Como a Accor fez da gastronomia um negócio de R$ 1 bilhão no Brasil (e crescendo)

Grupo hoteleiro francês hoje obtém mais de 20% da receita no país com área de refeições e vê potencial para dobrar, disse o COO Olivier Hick à Bloomberg Línea: ‘o Brasil se tornou vitrine global da estratégia’

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Bloomberg Línea — Maior rede hoteleira do Brasil em número de unidades e de quartos, a francesa Accor percebeu há alguns anos que o crescimento de sua operação global parecia aquém do que seria possível.

Oferecer hospedagem e café da manhã não era mais suficiente, e havia perspectivas de expansão a partir da estrutura já existente, com diversificação de foco e reposicionamento operacional para além dos quartos de hotel, com mais atenção à experiência dos clientes.

“Precisávamos vender quartos, obviamente, mas tínhamos uma potencial fonte de receita muito interessante e que se estendia além deles. Sala de eventos, bares, restaurantes e muito mais”, disse Olivier Hick, executivo-chefe de Operações (COO) da Accor no Brasil, em entrevista à Bloomberg Línea.

O plano global passou a incluir o desenvolvimento de bares, restaurantes e espaços de entretenimento capazes de atrair clientes externos e gerar novas fontes de faturamento.

A meta passou a ser fazer da gastronomia um dos principais motores de receita e crescimento, explicou o executivo.

“Criar essa movimentação para almoço, jantar e trazer pessoas de fora dentro dos hotéis: uma mudança de cultura dentro do nosso ecossistema”, disse.

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Segundo Hick, a pandemia deixou claro que os hotéis precisavam oferecer mais do que quartos. A Accor passou então a desenvolver projetos para transformar restaurantes em polos de convivência.

O movimento acompanha a entrada da rede em bandeiras com apelo do lifestyle, como Mama Shelter e Tribe, e a popularização de rooftops, cada vez mais demandados em São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

E o movimento surtiu efeitos rapidamente.

Em 2024, a área chamada de A&B [Alimentos & Bebidas] já respondeu por 21,2% da receita da Accor no Brasil, o equivalente a R$ 1 bilhão.

“Hoje, a receita média do A&B fica entre 20 e 25% da receita total. Mas se conseguirmos consolidar esse novo conceito dentro dos hotéis e trazer mais pessoas, podemos chegar a 30%, 35% e até mesmo 40%”, afirmou Hick.

Segundo o COO, o Brasil é visto pela rede global como vitrine para a estratégia, pela escala da operação — são 325 hotéis em funcionamento, de um total de 443 na América do Sul. O objetivo é chegar a 600 unidades na região em quatro anos, o que amplia o espaço para multiplicar conceitos gastronômicos.

No país, os índices são consistentemente superiores aos do resto do mundo.

“A média mundial de fatia de gastronomia nos hotéis mais econômicos é em torno de 14%. No Brasil, a proporção é em torno de 18% a 19% da receita total em alimentos e bebidas”, disse Bruno Latini, gerente de A&B da Accor e responsável por implementar os conceitos junto aos hotéis.

Não só refeições premium

Um dos pilares da nova fase é mudar a imagem de que restaurante de hotel ou não tem qualidade ou é caro e restrito ao mercado premium.

“Tradicionalmente, os restaurantes de hotel tinham perfil mais simples ou eram focados em luxo. Estamos com uma proposta mais acessível, sem deixar de ser bacana”, disse Latini.

O racional é oferecer preços comparáveis aos de restaurantes de rua, mas com padrões de qualidade e segurança alimentar “diferenciados”.

“Vamos precisar continuar a quebrar a imagem de que o hotel não tem restaurante bom, ou de que é só para quem é muito rico”, afirmou Hick.

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Enquanto hotéis cinco estrelas podem ter tíquete médio acima de R$ 200 a refeição, redes como Ibis e Novotel oferecem opções que concorrem diretamente com o almoço executivo de restaurantes do entorno, com preços abaixo de R$ 100.

O objetivo é fazer com que o hóspede tenha menos incentivos para procurar refeições fora e, ao mesmo tempo, capturar público externo.

A estratégia também leva em conta as preferências locais. Latini afirmou que os cardápios são definidos a partir de pesquisas de mercado e da análise do perfil de cada praça.

“Os brasileiros gostam de massa, e todo mundo gosta, mas a ‘pegada italiana’ acho que é mais importante do que a ‘pegada francesa’ por aqui”, disse em referência às origens do grupo.

O Sponta Pizza Bar, por exemplo, já possui 12 unidades em operação no Brasil e deve chegar a 25 até o próximo ano.

Outros conceitos, como o bistrô francês, são tratados como de nicho, restritos a cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

Além da culinária, a Accor acompanha tendências de consumo.

“Rooftop era algo que não tínhamos. Agora todo hotel quer ter um rooftop. Portanto, se tem um restaurante no rooftop, funciona”, afirmou Latini.

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Modelo de negócio

O avanço da gastronomia também está ligado ao modelo de investimento da Accor.

Desde 2018, o grupo opera sob estrutura asset light, com poucos imóveis próprios. “Não somos mais proprietários dos hotéis. Em 2018 vendemos uma parte do Accor Invest e chegamos a ser 100% asset light”, explicou Hick.

Hoje, mais de 55% dos hotéis da Accor no Brasil funcionam no sistema de franquia. Segundo o executivo, cerca de 90% dos franqueados já optam por desenvolver restaurantes e bares dentro de seus projetos.

“Cada vez mais temos hotel proprietário que quer conceito gastronômico desde o início. Rooftop, bar, tratoria. Isso não era comum alguns anos atrás”, disse Hick.

Para investidores, a Accor oferece o plano de negócios, desenvolve os conceitos e acompanha a execução. Em alguns casos, como o restaurante Macaia no Pullman Ibirapuera, o grupo cria formatos exclusivos, voltados para posicionar hotéis estratégicos em grandes capitais.

De pizzaria napolitana a bares para esportes

Para dar escala à estratégia, a Accor estruturou um portfólio de 24 conceitos gastronômicos padronizados, que podem ser adaptados às necessidades de cada hotel.

A lista inclui trattorias italianas (Lolatella), pizzarias napolitanas (Sponta), churrascarias modernas (Base BBQ), cafeterias plant-based (Yucafé), bares esportivos (Bravar), cevicherias (QCeviche!) e bistrôs franceses, entre outros.

Latini explicou que os conceitos são entregues aos investidores com um guia completo de operação. “A gente dá todo o suporte para o investidor com o guia, cardápio, onde comprar, o look and feel, o design de como fazer o restaurante”, afirmou.

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Os resultados, segundo ele, são expressivos.

“Hotéis que implantaram esses conceitos alcançaram em torno de 30% a mais de ganho de receita, em média, mas há alguns que conseguiram 50%, 60% a mais.”

O caso mais emblemático é o Ibis da avenida Paulista, segundo ele. “O almoço dele fazia em torno de 40 a 50 serviços; e hoje a média chega a 150 refeições no almoço, ou seja, triplicou a receita dentro do hotel”, disse.

A estratégia gastronômica também fortalece o programa de fidelidade ALL Accor, que passou a acumular pontos mesmo em consumos de clientes não hospedados.

“Mesmo que a pessoa não esteja hospedada, o executivo pode a pontuar no dia-a-dia no almoço para usar depois nas férias”, explicou Latini.

A companhia aposta que esse mecanismo pode transformar os restaurantes em porta de entrada para novos clientes e ampliar o vínculo com a marca, diante do que apontou como um desafio de imagem que começa a ser superado.

O executivo citou casos de restaurantes da rede que já conquistaram público fiel em São Paulo e no Rio de Janeiro, como exemplos de como é possível competir com estabelecimentos tradicionais de rua.

Para ele, a expansão da área de alimentos e bebidas deve ajudar a transformar a relação entre hotéis e consumidores no Brasil.

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