Como uma ‘mistura caótica’ de sementes é usada para recuperar matas nativas no Brasil

Método conhecido como muvuca é usado para restaurar a floresta ao redor das cabeceiras de rios e córregos com uma mistura de sementes de dezenas de espécies nativas, para copiar a variedade da natureza

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Bloomberg — Muvuca significa “mistura caótica”. Na agricultura, é um método para restaurar a floresta ao redor das cabeceiras de rios e córregos, plantando uma mistura de sementes de dezenas de espécies nativas, para copiar a variedade da natureza.

Isso promove o crescimento da vegetação nativa - e amplia a capacidade de uma área de capturar carbono - e também prepara essas novas florestas para as mudanças climáticas, pois a mistura inclui sementes de áreas que já estão adaptadas a um mundo mais quente.

“O fato é que a natureza já estava fazendo isso por conta própria”, disse Eduardo Malta, especialista em restauração florestal que ajudou a disseminar a prática para além de algumas comunidades no centro do Brasil.

“Vimos que os agricultores familiares daquela região também já estavam usando a semeadura direta em seus assentamentos, em suas fazendas, e vimos os resultados.”

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Como parte da realização das negociações climáticas da COP30 deste ano, o Brasil liderou um projeto ambicioso para criar um fundo de reflorestamento chamado Fundo Florestas Tropicais para Sempre (Tropical Forest Forever Facility - TFFF).

Sua meta era levantar um investimento inicial de US$ 25 bilhões, que depois foi reduzido para US$ 10 bilhões. No final da conferência, o país já garantiu cerca de US$ 5,5 bilhões da Noruega, França e Indonésia, e a Alemanha se comprometeu a contribuir com mais € 1 bilhão (cerca de US$ 1,15 bilhão) na próxima década.

Enquanto os negociadores da COP discutem sobre o financiamento para reduzir as emissões e proteger o mundo das mudanças climáticas, a muvuca é um esforço popular que já está restaurando a vegetação nativa do Brasil.

O Instituto Socioambiental (ISA), a organização sem fins lucrativos onde Malta trabalha, está ajudando milhares de pessoas a coletar sementes da floresta e de terras agrícolas e vendê-las a empresas e agricultores que precisam delas para cumprir as leis de reflorestamento.

Embora o desmatamento geral tenha diminuído no Brasil nos últimos anos, o problema persiste. Além de liberar emissões da queima de florestas para limpar a terra e destruir árvores que retêm carbono, o desmatamento resulta em erosão e assoreamento dos rios.

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Muitas dessas matas ciliares estão localizadas em fazendas de soja e gado. Seus proprietários devem manter uma parte de suas terras como florestas, mas, na prática, eles nem sempre seguem essas regras e precisam replantá-las.

A Muvuca, dizem seus proponentes, é uma forma de as comunidades se beneficiarem dessa exigência.

“Vimos que a água poderia reabastecer o lençol freático novamente por meio da recuperação das áreas de platô que chamamos de região do Cerrado”, disse Fabrícia Santarém, coletora de sementes da Cooperativa de Agricultores e Recuperadores Agroextrativistas do Alto Rio Prado, uma das redes que trabalha com o ISA.

“Acreditamos muito em nosso trabalho, no quanto ele pode contribuir para a restauração e também ajudar a combater as mudanças climáticas.”

O primeiro projeto de muvuca teve início em 2006 na bacia do rio Xingu, um dos maiores afluentes do Amazonas, depois que a água contaminada de áreas desmatadas e cidades começou a fluir para a Terra Indígena do Xingu, uma área aproximadamente do tamanho de Massachusetts que abriga cerca de 15 grupos étnicos indígenas. Os moradores locais já estavam plantando sementes diretamente no solo para reverter o problema.

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Desde então, mais de 100 organizações adotaram a muvuca. O ISA e seus parceiros restauraram cerca de 11.000 hectares de terras agrícolas degradadas, o equivalente a aproximadamente 27.183 campos de futebol americano, incluindo algumas dezenas de hectares de terras agrícolas administradas pela Amaggi, um dos maiores produtores de soja do mundo. A meta do grupo é restaurar 40.000 hectares de vegetação nativa até 2030.

O método da muvuca foi replicado em diferentes estados e biomas do Brasil, desde a Mata Atlântica de São Paulo até o cerrado de Minas Gerais.

Há mais de 2.500 coletores, cerca de 1.500 deles em territórios indígenas e comunidades iniciadas por pessoas que fugiram da escravidão durante a época colonial.

Entre os doadores estão a USAID, a Rainforest Foundation Norway, a União Europeia e a Bezos Foundation. O processo é elegível para o credenciamento de carbono de acordo com os padrões da UNDCC.

Mas a supervisão frouxa, a burocracia e as questões de propriedade da terra tornam relativamente fácil atrasar as obrigações de reflorestamento de acordo com a legislação brasileira, o que significa que o mercado de sementes de muvuca é limitado.

Só na bacia hidrográfica do Xingu, há cerca de 300.000 hectares de áreas ribeirinhas degradadas que precisam de reparação, de acordo com dados do ISA, uma organização sem fins lucrativos.

“Se conseguíssemos implementar essa lei de que estamos falando, o grande volume de sementes necessárias para atingir esse número estimularia a comercialização e a implementação”, disse Thiago Belote, diretor do departamento florestal da Secretaria Nacional de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais, do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas.

Sâmia Nunes, pesquisadora do Instituto Tecnológico Vale (ITV), que é financiado pela gigante da mineração Vale, disse que para resolver o desmatamento, os proprietários de terras devem perceber que manter a floresta em pé é um bom negócio.

“Percebemos que, quando plantamos aquela sementinha ali, isso sugere que é possível gerar renda com a vegetação; eles entendem que é importante manter essas áreas”, disse ela.

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