Ciclo de corte nos juros pode ir além do esperado, diz Tony Volpon, ex-BC

Em entrevista à Bloomberg Línea, ex-diretor do BC compara quadro atual com o de 2016, quando, em sua avaliação, a queda da Selic demorou e a inflação veio abaixo da meta em 2017

Economista defende um corte de juros de 0,50 na próxima reunião do Copom, na semana que vem
28 de Julho, 2023 | 05:00 AM

Bloomberg Línea — A manutenção da taxa Selic em um patamar elevado de 13,75% ao ano pode abrir espaço para um ciclo de corte de juros mais rápido e mais profundo do que é precificado atualmente pelo mercado. Nesse cenário, a taxa básica poderia atingir um nível de 6% ou 7% ao ano.

Esta é a visão do economista Tony Volpon, o ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, que avalia a possibilidade de a autoridade monetária reduzir os juros abaixo do patamar considerado neutro para compensar o aperto monetário realizado nos últimos anos para combater a inflação.

Em entrevista à Bloomberg Línea, Volpon fez uma comparação com a situação de 2016, quando o BC, em sua avaliação, demorou a iniciar os cortes de juros e, depois, acelerou a flexibilização monetária nos meses seguintes.

“Em 2016, o ciclo de cortes demorou a começar. A inflação veio abaixo da meta no ano seguinte [em 2,95%, versus uma meta de 4,5%]. Temos o mesmo risco aqui. Em razão disso, poderíamos ter um ciclo mais rápido e mais profundo do que o que está hoje sendo precificado pelo mercado. É possível que cheguemos a 7% e 6%”, afirmou.

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Antes de trabalhar no BC em 2015 e 2016, Volpon foi chefe de Pesquisas para Mercados Emergentes das Américas do Nomura Securities International, em Nova York; depois, trabalhou como economista-chefe do UBS para o Brasil e estrategista-chefe da gestora WHG, da qual saiu no fim de 2022.

Com a Selic em 13,75% ao ano desde agosto do ano passado, o BC deve iniciar um ciclo de corte na taxa básica de juros na reunião do Copom da próxima quarta-feira (2 de agosto).

Volpon disse entender que há espaço para um corte de juros de 0,50 ponto, aposta que ganhou força no mercado nesta semana depois do upgrade da nota de crédito do país pela agência Fitch Ratings de BB- para BB, além de deflação acima do esperado no IPCA-15 de julho.

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O dado mais recente do IPCA, de junho, ficou em 3,16% na taxa em 12 meses, abaixo do centro da meta de 3,25%. Ao mesmo tempo, as expectativas para a taxa no fim deste ano e nos próximos têm cedido.

Diante desse cenário, uma das dúvidas do mercado é até que nível os juros poderiam cair. Volpon listou pontos a serem observados que devem interferir no ritmo e na abrangência dos cortes: as projeções de inflação ainda levemente desancoradas, a estimativa da taxa de juros neutra e o perfil considerado heterodoxo do novo diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, cotado para assumir a presidência do BC no lugar de Roberto Campos Neto em 2025, com nomeação já no próximo ano.

“A chegada do Galípolo e sua provável ascendência à presidência coloca um ponto de atenção no cenário, porque nunca na história do BC alguém vindo de uma escola heterodoxa foi presidente”, disse. “Vai ter uma troca de regime no BC”, afirmou, sinalizando que isso deve significar um prêmio sobre os juros até que o mercado tenha eventualmente uma certeza sobre como será a sua gestão.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista, editada para melhor compreensão.

Bloomberg Línea: Na visão do senhor, qual deve ser o tamanho do próximo ciclo de cortes de juros?

Tony Volpon: A primeira coisa é definir a taxa neutra de juros [que não estimula nem contrai a atividade econômica], que é uma variável não observável, mas muito importante. O BC aumentou a estimativa para 4,5%, alegando que ela subiu e isso explica por que a inflação demorou para ceder, mas é controverso. Por trás disso, apesar de não admitirem, está a visão de que a política fiscal vai ser expansionista.

Para pensar no tamanho do ciclo de quedas, precisamos considerar o médio e o longo prazo. A Selic vai cair em uma parametrização de inflação com expectativa de 3,5% e taxa neutra de 4,5%. Somando, dá algo em torno de 8%. Colocando um prêmio nisso, vai para 8,5% e 9%. Isso seria a Selic neutra.

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A questão é: conseguimos chegar ao neutro? Vamos passar do neutro? Não é uma questão que dá para resolver agora. Porque entre 13,75% e 8,5% deve ter tempo, mesmo se cortarem 0,50 ponto na próxima reunião, que é o que eles deveriam fazer. Tem muita água para passar por baixo da ponte.

O que essa expectativa de inflação em 3,5% no longo prazo considera, já que a meta é 3%?

O CMN estabeleceu uma meta de 3%, mas o Boletim Focus no longo prazo estacionou em 3,5%. A razão de por que isso está acontecendo é o mercado antevendo o Gabriel Galípolo como novo presidente do Banco Central no ano que vem, e que isso levará o Banco Central, feito à gestão do [Alexandre] Tombini, a trabalhar mais na faixa superior da inflação do que na meta em si. Daria uma inflação média de 3,5%. Quando se olha para o horizonte mais longo, o fiscal sai da conta e é o que o BC faz que entra na expectativa de inflação.

Qual é a visão do senhor sobre o novo diretor do BC?

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Gabriel Galípolo chega ao BC sob uma certa incerteza, sendo ligado à escola da Unicamp. Até que ele prove o contrário, chegando à presidência e perseguindo os 3%, há essa primeira previsão de trabalhar entre o centro da meta e o topo. O mercado não está sendo irracional em estacionar a expectativa em 3,5%.

Um ponto importante sobre isso é que tem gente usando esse fato como argumento para o BC não baixar os juros agora. São coisas totalmente diferentes. Essa desancoragem de 3,5% não é razão para o BC não baixar juros agora.

Qual é a diferença do ciclo que se espera agora para outros de cortes em 2016-2018 e 2019- 2020, que baixaram os juros para 6,5% e 2,0% ao ano, respectivamente?

Foi um erro chegar a 2%. Talvez não um erro em si, mas demorou depois para subir. Olhando para a frente, o ponto central é olhar a taxa neutra : entre 8% e 9%, dado o que conhecemos hoje. É verdade que pode ficar abaixo desse patamar. Podemos pensar em uma possibilidade de política expansionista, chegando a 7%, 6%... Isso é possível dentro desse ciclo, até porque exageramos com uma taxa alta demais.

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Em 2016, o ciclo de cortes demorou a começar. A inflação veio abaixo da meta no ano seguinte. Temos o mesmo risco aqui. Em razão disso, poderíamos ter um ciclo mais rápido e mais profundo do que o que hoje está sendo precificado pelo mercado. É possível que cheguemos a 7% e 6%.

Quais são os fatores que podem impactar o ritmo e a extensão do corte?

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Tem “n” choques exógenos que podem impactar o tamanho desse ciclo. Se tirarmos isso de consideração e tratarmos só daquilo que conhecemos, vejo vários drivers indicando uma desinflação, como câmbio e commodities, apesar da alta pontual agora. Não estou preocupado com esses drivers. A valorização do real em parte anula essa alta de commodities, mas que é diferente daquela de 2020 e 2021. Lá tivemos commodities subindo e real desvalorizando. Foi choque duplo.

Em 2016, o ciclo de cortes demorou a começar. A inflação veio abaixo da meta no ano seguinte. Temos o mesmo risco aqui. Em razão disso, poderíamos ter um ciclo mais rápido e mais profundo do que o que hoje está sendo precificado pelo mercado

Como a desaceleração da economia entra na conta?

Vejo a economia brasileira como uma economia dual. O setor primário está “bombando”, o que fortalece as contas externas, valoriza o real e ajuda a inflação; e o resto da economia meio “patinando”, em razão em parte da própria alta de juros. Em uma economia dual em que o real se valoriza, o BC tem espaço para cortar juros. O fato é que, se cortar agora, o Brasil ainda terá um juro acima do neutro por muito tempo.

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Qual é a visão do senhor sobre a inflação nos próximos meses? Como essa evolução vai impactar o ciclo de corte?

A inflação vai subir em 12 meses. Isso é consenso e está precificado. Tem alguns fatores de risco como petróleo, El Niño, que podem complicar essa trajetória. Podem impactar o ritmo, mas não processo. Pode ser que o tamanho final do corte seja menor.

O BC está atrasado?

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O corte poderia ter sido antes, sim, mas tudo ficou bagunçado no debate Lula contra Roberto Campos. Os dois extremos se fortaleceram. O pessoal mais linha-dura do Copom defendeu que não poderia cortar porque isso seria se render à política. E do outro lado o pessoal atacando o RCN, dizendo que ele é bolsonarista. Nenhum dos dois lados tem razão.

O que podemos interpretar se o corte for de 0,25 ponto na próxima semana? E se for de 0,50?

O Roberto Campos Neto fala que ele é um voto em nove no Copom. É verdade, é só um voto, mas o presidente é quem forma o consenso. Tem um grupo linha dura que o máximo que vai admitir é 0,25. Já o Galípolo vai entrar lá pedindo pelo menos 0,50. A questão é para onde o consenso do RCN vai. Ele pode olhar para a precificação do mercado: ‘eu vou contra a precificação do mercado?’ O que vai depender muito de como mercado estará precificado na véspera. Tem aquela coisa: ‘que mensagem eu vou passar por ter surpreendido o mercado?’.

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Quais as consequências das tensões entre o governo e o Banco Central?

Evitamos vários cenários catastróficos, como uma tentativa de tirar o Roberto Campos e uma grande mudança na meta. Tudo isso pioraria o cenário. A chegada do Galípolo e sua provável ascendência à presidência coloca um ponto de atenção no cenário, porque nunca na história do BC alguém vindo de uma escola heterodoxa foi presidente. O BC tem sido dominado por pessoas de escolas mais ortodoxas de pensamento. Gente que passou por escolas americanas, como Princeton. Vários diretores são PhDs em Princeton, uma escola fortíssima em teoria monetária, mas ortodoxa.

O governo vai nomear outra pessoa no final do ano que deve ser dessa escola, no lugar da Fernanda Guardado, não há razão para pensar que não. O Diogo Guillen vai ser o “último moicano” ortodoxo. Vai ter uma troca de regime no BC, e temos que ver como essa troca vai ser negociada.

Se ele é um agente de mudança, chegando para fazer algo diferente, eu gostaria de saber o que é esse algo diferente. O fato de ele achar que a taxa de juros deve cair mais rapidamente, OK, eu também acho, mas do ponto de vista ortodoxo.

Qual é a visão dele sobre o câmbio, por exemplo? Estou curioso para saber o que ele vai fazer. Até ele comunicar isso, o mercado vai ter um certo prêmio por essa incerteza. A expectativa não vai convergir para 3%. Pode convergir se tiver um enorme choque para baixo. Sem isso, as expectativas e a curva vão ter um prêmio. Tem a hipótese de ele ser ‘capturado pela instituição’. Ele vai lá, vê os modelos, vai falar com os técnicos e pode acabar não fazendo nada muito diferente. Seria um cara dovish, mas dentro do mainstream.

A chegada do Galípolo e sua provável ascendência à presidência coloca um ponto de atenção no cenário, porque nunca na história do BC alguém vindo de uma escola heterodoxa foi presidente

O senhor acredita que a discussão sobre a mudança da meta de 3% pelo Conselho Monetário Nacional pode voltar? Qual é a sua visão sobre esse alvo?

Não seria nenhum final do mundo se a meta fosse de 3% para 4%, mas o ‘como isso seria feito’ teria um custo. Naquele momento em que a polêmica estava no auge, eu pensava: se o preço para acabar com essa polêmica é mudar a meta, vamos mudar a meta. Seria melhor encerrar a polêmica do que ver o presidente da República criticando o presidente do BC diariamente.

Não seria a melhor decisão, mas seria um preço aceitável para encerrar a discussão. Achava que eles iriam mudar, mas a inflação começou a cair e tirou a pressão sobre esse ponto de mudar a meta. Haddad corretamente entendeu que mudá-la poderia atrapalhar o corte de juros.

Sobre o mundo: os países desenvolvidos veem agora a queda dos preços e devem encerrar as altas de juros, enquanto os emergentes estão prestes a cortar. Qual será o resultado futuro de tantos estímulos na pandemia e dos aumentos dos juros na sequência?

A pandemia foi um evento único. Houve um excesso fiscal e monetário que criou um ciclo violento, mas, no final dessa história, não parece que a consequência será uma recessão nos Estados Unidos, que era um risco grande. O histórico da economia americana é o de que, quando há inflação alta, o Fed demora a pisar no freio, depois pisa forte e joga a economia em recessão. O final da história tem que ser comemorado, apesar ser um erro de previsão. Uma grande recessão nos Estados Unidos não iria deixar o Brasil de lado.

Há quem fale em um cenário em que o Fed terá que decidir entre aceitar uma inflação mais alta que a meta ou voltar a elevar os juros mais um pouco até o fim do ano. Qual é a visão do senhor?

É uma questão da conjuntura. Se a inflação se estacionar perto, mas acima de 2%, o que o Fed vai fazer? Concordo com essa avaliação. Se as expectativas ficarem bem ancoradas, que é uma grande vitória institucional do Fed, eles vão bancar e aceitar um resultado que não seja ideal. Entre 2% e 3%, eles aceitariam.

Não há consenso sobre um corte de juros do Fed em 2024. Quais seriam os efeitos da diminuição desse diferencial entre os juros do Brasil e dos EUA?

A valorização ou a desvalorização do real tem a ver com várias coisas. O diferencial de juros é um elemento que, em determinados momentos, pode ser mais importante. Mas, se houver um déficit em conta corrente indo para 1% do PIB, um padrão bem baixo para o Brasil, e houver um fluxo de investimento direto bem acima desse 1%, haveria um superávit cambial. Seria difícil dizer que o processo lento e gradual da queda de juros vai mudar esse cenário de forma significativa.

Não é 1 ou 2 pontos de diferencial de juros que vai gerar uma grande saída de capitais. Até porque entrou muito dinheiro em razão da Selic alta. Se a queda de juros vier com mais crescimento e a bolsa subir, isso também atrai capital. Talvez esteja-se perdendo um pouquinho de carry trade de juros, mas ganha-se com a entrada de fluxo na bolsa. Uma coisa pode acabar empatando com a outra.

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Victor Sena

Editor assistente na Bloomberg Línea. Formado em Jornalismo pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Especializado em cobertura de economia.