Bloomberg Línea — Somente três ingredientes podem ser usados para a fabricação de cervejas, segundo a tradicional lei de pureza da Baviera, a Reinheitsgebot, que até hoje influencia o setor em todo o mundo: água, malte de cevada e lúpulo.
Depois de uma onda de valorização do “puro malte” como mote da bebida de qualidade mais alta no mercado brasileiro, o lúpulo pode estar a caminho de se tornar mais um foco de diferenciação da cerveja nacional.
O Grupo Petrópolis, das marcas Itaipava, Petra e Black Princess, intensificou nos últimos anos sua aposta no cultivo no país da planta que oferece aroma e amargor à cerveja com um plano focado em pesquisa, eficiência agronômica e industrialização do insumo.
“O lúpulo tem um dos maiores valores agregados entre as matérias-primas principais usadas na cerveja. Toda grande cervejaria tem, de um modo estratégico, alguma verticalização de suas matérias-primas, até para gerar segurança do negócio no longo prazo. Decidimos tentar produzir o lúpulo localmente no Brasil”, disse Leonardo Penna, especialista em Inovação de Cerveja e Produção da empresa, em entrevista à Bloomberg Línea.
Desde 2018, o grupo testa variedades, adapta técnicas de manejo e investe em processamento para elevar produtividade e qualidade - e o projeto tem avançado e levou à premiação recente com medalhas na Copa Brasileira de Lúpulos.
A estratégia do Grupo Petrópolis, que está em recuperação judicial desde 2023, mira reduzir riscos cambiais e logísticos ligados à importação de um ingrediente essencial que segue concentrado em polos estrangeiros.
Segundo a Fapesp, apesar de o Brasil ser o terceiro maior produtor e consumidor de cerveja do mundo, ainda depende quase que completamente da importação de lúpulo, e menos de 1% do ingrediente é cultivado localmente. Atualmente, Estados Unidos e Alemanha respondem por mais de 70% da oferta global.
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Ainda que no Brasil a produção seja pequena, a colheita nacional avançou com força nos últimos dois anos segundo a Aprolúpulo, que registrou alta superior a 40% no volume entre 2023 e 2024.
A base técnica do projeto do Grupo Petrópolis foi construída em Teresópolis, na Serra Fluminense, onde a companhia instalou um centro cervejeiro em escala piloto para experimentação e aplicação dos lúpulos cultivados internamente.
O trabalho ocorre também em Uberaba, no Triângulo Mineiro, onde o clima é mais quente e seco, com maior insolação e vento.
O contraste evidenciou um fator importante para o futuro da categoria. “Nós conseguimos perceber nuances de diferença, é o que chamamos de terroir”, disse Penna, com referência ao termo tradicionalmente associado ao mundo de vinhos, cujas características refletem o local onde são produzidos.
É um caminho para criar identidade sensorial brasileira e, mais adiante, comunicar origem em rótulos de maior valor agregado, explicou.

Solução tecnológica
A decisão de produzir no país nasceu de uma inquietação de mestres cervejeiros que passaram a questionar o que viam como dogma de que o lúpulo não vingaria em clima tropical.
“Lúpulo brasileiro é possível”, afirmou Penna após os primeiros resultados de campo confirmarem qualidade intrínseca das variedades escolhidas, ainda que com produtividade inicial baixa.
O principal avanço ocorreu com uma solução tecnológica simples no conceito mas mais complexa na execução. A planta de lúpulo precisa de longos períodos de luz para alcançar pleno desenvolvimento vegetativo.
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Em regiões tradicionais, o pico chega a cerca de 16 horas por dia, segundo o especialista. No Sudeste do Brasil, a média sazonal não passa de 12 a 13 horas. A equipe então adotou suplementação luminosa com LEDs para estender artificialmente o fotoperíodo nos momentos críticos do ciclo.
“O ponto de virada principal foi a suplementação luminosa. É o aumento desse fotoperíodo”, disse Penna.
“Em Teresópolis nós trabalhamos com fotoperíodo de cerca de 16 horas a 18 horas, dependendo da região”, afirmou. A prática permitiu que a planta crescesse em altura e largura, formasse flores em quantidade e elevasse o teor de resinas e óleos, parâmetros que determinam amargor e aroma na cerveja, disse.
A consequência mais importante para a economia do projeto foi a possibilidade de colher duas vezes por ano. Em países de clima temperado, o inverno rigoroso impõe dormência e restringe a uma safra anual.
No Brasil, o manejo com luz estendida abriu uma janela adicional. “E com isso conseguimos uma produção melhor com duas safras no ano”, disse Penna.
O ciclo técnico, no entanto, exige tempo.
“Demoramos em torno de dois a três anos para obtermos informações mais pautadas para tirarmos alguma conclusão”, disse. O horizonte para desenvolver uma nova variedade é ainda mais longo.
“São em torno de dez anos”, afirmou. “Hoje estamos atuando para aumentar a produtividade e para que fique consistente”, disse Penna.
A outra metade do desafio está fora do campo.
O lúpulo é uma planta perecível que oxida e perde qualidade se não for estabilizada logo após a colheita. Por isso, a empresa estruturou um fluxo de beneficiamento que replica em escala piloto as boas práticas internacionais.
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O processo inclui secagem, enfardamento, “peletização” e embalagem sob condições controladas. A transformação da planta em pellets concentra a matéria ativa e facilita a logística e aplicação em fábrica.
“O pellet é 10 vezes mais denso e tem em torno de 10% a 15% a mais de rendimento na cerveja”, explicou. O formato também protege melhor os componentes aromáticos e amargos durante o armazenamento e o transporte.
Na visão de Penna, a produção nacional pode criar um colchão estratégico sem pretender, por ora, substituir o volume dos contratos internacionais. “Podemos ficar mais protegido das oscilações cambiais”, disse Penna.
A conta de longo prazo traz um número que ajuda a dimensionar o potencial do país. Considerando produtividade próxima à referência estrangeira de duas toneladas por hectare, o Brasil precisa ampliar muito a sua produção para ficar independente.
“O Brasil consegue ser autossuficiente se alcançar uma produção em 4.000 hectares”, afirmou Penna.
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