Bloomberg Línea — Considerada por muitos especialistas a região vinícola mais aclamada do mundo, a Borgonha, na França, busca agora expandir sua presença no Brasil com um plano em que aposta em apresentar ao consumidor do país denominações menos conhecidas - e mais acessíveis - do seu portfólio.
Em vez do famoso e caríssimo Romanée-Conti, que pode sair da vinícola custando quase 15.000 euros, que tal um “modesto” Givry, que pode ser encontrado por cerca de R$ 300 a garrafa no Brasil?
No lugar dos aclamados e caros Chablis (raramente encontrados por menos de R$ 300 no país), que tal um Petit Chablis, versão mais leve, fresca e barata do famoso vinho branco?
A estratégia é parte de um esforço do Bureau Interprofessionnel des Vins de Bourgogne (BIVB) para consolidar a imagem da região não apenas como produtora de vinhos icônicos mas como um mosaico rico de terroirs e apelações capazes de oferecer qualidade e identidade a preços mais convidativos.
“Claro que todo mundo sonha com um Romanée-Conti, o Grand Cru, mas sabemos que não há vinho suficiente para todos em termos de produção”, explicou Anne Moreau, representante da sexta geração do Domaine Louis Moreau, em Chablis, e presidente da Comissão de Comunicação do BIVB, em entrevista à Bloomberg Línea.
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“Nosso trabalho é mostrar ao mundo, e ao Brasil, que a Borgonha é mais do que seus ícones”, disse.
Parte do desafio, e do plano da campanha, é mostrar esses nomes menos conhecidos aos consumidores do mundo, superando a complexidade da região.
Isso porque a Borgonha tem 84 denominações de origem controlada (AOCs): cada uma é um nome diferente a ser aprendido pelos consumidores, que muitas vezes sequer encontram o nome “Borgonha” nos rótulos.
São 33 Grands Crus, que representam a expressão máxima de terroirs singulares e exclusivos; 44 Villages e Villages Premiers Crus, ligados a vilarejos específicos e reconhecidos pela alta qualidade; e 7 AOCs regionais, como Bourgogne Rouge ou Crémant de Bourgogne, que abrangem áreas mais amplas e oferecem preços mais acessíveis.
“O Brasil é um mercado que se abre muito, com consumidores cada vez mais educados”, disse Moreau.
Ela esteve no país no primeiro semestre para uma série de eventos que fazem parte desse esforço educativo: a campanha “Take a Closer Look”.
Trata-se de uma iniciativa que inclui sete eventos em São Paulo e no Rio de Janeiro, com workshops conduzidos pelos sommeliers e embaixadores oficiais da Borgonha no Brasil, Alexandra Corvo e Paulo Brammer. A campanha visa estimular um olhar mais atento e aprofundado sobre a Borgonha e seus nomes menos famosos.
O centro da estratégia é reduzir o peso quase exclusivo que nomes de regiões como Vosne Romanée, Chambertin, Montrachet ou Musigny têm sobre a percepção da Borgonha.
Em seu lugar, abrir espaço às apelações regionais e vilages, muitas vezes eclipsadas pelos ícones, como Mercurey, Saint-Aubin e Marsannay.
“Queremos destacar as apelações menos conhecidas, as regionais. São menos famosas, mas têm excelente relação qualidade-preço”, explicou Moreau.
Segundo ela, esse é um trabalho já em curso em mercados mais maduros, como Estados Unidos e Coreia do Sul, mas que encontra terreno fértil no Brasil diante de um consumidor cada vez mais interessado em aprender.
Embora o país represente uma fatia pequena no quadro global, ocupando a 24ª posição em valor e a 22ª em volume nas exportações da Borgonha, é o principal destino dos vinhos borgonheses na América do Sul: concentra 89% do volume e 79% da receita de toda a região no continente.
Em 2024, as vendas para o mercado brasileiro bateram recordes: foram aproximadamente 700 mil garrafas exportadas, somando € 8,5 milhões, o que representou um avanço de 17,5% em volume e 21,8% em valor em relação a 2023.
Esses números, embora modestos globalmente, demonstram na visão do BIVB um promissor retorno sobre o investimento e justificam o foco estratégico no mercado sul-americano.
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Um obstáculo no caminho ainda é o preço dos vinhos da Borgonha no mercado brasileiro. Não é raro que mesmo os rótulos mais básicos da região custem acima de R$ 200, enquanto a média dos consumidores procura garrafas que custem em torno de R$ 50.
É nesse ponto que entra a importância de campanhas educativas, segundo a representante do BIVB. “Quando você tem uma garrafa muito cara, vai pensar duas vezes antes de correr o risco de escolher algo desconhecido”, disse.

Beber menos e melhor
Os vinhos brancos foram os grandes protagonistas do crescimento recente da Borgonha no Brasil. De acordo com dados do BIVB, Chablis e Petit Chablis cresceram mais de 70% em volume e 75% em valor no Brasil em 2024.
Moreau credita parte desse fenômeno a um público feminino que passou a consumir mais vinho branco e aos millennials e integrantes da Geração X que buscam rótulos de qualidade com história.
“É bom ver que o Brasil tem uma população mais educada em vinhos, com poder de compra que aumentou sensivelmente”, avaliou.
Apesar de comemorar o resultado recente, a associação de produtores da Borgonha diz não trabalhar com metas de volume de vendas para o Brasil.
“Não trabalhamos com metas numéricas. Queremos uma progressão geral, maior representatividade de todas as nossas apelações”, afirmou Moreau.
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O objetivo, segundo ela, é consolidar o Brasil como um mercado em evolução contínua, sem a pressão de bater cotas específicas, mas com foco no aumento gradual da base de consumidores e na diversificação do consumo.
Ela vê no que chama de tendência de “desconsumo” – com pessoas bebendo menos, mas buscando melhor qualidade – uma oportunidade: “Talvez as pessoas bebam menos, mas bebam melhor. Isso nos obriga a repensar, e acho positivo”.
Para as vinícolas, isso implica um foco crescente em vinhos de maior valor agregado e reposicionamento de mercado para atender a um consumidor mais exigente.
O mercado global de vinhos vive um momento delicado, com sinais de desaceleração no consumo e tensões comerciais que afetam especialmente exportadores franceses.
Moreau citou o caso dos Estados Unidos, maior mercado do Borgonha, mas sob o espectro de tarifas adicionais no governo Trump. Nesse contexto, o Brasil ganha ainda mais relevância por ser um destino em expansão e relativamente estável.
O acordo de livre comércio Mercosul-União Europeia, ainda em negociação, também é observado com atenção pela Borgonha, que vê no tratado a chance de reduzir tarifas e ampliar o acesso de seus vinhos ao público brasileiro. “É um tema sensível, mas pode ser muito positivo para nós na exportação”, avaliou.
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