Bloomberg — As tentativas de Jair Bolsonaro de evitar a prisão deram errado no sábado (22), quando a polícia prendeu o ex-presidente porque ele usou um ferro de solda para adulterar sua tornozeleira eletrônica, levantando suspeitas de que pretendia fugir.
Agora, a questão é se Bolsonaro acabou de destruir os esforços da direita para encontrar um adversário para disputar contra Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições do ano que vem.
Durante meses, os movimentos de Bolsonaro ficaram paralisados em um drama de sucessão política, no aguardo de que ele anunciasse apoio a um candidato, já que estava inelegível mesmo antes de ser condenado por tentativa de golpe de estado.
O início iminente do cumprimento da sentença de 27 anos de prisão alimentava a expectativa entre aliados e investidores de que logo precisaria tomar uma decisão. Em vez disso, um vídeo de Bolsonaro dizendo às autoridades que havia adulterado sua tornozeleira eletrônica por “curiosidade” sugere que sua atenção permanece voltada para a própria situação legal, com as considerações eleitorais parecendo ser uma questão secundária.
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Na audiência de custódia realizada no domingo (23), Bolsonaro afirmou que mexeu no dispositivo durante um surto de “paranoia” induzido por medicamentos, segundo um documento judicial. O ex-presidente disse ter tido alucinação de que havia um dispositivo de escuta dentro da tornozeleira eletrônica.
O episódio de sábado marcou o ápice de uma queda vertiginosa para o ex-capitão do Exército, cuja ascensão à presidência em 2018 o tornou o rosto latino-americano da versão mais agressiva e combativa da política de direita ascendendo ao poder em todo o mundo.
Também surgiu na sequência da decisão de Donald Trump de conceder ao Brasil alívio na maior parte das tarifas punitivas impostas para tentar ajudar Bolsonaro — uma vitória esmagadora para Lula, que já havia reconquistado popularidade em meio à disputa comercial com os Estados Unidos.
“Que pena”, disse Trump ao saber da prisão de Bolsonaro, antes de mudar de assunto, mais um sinal de que o interesse na saga de seu aliado diminuiu.
Lula, que antes enfrentava dificuldades, se encontra em uma posição de força, liderando as pesquisas eleitorais sobre todos os potenciais adversários. E com a eleição de outubro de 2026 se aproximando, a recusa de Bolsonaro em nomear o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ou qualquer outra pessoa rouba dos candidatos um tempo valioso para se prepararem para a campanha.
Tarcísio é o favorito dos investidores e das elites empresariais, que têm se debruçado em seus discursos públicos em busca de sinais de que desafiará Lula.
Mas Tarcísio, ministro do governo Bolsonaro, já sinalizou que só vai concorrer com o apoio do seu ex-chefe — que, apesar das altas taxas de rejeição entre os eleitores independentes, ainda mantém uma base de apoio expressiva e tem melhor desempenho nas pesquisas contra Lula do que qualquer outro.
Os acontecimentos de sábado podem tornar ainda mais difícil conseguir sua bênção imediata, mesmo com os advogados de Bolsonaro negando as acusações feitas pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes e afirmando que vão recorrer.
Moraes havia autorizado Tarcísio — que correu para defender Bolsonaro em uma postagem nas redes sociais — a visitar o ex-presidente no início de dezembro, em meio à pressão de aliados para que uma decisão sobre sua sucessão fosse tomada até o fim deste ano.
No entanto, junto com a ordem de prisão, Moraes revogou essa permissão, restringindo o acesso a Bolsonaro, que estava em prisão domiciliar desde agosto.
A cobrança para que Bolsonaro tome uma decisão só é comparável à preocupação — ao menos entre alguns investidores — de que sua relutância em abrir mão do controle sobre o movimento que construiu o leve a apoiar um membro de sua influente família.
Mas até mesmo seus filhos Eduardo e Flávio parecem estar em compasso de espera agora.
Eduardo, deputado federal que já teve embates públicos com Tarcísio e chegou a sinalizar uma possível candidatura em 2026, está sendo acusado de obstrução de Justiça após se mudar para os Estados Unidos e pressionar Trump a retaliar o Brasil por conta do caso do pai.
Enquanto isso, em uma vigília de oração em Brasília na noite de sábado, Flávio demonstrou perplexidade com a suposta tentativa do pai de adulterar a tornozeleira eletrônica.
“Fico tentando imaginar por que ele teria feito isso”, disse Flávio, senador cujo chamado à vigília chegou a despertar temores nas autoridades de que Bolsonaro usaria o evento como pretexto para fugir para uma embaixada estrangeira. “Acho que pode ter sido algum ato de desespero dele. Pode ter sentido vergonha perante familiares.”
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