Bloomberg Línea — Desde o lançamento de uma linha de produtos com castanha-do-pará, nos anos 2000, a Amazônia brasileira se tornou uma fonte estratégica para a Natura (NATU3).
A região responde atualmente por 50% dos insumos utilizados nos produtos cosméticos da fabricante brasileira. Hoje são 46 ingredientes extraídos da floresta tropical, como açaí, jambu, priprioca, tucumã e murumuru.
Agora, a meta da companhia é elevar o número de insumos da biodiversidade em suas fórmulas para 55, segundo a diretora de Sustentabilidade (Chief Sustainability Officer), Angela Pinhati. E a empresa enxerga oportunidade para expandir sua presença na maior floresta tropical do mundo – tanto no Brasil quanto nos países vizinhos.
“Nosso foco é ter todo o desenvolvimento de inovação vindo da floresta amazônica, como esse grande celeiro. E não apenas no Brasil mas também no Equador, no Peru e na Colômbia”, disse Pinhati em entrevista à Bloomberg Línea.
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A Natura completou 25 anos de atuação na Amazônia neste ano, coincidindo com um momento de destaque para a região, que está nos holofotes do mundo com a realização da COP30 em Belém.
Com a expansão prevista, nos próximos cinco anos a companhia pretende quadruplicar a renda dos parceiros, com o aumento das compras e do volume de bioativos utilizados, além do pagamentos por serviços socioambientais, segundo a executiva.
Conhecimentos tradicionais e inovação
O trabalho da Natura na Amazônia tem duas bases: o conhecimento tradicional sobre plantas que já eram utilizadas pelos povos da região, e as pesquisas em laboratório para potencializar a utilização das matérias-primas.
Pinhati destacou que a Natura faz um trabalho de campo com 45 comunidades e cooperativas parceiras na região, o que permite troca de saberes. Um exemplo é o patauá: muitos paraenses já utilizavam o óleo da palmeira amazônica para dar brilho aos cabelos.
“Fizemos um contrato, em que a comunidade permite que levemos a muda para pesquisa. A partir daí, vamos procurar se é possível encontrar [no bioativo] a estrutura química que justifique esta entrega de brilho, força – algo correlato ao cabelo estando mais forte", explicou a diretora.
Uma vez encontrada essa estrutura, o objetivo de pesquisadores da empresa passa a ser de como inserir esse bioativo nos produtos. Hoje o patauá tem uma linha completa de cuidados para o cabelo na marca.
A comunidade, por sua vez, é remunerada pelo conhecimento por meio de um contrato de repartição de benefícios – termo da legislação brasileira para designar um produto desenvolvido a partir de patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado.
Na frente de inovação, a Natura tem ampliado seu laboratório de pesquisa na Amazônia, no centro de inovação Ecoparque, localizado a 35 quilômetros de Belém. Foi lá que a companhia identificou os potenciais do tucumã, fruto que nascia de uma planta espinhosa, normalmente rejeitada nas plantações agroflorestais de parceiros.
Os estudos identificaram ser possível extrair compostos do tucumã que estimulam a produção de ácido hialurônico – que favorece a firmeza e a elasticidade da pele e é um dos “queridinhos” da indústria de cosmésticos para mitigar os sinais de envelhecimento.
A descoberta possibilitou que o ingrediente natural do tucumã substituísse um insumo sintético que era utilizado nas fórmulas da Natura.
“[A sustentabilidade] é algo completamente conectado com a estratégia do negócio, porque se não for assim, não funciona, não destrava o crescimento. Conectados, nós geramos um processo em que a Natura ganha tendo um bom negócio, a natureza ganha porque promovemos a floresta em pé, e a comunidade ganha ao ter uma renda maior”, disse a executiva.
Próximos passos
Para além da agenda de inovação, um dos principais anúncios da Natura para a região veio em setembro, com o anúncio de um convênio de R$ 50 milhões com o Banco do Brasil para financiar sistemas agroflorestais (SAF) na região amazônica.
O foco principal é transformar a cadeia do óleo de palma, um dos principais ingredientes da indústria cosmética e também vilão da biodiversidade devido às grandes plantações de palma, especialmente na Indonésia e na Malásia, responsáveis por desmatamentos de florestas tropicais.
Desde 2007, a Natura desenvolve o Projeto SAF Dendê junto à Embrapa e à Cooperativa Mista de Tomé Açu (CAMTA), para extrair o óleo de palma de dendezeiros manejados em um sistema agroflorestal, em meio a outros cultivos como cacau, mandioca, açaí e pimenta.
Foram 13 anos de estudo para provar que a produção de palma em sistemas agroflorestais era viável economicamente, além de trazer benefícios ambientais e sociais. A empresa estima que a renda para o agricultor seja até 40% no sistema agroflorestal.
“A Natura entrou como fundo garantidor e o Banco do Brasil alavancou 10 vezes o valor, para possibilitar empréstimo para o agricultor e permitir que saia de um pasto abandonado e comece o plantio do sistema agroflorestal”, disse.
A meta da empresa é ter 100% do óleo de palma usado em suas formulações vindo de sistemas regenerativos. Para isso, seriam precisos 2 mil hectares de área sob o regime SAF Dendê, o que deve ocorrer até 2028 nos cálculos da empresa.
A COP30, realizada no Pará, também pode ser um catalisador para a agenda de soluções baseadas na natureza e na biodiversidade, segundo Pinhati.
A Natura é uma das empresas líderes e copresidente do grupo de trabalho sobre bioeconomia no âmbito do Sustainable Business COP (SBCop) – iniciativa global do setor privado para a conferência.
“E é onde o Brasil, como país, têm seu maior potencial e seu maior desafio, porque grande parte das nossas emissões estão em desmatamento ou uso do solo. Temos muita esperança de alavancar esse tema de forma mais veloz”, afirmou.
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