Com visibilidade sem precedentes, indígenas celebram direitos a terra e fundos na COP30

Ao final da cúpula em Belém, defensores dos direitos indígenas comemoraram o reconhecimento oficial do papel da gestão indígena na proteção das florestas, um compromisso de financiamento de US$ 1,8 bilhão e territórios recém-designados

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Bloomberg — O longo calvário dos Kaxuyana, povo indígena amazônico retirado de avião de suas terras durante a ditadura militar brasileira, teve um desfecho feliz na cúpula COP30, em Belém.

Nos bastidores das negociações climáticas das Nações Unidas, que terminaram no sábado, o Brasil homologou o território original dos Kaxuyana, uma vasta área de floresta do tamanho de Sergipe, localizada nas divisas dos Estados do Pará e Amazonas, a oeste de Belém.

Essa não foi a única vitória dos povos indígenas na COP30, que tiveram uma visibilidade sem precedentes na conferência, onde realizaram diversos protestos e adornaram os participantes com pinturas corporais, uma arte do povo Kayapó.

Cerca de 3.000 indígenas se reuniram em Belém para o evento, e mais de 400 representantes de 361 grupos étnicos foram credenciados para a COP30, segundo o governo brasileiro.

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Muitos líderes indígenas reclamaram de terem sido excluídos das negociações formais, e propostas de roteiros para desvincular as economias dos combustíveis fósseis e deter o desmatamento — que contavam com o apoio indígena — foram deixadas de fora do acordo final.

Mas, ao final da cúpula, defensores puderam apontar para o reconhecimento oficial do papel da gestão indígena na proteção das florestas e um compromisso de financiamento de US$ 1,8 bilhão bem como de territórios recém-designados.

“A comunidade global compreende cada vez mais que os territórios geridos por povos indígenas estão entre os mais eficazes na conservação da biodiversidade e na manutenção dos sumidouros de carbono”, afirmou Hindou Oumarou Ibrahim, presidente do Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas.

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Pelo menos três documentos oficiais resultantes da cúpula mencionam os povos indígenas.

O texto do “Mutirão Global” reconhece seus “direitos territoriais e conhecimentos tradicionais”.

O texto do programa de trabalho de mitigação destaca “o papel vital dos povos indígenas e comunidades locais” na gestão sustentável das florestas e apela ao reconhecimento de seus direitos territoriais como parte da política climática de longo prazo.

O documento sobre transição justa refere-se a “direitos e proteções para os povos indígenas em isolamento voluntário e contato inicial”.

Esta foi a primeira vez que uma COP reconheceu os direitos territoriais indígenas e a gestão florestal como políticas-chave de mitigação das mudanças climáticas, disse David Kaimowitz, coordenador da Bacia Amazônica da Tenure Facility, uma organização sem fins lucrativos que apoia comunidades indígenas e tradicionais.

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Mas também houve críticas.

Emil Gualinga, dos povos Kichwa de Sarayaku, no Equador, e membro do Fórum Internacional dos Povos Indígenas sobre Mudanças Climáticas, disse que agrupar povos indígenas com “comunidades locais” gera risco de confusão jurídica em relação aos direitos à terra.

O termo não possui uma definição internacional e varia de acordo com a legislação nacional, o que abre brechas para que grupos não indígenas reivindiquem títulos de propriedade em territórios indígenas, afirmou.

A COP30 também representou um avanço no financiamento direto. O Reino Unido, a Alemanha, a Noruega e os Países Baixos, juntamente com as fundações Ford, Rockefeller e Skoll e outros grupos, prometeram US$ 1,8 bilhão até 2030, para a iniciativa Forest and Land Tenure Pledge (Compromisso com as Florestas e a Posse de Terras).

Os fundos apoiarão projetos para garantir direitos à terra, financiar a conservação e restauração e fortalecer as instituições locais em territórios indígenas e afrodescendentes na América Latina, África e Ásia.

Entre os apoiadores do compromisso, está o Protecting Our Planet Challenge (Desafio para Proteger Nosso Planeta).

Um de seus membros é a Bloomberg Philanthropies, organização filantrópica de Michael Bloomberg, fundador e principal acionista da controladora da Bloomberg News.

O compromisso renova uma iniciativa lançada na COP26, mas com uma mudança fundamental: os fundos agora serão destinados diretamente às organizações indígenas, em vez de passarem por intermediários, afirmou Dinamam Tuxá, diretor executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.

A criação da Terra Indígena Kaxuyana-Tunayana e de outros três territórios indígenas no Brasil foi anunciada em 18 de novembro, em uma cerimônia lotada, liderada pela Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara.

A odisseia dos Kaxuyana começou em 1968. Depois que sua população foi quase dizimada por doenças como o sarampo, os militares realocaram 48 sobreviventes de seu território original na bacia do rio Trombetas para uma missão religiosa a dezenas de quilômetros de distância, abrindo caminho para projetos hidrelétricos e de mineração.

No início dos anos 2000, com o crescimento da população, o grupo decidiu retornar, o que deu início ao longo processo de recuperação de suas terras.

Em uma grande marcha em Belém, no dia 15 de novembro, membros da tribo carregavam faixas que exigiam reconhecimento. Dois dias depois, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto que designa suas terras, que também abrigam outros nove grupos étnicos, incluindo dois que permanecem isolados.

Na cerimônia, muitos na plateia choraram. “Foi muito emocionante porque os mais velhos, que foram levados naquela época, estão aqui”, disse a líder indígena Ângela Kaxuyana.

“Levou tantos anos que a gente custou a acreditar que este momento chegou — e que aconteceu aqui na COP, na Amazônia, no Pará. É muita alegria.”

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