Como um chef alemão criou um biergarten que atende até mil clientes por dia no Brasil

Heiko Grabolle chegou ao Brasil há duas décadas e atuou como executivo da Oktoberfest de Blumenau antes de transformar o seu Biergarten Pomerânia em um sucesso de público com técnicas de gestão e visão de como satisfazer o cliente

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Bloomberg Línea — Heiko Grabolle gosta de dizer que é conhecido como o “chef alemão do Brasil”. Sua atuação central se dá à frente de um restaurante de Pomerode, que é conhecida, por sua vez, justamente como “a cidade mais alemã do Brasil”.

Mas o que impulsiona o negócio do seu Biergarten Pomerânia é menos a autenticidade germânica do cardápio para agradar aos clientes locais e aos turistas da “Pequena Alemanha”, e, sim, mais a adaptação aos gostos e aos interesses para atrair o paladar brasileiro.

Segundo ele, essa combinação popular dos dois países explica a frequência de quase mil clientes por dia ao restaurante que fica em uma cidade de 30.000 habitantes e impulsiona o faturamento da casa, que deve chegar a R$ 10 milhões neste ano.

“Eu posso ser um chef alemão, mas sou um empresário brasileiro”, disse Grabolle em entrevista à Bloomberg Línea.

A entrevista com Grabolle faz parte da série “Mesa de Negócios”, da Bloomberg Línea, que conta histórias em que a gastronomia e o empreendedorismo se entrelaçam de forma destacada no mundo dos negócios no Brasil.

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Embora o restaurante preserve a estética e os rituais da cultura germânica, ele explicou que, em sua visão, o sucesso depende em grande medida da compreensão do consumidor brasileiro.

“Alguns alemães chegam ao restaurante e reclamam que o sabor não é igual ao da Alemanha. Eu falo: ‘Claro, você está no Brasil’. Temos que entender o que as pessoas comem aqui”, disse.

“Não adianta querer fazer tudo igual ao que se come na Alemanha. Aqui, ninguém vai querer. Eu adoro Himmel und Erde, um purê de batata com cebola e maçã, mas aqui não funciona. Coloquei no cardápio e ninguém pedia.”

A “engenharia” do menu é tratada como pilar fundamental do negócio. Grabolle identifica quatro pratos que concentram vendas e imagem, apelidados de “heróis”.

Segundo ele, o Schnitzel, escalope à milanesa feito com lombo de porco, é o prato mais vendido em volume.

O joelho de porco - Eisbein - lidera em apelo visual e percepção de marca. A salsicha pomerana, que leva frango e temperos leves, é o destaque entre os aperitivos.

E o strudel de maçã, sobremesa inspirada na receita de sua avó, se tornou um fenômeno. “Vendi 900 no mês passado”, disse.

Nascido em um vilarejo de 800 habitantes perto de Colônia, no oeste da Alemanha, Grabolle vive no Brasil desde 2003.

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Teve formação técnica de cozinha na Europa, que combinou com a experiência como professor e gestor de restaurantes-escola no Senac. Isso o levou à posição de executivo da Oktoberfest de Blumenau antes de assumir o Biergarten.

“Foi o Brasil que me ensinou”, disse. “O que menos faço hoje é ficar no fogão cozinhando, porque eu cuido de mais de 70 funcionários. Eu sou muito mais gestor de pessoas hoje. Eu sou muito mais empresário.”

Sistema de cruzeiros

Com forte exposição a picos de turismo no inverno e durante a Oktoberfest, o Biergarten organiza sua operação para absorver o fluxo sem perder margem. A casa tem observado um crescimento constante a cada ano, segundo Grabolle.

“As nossas metas são altas. Planejamos faturar R$ 10 milhões e operamos com uma margem entre 10% e 15%”, disse ele, ressaltando que trabalha hoje com uma equipe de cozinha de apenas cinco pessoas.

O imóvel histórico que abriga o restaurante na cidade catarinense impõe limitações de espaço e estrutura — e levou o chef a redesenhar toda a operação.

“Um dos ‘segredos’ que nós temos hoje é uma cozinha de finalização”, explicou. O preparo inicial é feito em uma cozinha central administrada por ele mesmo, que abastece o restaurante com alimentos prontos para serem acabados na casa.

“Eu aplico o sistema dos cruzeiros. Eles desenvolvem fornecedores na terra e finalizam o serviço a bordo. No nosso caso, 80% da mercadoria vem de perto do restaurante”, afirmou.

O modelo permite ganhos de escala e eficiência: “A nossa perda hoje é muito pequena por causa dos processos de finalização.”

Para ampliar a capacidade de atendimento sem inflar a folha de pagamentos, o restaurante está investindo em novos equipamentos e infraestrutura.

“Vamos aumentar nosso espaço com mais 60 lugares. Não vou contratar mais pessoas na cozinha, mas vou melhorar a estrutura deles”, afirmou.

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A operação é guiada por métricas e rituais de acompanhamento, segundo o chef.

“Nós temos muitas diretrizes, muitos indicadores. Olhamos o TripAdvisor, a avaliação do turista, as vendas, os cadastros, as perdas, tudo”, explicou. O time se reúne semanal e mensalmente para revisar resultados e propor ajustes.

O controle de custos e o foco em produtividade se complementam com um ambiente de trabalho pautado pela liderança horizontal, segundo ele. “Eu sou um chefe que nunca levanta a voz. Eu olho o que cada um precisa para atender melhor, não para reclamar.”

Grabolle chama o estilo de liderança de “win-win-win”, baseada na ideia de que o sucesso precisa ser compartilhado por clientes, funcionários e donos.

“O cliente tem que ganhar, o dono ganha e o funcionário também ganha. Isso é bom para a economia, para o turismo e para uma cidade pequena que vive disso”, afirmou.

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