas enfrentou mais dificuldades do que imaginava.

Ao passar da bebida simples e de mesa que fez sua fama para rótulos de mais alto nível e preço, a Góes, de São Roque, no interior de São Paulo, se deparou com o que classificou como preconceito do mercado.

“A Góes sempre foi respeitada no turismo e no mercado popular, mas não funcionava do portão para fora quando se fala em vinhos finos”, disse Claudio Góes, CEO da vinícola, em entrevista à Bloomberg Línea.

Depois de anos com investimento em pesquisa, inovação e na produção de rótulos de alta gama, a família decidiu que seria impossível avançar apenas com a marca tradicional.

“Criar outra vinícola era a única forma de lutar contra o preconceito”, disse.

A partir de 2025, a empresa, que tem produção anual de 8 milhões de litros e faturamento de cerca de R$ 120 milhões por ano, se dividiu em duas.

De um lado, a marca tradicional Góes continua com sua atuação no mercado popular de bebidas simples.

Do outro, a vinícola Philosophia nasce como uma estratégia para enfrentar a resistência do mercado brasileiro contra marcas associadas ao vinho de mesa no momento em que tentam ingressar no segmento premium.

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A Philosophia foi estruturada como uma operação totalmente separada da Góes, com CNPJ próprio, equipe comercial dedicada e comunicação diferenciada.

Claudio Góes segue à frente como CEO do grupo que leva seu sobrenome, mas disse que a nova marca tem vida própria. “Fazer meio-termo não dava. Seria um engodo. Decidimos criar uma nova vinícola, uma nova empresa”, explicou.

A nova marca nasce com portfólio com mais de uma dezena de rótulos produzidos com uvas apropriadas a grandes vinhos, produzidas com colheita de inverno.

O projeto começa pequeno em comparação com a escala da empresa já consolidada, mas quer crescer rapidamente: das atuais 150 mil garrafas anuais, a marca quer chegar a mais de 750 mil em três anos.

A projeção vale para o faturamento. A Philosophia surge representando apenas 3% do grupo, mas a projeção é chegar a 10% no mesmo período.

Vinhos simples x colheita de inverno

A virada da empresa tradicional para os vinhos premium veio com a adoção da técnica de poda das videiras que possibilita a colheita das uvas no inverno, quando o clima é seco e favorece a produção de uvas próprias para vinhos finos.

O método, cada vez mais adotado no Sudeste, permite amadurecimento em condições climáticas mais favoráveis, com dias secos e noites frias, resultando em maior concentração aromática e equilíbrio.

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Depois de décadas de desenvolvimento de projetos com colheita tradicional de uvas no verão para produzir os vinhos simples de mesa, a empresa decidiu apostar na nova técnica para entrar em um mercado novo.

“A colheita de inverno transformou o projeto em 95%. Ela nos dá sustentação de padrão. Não ficamos dependentes das chuvas de verão”, disse Góes.

A produção, no entanto, envolve custos elevados, desde a necessidade de mão de obra especializada até a queda de produtividade dos vinhedos.

Além disso, a vinificação em barricas de carvalho de primeiro uso encarece ainda mais o produto.

O resultado são vinhos que chegam ao consumidor por mais de R$ 200, em um patamar de concorrência com rótulos importados de prestígio - uma mudança radical para a empresa original, que vende garrafas em supermercados por menos de R$ 22.

O primeiro símbolo da nova marca é o Philosophia Cabernet Franc, que foi lançado originalmente dentro da Góes e já é reconhecido no mercado por sua qualidade, com estilo encorpado e forte aroma de madeira.

Além dele, agora há também um syrah que segue a tendência internacional de vinhos mais leves e frutados, e a vinícola aposta em variedades como touriga nacional e tempranillo.

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Outro rótulo, chamado Concreto, é vinificado em tanques de cimento e tem mais frescor e leveza. Custa em torno de R$ 130 e já caiu no gosto de sommeliers - faz parte até mesmo do menu harmonizado de restaurantes premiados como o Origem, de Salvador.

A coleção inclui também brancos e rosés, como o Maestria Chardonnay e o Cabernet Franc Rosé, além de edições especiais de pequeno volume, caso da linha Thésis.

Vários desses rótulos já conquistaram medalhas em concursos nacionais e internacionais, incluindo premiações no International Wine Challenge e no Decanter World Wine Awards.

Terroirs e turismo

Embora tenha nascido em São Roque, a Philosophia se define como uma vinícola de múltiplos terroirs. O grupo já produz em áreas como Divinolândia, Itobi e no sul de Minas e arrendou vinhedos da Vinícola Verrone no interior paulista.

O próximo passo é expandir para regiões como Espírito Santo do Pinhal, também no interior paulista, além de Brasília e até o Nordeste.

“Não queremos ficar presos só no nosso pedaço. Queremos buscar regiões onde as variedades se despontam”, afirmou Góes.

O enoturismo é outra frente importante da aposta.

O grupo já recebe cerca de 20 mil visitantes por mês em São Roque, com restaurantes, wine bar e lojas.

A Philosophia vai oferecer experiências com foco em vinhos de inverno e degustações dirigidas, reforçando a imagem de vinícola boutique.

O espaço, inaugurado a 70 km da capital paulista, pretende se consolidar como destino enoturístico premium, somando-se à infraestrutura já existente da Goes.

O plano inclui ainda a entrada no setor de hospedagem e um projeto imobiliário temático ligado ao vinho em uma área de um milhão de metros quadrados, o que reforça a ambição de longo prazo de transformar São Roque em referência no enoturismo brasileiro.

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Para Claudio Góes, a Philosophia representa mais do que a criação de uma nova vinícola. Segundo ele, trata-se de uma forma de ampliar o alcance do grupo em um mercado que consome pouco vinho, mas que pode dobrar de tamanho com pequenas variações no hábito do consumidor.

“O consumo de vinhos no Brasil é de apenas dois litros per capita por ano. Se isso dobrar para quatro litros, ainda é insignificante em termos de mercado, mas já seria 100% de crescimento. É essa oportunidade que enxergamos”, disse.

A estratégia de separação das marcas passa por manter a Goes como referência em vinhos de mesa e popularizar o consumo, enquanto a Philosophia compete com os rótulos mais prestigiados do mundo.

“Cada uma vai cumprir seu papel”, disse Claudio Góes.

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