Como o Bradesco aproveitou uma ‘lacuna’ no mercado de carbono na busca por liderança

Em entrevista à Bloomberg Línea, a diretora de sustentabilidade, Silvana Machado, conta como o lançamento da certificadora Ecora fortalece o banco como player relevante nessa frente

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Bloomberg Línea — O mercado de carbono é uma das grandes apostas do setor financeiro para a agenda de sustentabilidade, especialmente às vésperas da implementação do mercado regulado no Brasil.

Em busca de garantir sua fatia nesse mercado, os grandes players têm soluções voltadas para o controle de emissões – do desenvolvimento à consultoria. No entanto o Bradesco adotou uma estratégia diferente e decidiu buscar a liderança apostando suas fichas em um nicho específico: a certificação.

Durante a COP30, realizada em Belém (PA), o Bradesco anunciou a criação da primeira certificadora de créditos de carbono brasileira, a Ecora, em parceria com BNDES e Fundo Ecogreen. A consultoria Aecom é parceira técnica do projeto.

“Existem muitas oportunidades de aportar capital para criar projetos, mas outros já estão fazendo isso. Na certificação, vimos um gap de mercado: é algo que fortalece nosso posicionamento como um player relevante em sustentabilidade”, afirmou Silvana Machado, diretora executiva de sustentabilidade do Bradesco, em entrevista à Bloomberg Línea.

As certificadoras são as responsáveis por validar e garantir que projetos ambientais geraram determinada redução de emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, em especial dióxido de carbono.

Um dos principais diferenciais anunciados pela Ecora é a proximidade com as realidades regionais e os biomas locais. Isso, segundo a executiva, ajudaria a certificadora a estruturar projetos melhores e mais eficientes.

A criação de uma certificadora local já estava há algum tempo no radar do BNDES, que lançou em março deste ano uma consulta pública para ouvir o mercado sobre uma eventual iniciativa nacional de certificação de carbono.

O momento também é propício pela proximidade com o início do mercado regulado de carbono. No ano passado, foi sancionada a Lei 15.042/2024, que criou o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões, dividindo o mercado em regulado e voluntário. O processo de implementação deve durar alguns anos, mas a expectativa é por um aumento na demanda por certificações.

Existe também uma concentração de projetos na mão de certificadoras internacionais, algo que é percebido pelo Bradesco como uma oportunidade de mercado. Isso porque a concentração traz problemas de fluxo, com projetos que ficam travados à espera de certificação.

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Crise de credibilidade

O mercado internacional de carbono enfrenta ainda uma crise de credibilidade. Entre os casos mais notórios, em 2023 uma investigação feita pelos jornais The Guardian e Die Zeit e pela iniciativa jornalística SourceMaterial revelou que mais de 90% das compensações de florestas tropicais certificadas pela Verra, maior certificadora global, eram provavelmente “créditos fantasma”. Ou seja, não representavam reduções reais de carbono.

Sem comentar um caso específico, Machado disse avaliar que existe uma dificuldade global entre as certificadoras em fazer o acompanhamento dos projetos que geram os créditos de carbono vendidos, um monitoramento que precisa acontecer in loco por vários anos.

A Ecora quer solucionar esses gargalos com uso de tecnologia para agilizar os processos, implementando com uma solução para integrar bases públicas de dados, gestão de projetos e análises geoespaciais. O objetivo é aumentar a confiança dos projetos e agilizar sua validação.

A solução será apoiada pela plataforma de serviços ambientais Conservare, que será responsável por rastrear, automatizar e fazer a gestão completa do ciclo de vida dos créditos de carbono – da análise de viabilidade à retirada ou redução das emissões.

Para isso, os primeiros focos serão em conservação, reflorestamento e manejo de áreas agrícolas. Machado afirmou, no entanto, que os temas das primeiras certificações dependem ainda dos tipos de projetos que vão chegar à Ecora.

“Temos a ambição de ser a principal certificadora no Brasil, certificando projetos relevantes e viáveis – com créditos aceitos local e internacionalmente", disse a executiva.

A operação da Ecora deve começar em meados de 2026, ainda sem meta de volume de créditos. A diretora reforçou que, apesar das ambições, o projeto não pretende começar com um volume grande, mas avançar ao longo do tempo.

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Agenda de sustentabilidade no Bradesco

Ex-executiva da Advent, Machado foi contratada em maio de 2024 para liderar as áreas de recursos humanos e sustentabilidade do Bradesco.

A contratação fez parte do plano de reestruturação liderado pelo CEO Marcelo Noronha, que contratou executivos de fora da instituição e enxugou alguns níveis hierárquicos.

Machado reporta diretamente ao CEO, algo que, segundo a executiva, reforça o compromisso da sustentabilidade ao plano de negócios do banco. “Queremos estar nesse mercado a longo prazo”, disse.

A diretora dise que a agenda passou por certa turbulência quando Donald Trump assumiu a presidência dos Estados Unidos no início do ano e reforçou os ataques à sigla ESG (termo atualmente substituído por sustentabilidade na maioria das companhias).

As críticas, no entanto, não enfraqueceram a agenda, mas ajudaram a torná-la mais pragmática, segundo Machado.

A executiva afirmou que o Bradesco não mudou de rota e que ainda vê muito apetite para esse mercado. O banco planejava conceder R$ 250 bilhões em crédito para negócios sustentáveis até o final deste ano – meta que foi batida em abril e aumentada para R$ 350 bilhões ainda em 2025.

“A força da demanda mostra que a economia real está buscando uma transformação de suas operações. Se você tem um projeto bom, o capital vai fluir para ele. Sustentabilidade é também um imperativo de negócio que impacta o lucro”, afirmou.

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