Por que o petro, criptomoeda criada pela Venezuela, está com os dias contados

Ativo digital venezuelano, que é atrelado ao preço do petróleo e de alguns minerais do país, sairá de circulação após cinco anos no mercado

Tareck El Aissami, Nicolás Maduro e Hugbel Roa no lançamento da criptomoeda venezuelana
18 de Junho, 2023 | 08:58 AM

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Bloomberg Línea — Cinco anos após um nascimento descrito como insubstancial, o petro (PTR), a criptomoeda venezuelana sancionada pelos Estados Unidos, pode estar perto de deixar de existir, de acordo com três pessoas familiarizadas com a medida a ser executada pela Superintendência de Criptoativos (Sunacrip).

Embora este possa ser um processo gradual e orgânico, a decisão teria sido tomada em meio à uma intervenção na instituição que se instalou para investigar a moeda digital atrelada ao preço do petróleo e de alguns minerais no país, recentemente vinculada à um esquema de corrupção com a estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA).

A blockchain da petro sofreu um apagão no final de maio, alertando usuários e membros ativos da comunidade de criptoativos na Venezuela, que denunciaram instabilidade em suas operações.

“É extremamente alarmante e acreditamos que envia uma mensagem muito negativa para a comunidade nacional e internacional de que, apesar de ser uma moeda centralizada, os usuários estão indefesos e alheios”, dizia parte da declaração emitida pela Associação Nacional de Criptoativos (Asonacrip).

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Antes do ocorrido, a criptomoeda já registrava uma queda de valor de até 45%, segundo fontes especializadas no PetroApp, plataforma destinada a transações e serviços cripto-financeiros que permitem investimento e armazenamento, disseram à Bloomberg Línea. A calculadora disponível publicamente no portal do governo, contudo, mantinha o mesmo valor de US$ 60 por petro.

Os planos estariam focados na quitação da dívida que o governo venezuelano mantém com os credores do petro, incluindo grandes cadeias de lojas de departamento na Venezuela. Isso porque após uma aliança, as redes incluíram a criptomoeda como forma de pagamento em seus negócios.

Um desenvolvedor de criptomoedas que preferiu não ser identificado disse à Bloomberg Línea que os números relacionados a esses pagamentos são altos.

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Embora o valor exato não seja conhecido, acredita-se que ele será ajustado à taxa de câmbio em bolívares, o que poderia afetar seu valor ao longo do tempo, considerando a contínua desvalorização da moeda local, que caiu mais de 70% ante o dólar no ano passado.

Gabriel Jiménez, desenvolvedor do petro e atualmente exilado, e Carlos Vargas, ex-superintendentedfd

“O desaparecimento do petro significaria desmontar algo que fazia parte da proposta econômica de 2018, depois da segunda reconversão monetária, com essa ideia histórica de uma moeda lastreada no petróleo. Significaria desmontar todo aquele discurso, que acabou derivando em algo que o governo não conseguiu controlar porque estava ligado à mesma gestão pública ineficiente”, comentou Aaron Olmos, economista especialista em criptomoedas e finanças corporativas.

A decisão estaria ligada, segundo as fontes, à parte da negociação e aos esforços do governo de Joe Biden para superar a crise sociopolítica na Venezuela. Em maio de 2018, o governo de Donald Trump emitiu uma ordem executiva proibindo transações ligadas ao sistema financeiro dos Estados Unidos com qualquer moeda digital emitida pelo governo de Maduro.

Na época, acreditava-se que o petro era um mito e que ninguém o usaria de fato. O governo venezuelano começou a implementá-lo como uma taxa de câmbio para alguns dos principais procedimentos de documentação, incluindo o pagamento ou a renovação de passaportes, atualmente fixados em 1,67954316 (US$ 96) petros para uma renovação e 3,35908632 (US$ 216) para um novo documento.

Até mesmo certos bônus e pagamentos aos beneficiários do sistema Patria foram alocados na criptomoeda ao longo de 2019. Muitos conseguiram realizar a mudança para bolívares, enquanto o restante ainda o mantém na carteira digital.

As transações relacionadas ao petro sempre continuaram internamente na Venezuela. Nenhum pagamento governamental ou oficial com países aliados pôde ser feito por esse método.

O esquema de corrupção ligado à PDVSA e à Sunacrip este ano, que provocou a renúncia de Tareck El Aissami, vice-presidente setorial de economia e ministro do petróleo, também deu lugar à nomeação de uma diretoria de reestruturação na Sunacrip, chefiada por Anabel Pereira Fernández, para substituir Joselit Ramírez, ex-superintendente e também acusado de corrupção.

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El Aissami acompanhou Maduro no lançamento do petro junto com o então ministro da educação universitária, ciência e tecnologia, Hugbel Roa, atualmente preso pelo mesmo caso de corrupção.

Desde meados de março, com a chegada da nova diretoria, começaram a ser dadas ordens para congelar contas de câmbio, bem como fazendas e máquinas de mineração de criptomoedas. Em meio à crise, as próprias operações com petro, apesar de seu controle centralizado, também sofreram um colapso até que a blockchain foi interrompida por pelo menos alguns dias.

As transações foram retomadas nas últimas semanas, embora a confiança em seu uso e sustentabilidade tenha diminuído. De acordo com especialistas, o desmantelamento do petro pode levar alguns meses até que seu uso seja neutralizado.

Em março do ano passado, Maduro mostrou intenção em manter o ajuste mais recente do salário mínimo na Venezuela – que estava sujeito ao valor do meio petro, embora não estivesse vinculado à cripto.

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Em 2023, por ocasião do Dia do Trabalhador, a vinculação do aumento dos bônus e da cesta básica à criptomoeda venezuelana foi descartada, e a moeda foi usada como indexação.

“Você teria um grande fracasso ao tentar incorporar a economia de um país ao desenvolvimento de elementos digitais, isso deixaria para trás uma série de perguntas”, acrescentou Olmos em relação à sua eliminação definitiva.

O desenvolvedor do petro, Gabriel Jiménez, que se afastou após o processo, não respondeu ao pedido de comentário da Bloomberg Línea. O departamento de comunicações externas do Banco Central da Venezuela (BCV) também não respondeu imediatamente a um pedido oficial de comentário.

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Raylí Luján

Jornalista venezuelano. Coordenei a edição impressa de El Nuevo País e escrevi para o jornal El Nacional. Colaborei para meios digitais como Prodavinci e ganhei o prémio Roche 2021 pelo trabalho colaborativo #HuirMigrarParir, juntamente com La Vida de Nos.