Na COP30, China evita assumir a liderança climática após o vácuo deixado pelos EUA

País asiático, que se tornou o maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, busca se concentrar em questões que beneficiam Pequim e, ao mesmo tempo, ajudam a orientar uma agenda verde global

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Bloomberg — Nos corredores da cúpula do clima das Nações Unidas no Brasil, havia expectativa de que a China — defensora vocal da redução de emissões e potência em tecnologia de energia limpa — assumisse o papel de substituta natural da liderança perdida dos Estados Unidos sob o presidente Donald Trump. Nos momentos finais das duas semanas de negociações da COP30, a China não assumiu esse posto.

Apesar da presença marcante do país em Belém, onde seu movimentado pavilhão nacional atraiu grandes multidões, e apesar dos esforços para influenciar a agenda da conferência com antecedência, há poucas evidências de que a abordagem de Pequim tenha se transformado em um verdadeiro movimento de liderança.

Em vez disso, diplomatas chineses aproveitaram as negociações climáticas globais para se opor a barreiras comerciais que ameaçam as enormes exportações do país de tecnologias solares, eólicas e de baterias.

Representantes da maior economia da Ásia também se recusaram a anunciar um aporte no emblemático fundo de preservação da floresta tropical, o que limita as chances do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva de alcançar a meta inicial de US$ 25 bilhões.

E, de maneira crucial, a China — ainda o maior consumidor mundial de carvão — evitou endossar as tentativas de Lula de estabelecer um roteiro mais claro para a transição global para se afastar dos combustíveis fósseis.

Um rascunho de acordo apresentado pelo Brasil perto do fim das negociações excluiu referências à eliminação gradual dos combustíveis fósseis, o que provocou a indignação de cerca de 80 países que defendiam essa linguagem.

“Não estamos vendo sinais muito convincentes de que a China esteja assumindo a dianteira” na liderança climática tradicional, disse Yao Zhe, assessor de políticas globais do Greenpeace East Asia, sediado em Pequim, e que participa das discussões em Belém.

Leia também: Esboço de acordo do Brasil para a COP30 omite plano para abandonar combustíveis fósseis

As negociações no Brasil ainda não exibem uma mudança na antiga visão da China de que deve ser tratada como uma economia em desenvolvimento — e não desenvolvida —, com a responsabilidade de financiar a transição verde global recaindo principalmente sobre as nações ricas. Pequim mantém essa posição mesmo com suas emissões acumuladas já atrás apenas das dos Estados Unidos.

As metas apresentadas em setembro pela China, agora o maior poluidor do mundo, para cortar emissões de gases de efeito estufa em até 10% na próxima década foram consideradas tímidas e pouco capazes de estimular maior ambição entre outros países, embora o presidente Xi Jinping tenha prometido que a China “se esforçará para fazer melhor”.

Formuladores de políticas chineses insistem que essa postura mais pragmática reflete um caminho realista, dadas as limitações no financiamento climático e o fracasso global em cumprir promessas anteriores.

Ainda assim, a China tem demonstrado liderança de outras formas importantes: como firme defensora do processo climático internacional após o recuo dos Estados Unidos e como a fonte da tecnologia verde barata que viabiliza a transição energética global.

A China é reconhecida “como um dos países com o maior compromisso, as ações mais decisivas e os resultados mais notáveis no cumprimento de suas metas de redução de emissões”, afirmou o vice-representante permanente do país na ONU, Geng Shuang, neste mês, em um embate tenso com um representante americano.

Os Estados Unidos, disse Shuang, “alegam que a mudança climática é a maior farsa da história humana, abandonaram o Acordo de Paris duas vezes e são o maior obstáculo para a cooperação global em clima”.

No mês passado, antes da abertura oficial da COP30, algumas dezenas de negociadores climáticos veteranos se reuniram em uma ilha tropical no sul da China para ajudar a moldar a agenda da conferência e garantir que os esforços de combate ao aquecimento global continuem mesmo sem apoio dos Estados Unidos.

O local — Baoting, em Hainan — e o fato de o encontro ter sido copresidido por Xie Zhenhua, referência da diplomacia climática chinesa e ex-enviado do país às COPs, refletiram o compromisso da China com a cooperação internacional na ausência dos Estados Unidos.

Os participantes incluíam importantes formuladores de políticas ambientais de países como Índia, Alemanha, Arábia Saudita e Brasil, além de autoridades da ONU, ex-negociadores dos Estados Unidos e uma série de burocratas chineses, entre eles o vice-ministro de Ecologia e Meio Ambiente, Li Gao.

O grupo estabeleceu o tom das negociações formais da COP30, pedindo uma defesa firme da cooperação global contra a mudança climática e destacando o desafio representado pela decisão de Trump de retirar novamente os Estados Unidos do Acordo de Paris, segundo um resumo da discussão obtido pela Bloomberg News.

“Os chineses estão claramente reafirmando a importância do sistema multilateral e da necessidade de as COPs produzirem resultados”, disse Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda e participante da reunião do grupo Amigos do Acordo de Paris no mês passado. “Precisamos de países que queiram avançar.”

As negociações em Belém absorveram os debates de Hainan, segundo Hu Bin, professor associado do Instituto de Mudança Climática e Desenvolvimento Sustentável da Universidade Tsinghua, que esteve em ambos os eventos.

No Brasil, a China praticamente assumiu o centro das atenções. Participantes enfrentaram longas filas para entrar no imenso pavilhão nacional do país, em busca de brindes como bichos de pelúcia de pandas e leques decorados com caligrafia personalizada — itens cobiçados sob o calor intenso de Belém.

“Há, sem dúvida, espaço para a China assumir um papel de liderança. Até agora, ela tem definido esse papel de forma muito diferente da dos líderes climáticos ocidentais do passado”, afirmou Belinda Schäpe, analista de políticas chinesas do Centre for Research on Energy and Clean Air. “A China está muito mais focada em implementação e enquadra isso por meio da liderança em tecnologia limpa.”

As principais empresas verdes da China marcaram presença na COP30. As montadoras BYD e Great Wall Motor (GWM) enviaram centenas de veículos para atender ao evento, e multidões lotaram o pavilhão chinês em painéis com empresas como a gigante de baterias Contemporary Amperex Technology, a líder solar Longi Green Energy Technology e o grupo de comércio eletrônico Alibaba.

Embora a maioria das fabricantes seja formada por empresas privadas, não estatais, autoridades chinesas continuam ávidas por destacar o impacto climático positivo das exportações do país.

Tecnologias solares e eólicas estão “fazendo contribuições importantes para a transição global rumo ao baixo carbono e demonstrando o senso de responsabilidade da China como grande potência”, afirmou o embaixador chinês nos Estados Unidos, Xie Feng, em discurso no mês passado.

Segundo análise do CREA, as exportações chinesas de tecnologias solares, eólicas, baterias e veículos elétricos provavelmente reduziram em 1% as emissões totais de carbono do resto do mundo em 2024.

“A China realmente evoluiu desde a posição que tinha há cerca de uma década, quando se via apenas como país em desenvolvimento e pedia que os desenvolvidos liderassem, para agora ter se tornado uma nação que implementa e instala grande quantidade de energia renovável”, disse Grace Fu, ministra de Sustentabilidade e Meio Ambiente de Cingapura, que participou tanto do encontro em Hainan quanto das discussões em Belém.

Como em outras áreas da estratégia climática chinesa, promover seus produtos verdes traz um benefício evidente para Pequim.

Expandir as vendas externas de baterias, veículos elétricos e painéis solares — as chamadas “novas três” tecnologias — continua essencial para uma economia que enfrenta crescimento fraco e sinais de enfraquecimento das exportações em geral.

-- Com a colaboração de Dan Murtaugh.

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