Como este produtor se tornou um símbolo da ‘premiumização’ dos vinhos de Portugal

António Maçanita direcionou o foco para bebidas produzidas em lugares menos populares e apropriados, como Açores e Ilha da Madeira, com um perfil de alta gama hoje premiado e que levou a um faturamento de quase 7 milhões de euros do grupo

O negócio do terroir: como António Maçanita virou símbolo da premiumização dos vinhos de Portugal
Por Daniel Buarque
27 de Dezembro, 2025 | 01:48 PM

Bloomberg Línea — O produtor de vinhos português António Maçanita recebeu um tratamento de celebridade entre enófilos brasileiros quando passou recentemente por São Paulo.

Por uma semana em outubro, participou de uma série de eventos para falar dos vinhos que produz em diferentes partes de Portugal, do desafio de produzir a bebida em territórios pouco apropriados (como os Açores e a Ilha da Madeira) e dos prêmios que tem conquistado, como o título de melhor vinho branco do ano, segundo o Guia de Vinhos Adega Portugal.

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Por duas décadas, Maçanita se tornou conhecido como um enólogo inquieto, um profissional que atravessa o país para ressuscitar castas antigas, explorar solos extremos e que insiste que o futuro do vinho português passa por recuperar o passado.

“Antes de tudo, a sustentabilidade depende da economia”, disse Maçanita em entrevista à Bloomberg Línea.

Por trás do discurso do terroir, há um dado que o aproxima muito mais das discussões de negócios do que do romantismo enológico. “As regiões vinícolas que desapareceram foram aquelas que não conseguiam pagar bons viticultores. Para mim, a primeira sustentabilidade é sempre econômica.”

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Maçanita é um exemplo de como o caminho para os vinhos portugueses passa pelo foco em qualidade e na produção em vinhos premium vendidos a preços mais altos. Seu grupo já fatura 6,7 milhões de euros por ano, com Ebitda (métrica de geração de caixa operacional) de 30%, opera em quatro regiões e exporta para 40 países.

É um caso de um produtor português que prova que vinhos artesanais, de identidade local e feitos em pequena escala podem ser altamente rentáveis.

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E, sobretudo, um exemplo do que hoje se tornou prioridade especialmente na região do Alentejo: crescer em valor, não em volume — o eixo central da estratégia de premiumização da região.

Valorização da terra

Bem antes de se tornar o produtor aclamado que é hoje, Maçanita contou que começou sua vida de viticultor sem capital para comprar terra ou erguer adega.

O modelo inicial era quase de sobrevivência: comprar uvas boas, negociar prazos longos com viticultores, vinificar em adegas alugadas. “Eu queria fazer o meu vinho, mas não tinha capital. Comecei por comprar uva e encontrar pessoas que aceitassem que eu controlasse a viticultura”, disse.

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O ponto de virada veio por volta de 2010, quando o portfólio ganhou consistência, e a marca, uma identidade. A partir dali, vieram projetos no Douro, nos Açores e em Porto Santo. “A lógica nunca foi replicar vinhos mas transformar regiões. O impacto econômico seria parte necessária do processo”, disse.

Nos Açores, onde a viticultura estava próxima da extinção, Maçanita liderou uma reformulação de preços, práticas e posicionamento.

“O quilo da uva valia 70 centavos. Hoje vale entre 5 euros e 6,8 euros o quilo”, disse. Em Porto Santo, a mudança foi semelhante: de 1,40 euro para cerca de 5,5 euros. “Não é só sobre faturar mais, é que sobra mais dinheiro por quilo para o produtor das uvas. É uma revolução.”

O efeito ocorre em toda a cadeia. Com uvas mais valorizadas, viticultores passam a investir, novas áreas são plantadas, a qualidade cresce e o território rompe ciclos de subvalorização.

“Uma grande região de vinho é aquela em que todos ganham: viticultores, produtores, distribuidores”, disse Maçanita.

Terroir se torna margem

O grupo Maçanita opera com vinhas velhas, castas quase extintas, solos de origem vulcânica e técnicas de baixa intervenção, com fermentações espontâneas, pouca madeira, o que resulta em vinhos mais leves e delicados.

O estilo está alinhado ao movimento global por vinhos frescos, minerais e com mais acidez, tendência destacada pelo mercado e por críticos como Christian Burgos, CEO do Inner Group e editor do Guia Adega dos Vinhos de Portugal.

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“A mudança do hábito alimentar e a busca por vinhos mais frescos estão alterando o estilo de todas as regiões portuguesas”, disse Burgos. “O Alentejo surfou a onda dos vinhos opulentos e agora é onde se vê a maior transformação.”

Esse alinhamento entre identidade e demanda, somado ao impacto econômico, transformou Maçanita em referência. Hoje, sua operação inclui também o enoturismo, que em algumas regiões representa de 20% a 30% da receita.

E há mercado. Alguns lançamentos chegam ao Brasil esgotados em um ou dois meses. “O Brasil já ultrapassou os EUA como nosso principal destino”, afirmou o produtor. “O nível de sommeliers e o conhecimento do consumidor brasileiro nos últimos dez anos são algo inacreditável. O Brasil se transformou.”

Exemplo para o Alentejo

Conseguir produzir vinhos de alta qualidade que possam ser vendidos a preços mais altos é exatamente o objetivo do Alentejo enquanto região. Maçanita faz isso na vinícola Fitapreta e abre o caminho para que outras sigam o exemplo.

A transformação do Alentejo segue exatamente essa lógica. A região concentra 24% da produção de vinho de Portugal, mas representa 20% do valor econômico — e o objetivo agora é inverter essa relação.

“Nós precisamos crescer em valor, não em volume. A premiumização é o nosso objetivo”, disse Luís Sequeira, presidente da Comissão Vitivinícola Regional do Alentejo (CVRA).

Mais do que um produtor premiado, Maçanita representa um caminho possível para o vinho português num cenário de competição global, mudança climática e busca por valor.

Sua trajetória acabou se tornando uma espécie de estudo de caso para a tese de que vinhos artesanais podem ser não apenas culturalmente relevantes mas também economicamente sustentáveis - e até decisivos para o futuro de regiões inteiras.

“Para haver uma região de vinhos para os nossos filhos e netos, temos que valorizar a uva e o vinho. Demora mais tempo, mas é o caminho certo”, disse.

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Daniel Buarque

Daniel Buarque

Editor-assistente