Bloomberg — O Brasil emergiu como um dos primeiros vencedores da guerra comercial de Donald Trump com a China, mas precisa colocar sua situação fiscal em ordem para atrair investimentos e capitalizar totalmente a turbulência global, de acordo com o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta.
O Brasil, rico em commodities, aumentou as exportações de carne e outros produtos desde que Trump impôs pesadas tarifas à China, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou novos acordos comerciais com Pequim nesta semana.
Mas o aprofundamento dos problemas fiscais está limitando o apetite dos investidores em um momento em que a maior economia da América Latina poderia ser mais atraente, disse Motta em uma entrevista na terça-feira.
“Defendemos que o governo faça sua lição de casa fiscal e o Congresso está pronto para colaborar com essa agenda”, disse Motta à Bloomberg News em Nova York.
“É isso que permitirá que o Brasil se torne mais eficiente, que aproveite essas oportunidades, porque se tivermos um ambiente econômico harmonioso e confiável, o Brasil, dado seu potencial, certamente receberá muito mais investimentos estrangeiros e nacionais.”
“Teremos um ambiente mais satisfatório para que o capital internacional retorne e possa explorar tudo o que temos no agronegócio, na geração de energia e na mineração”, acrescentou.
Leia também: Risco fiscal poderá evoluir para crise política como em 2015, diz Fabio Giambiagi
Os benefícios que o Brasil tem colhido até agora da disputa tarifária correm o risco de ter vida curta se os EUA e a China chegarem a um acordo mais amplo, depois de concordarem com uma redução temporária das tarifas na segunda-feira.
Dias de conversas com investidores e líderes empresariais em Nova York também convenceram o presidente de 35 anos de que as preocupações quase universais com a situação fiscal do Brasil continuarão a pesar sobre sua economia, independentemente do resultado da disputa comercial global.
Lula fez grandes gastos para impulsionar o crescimento desde que retornou ao cargo em 2023. Isso produziu desempenhos econômicos melhores do que o esperado, mas também déficits orçamentários crescentes e aumento dos níveis de dívida pública.
Recentemente, isso alimentou a inflação, que está bem acima da meta do Banco Central, forçando os formuladores de políticas a aumentar as taxas de juros para 14,75%, o maior valor em quase duas décadas.
Leia também: Do Brasil ao México, queda do preço do petróleo acende alerta sobre efeito fiscal
A estrutura fiscal do Brasil - novas regras de gastos promulgadas no início da presidência de Lula - já está sob pressão graças à expansão dos gastos obrigatórios, que provavelmente ocuparão tanto espaço orçamentário que o governo não terá receita suficiente para investimentos públicos e outros gastos em 2027.
O governo de Lula tem como meta um resultado fiscal primário equilibrado, excluindo os pagamentos de juros, em 2025.
No entanto, seus fracos índices de aprovação antes da eleição presidencial do próximo ano aumentaram o ceticismo de que ele buscará novas reformas fiscais depois que um pacote de cortes de gastos assustou ainda mais os mercados no ano passado.
Os analistas pesquisados pelo banco central preveem déficits primários de 0,6% do produto interno bruto neste ano e de 0,66% em 2026, quando o governo tem como meta um superávit.
Motta, que se tornou o mais jovem presidente da Câmara dos Deputados na história do Brasil neste ano, considera as preocupações fiscais um tanto exageradas, dizendo que Lula poderia amenizá-las apoiando ideias favorecidas por investidores e legisladores no Congresso mais conservador do país.
“Se ele fizer essa mudança um pouco mais para o centro, ele ganhará politicamente”, disse Motta. “Há um pessimismo exagerado em relação às contas públicas e à política fiscal do Brasil.”
Ele pediu a Lula que se afaste da estratégia de impulsionar a economia principalmente por meio do consumo e que apoie a redução do setor público brasileiro e a revisão dos incentivos fiscais.
Motta disse que o Congresso apoia em grande parte a agenda econômica do Ministro da Fazenda Fernando Haddad, mas sente que suas ideias muitas vezes parecem ser “anuladas” por razões políticas.
Apesar dos problemas, Motta disse que não houve discussões em andamento entre o governo e o Congresso sobre mudanças na estrutura fiscal ou uma nova reforma previdenciária para aliviar as pressões sobre os gastos obrigatórios.
Leia também: Risco fiscal pesa mais para ações brasileiras do que tarifas, diz Bradesco BBI
Eles também não conversaram sobre como lidar com os chamados pagamentos judiciais que atualmente são parcialmente excluídos da meta fiscal primária do Brasil, mas que precisarão ser contabilizados em 2027.
O Ministério do Planejamento projeta que o governo precisará pagar cerca de 124 bilhões de reais naquele ano e incluí-los na meta.
O governo Lula tem se esforçado para aliviar as dores orçamentárias do Brasil aumentando os impostos sobre os ricos, mas Motta disse que não vê mais espaço para o aumento da arrecadação de receitas que já deixou “todos pessimistas em relação ao governo”.
“Aumentos excessivos de impostos prejudicam a economia porque o capital não fica”, disse ele. “Se os investidores sentirem que a carga tributária é muito alta, eles acabam procurando outros países para investir.”
-- Com a colaboração de Martha Beck.
Veja mais em bloomberg.com
©2025 Bloomberg L.P.