Popularidade de Lula ensaia pegar carona com avanço inesperado do PIB

Analistas políticos veem presidente da República mais forte do que no começo do ano, conforme o crescimento da economia brasileira ganha tração

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Bloomberg — Apenas seis meses atrás, sombrios alertas sobre a economia brasileira pairavam sobre o compromisso de Luiz Inácio Lula da Silva de restaurar a prosperidade que ele viu durante seu mandato anterior. No entanto, agora, com metade do ano sob seu comando, a economia que decolou durante sua gestão há duas décadas está mais uma vez desafiando as probabilidades.

Dados oficiais divulgados nesta sexta-feira (1º) mostraram que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 0,9% no período de abril a junho em relação ao trimestre anterior, três vezes o esperado pelos economistas consultados pela Bloomberg. Esse é o segundo período consecutivo de crescimento sólido, e muitos analistas preveem que a economia continuará a superar as expectativas, pelo menos até dezembro, apesar dos desafios.

Lula está “mais forte hoje do que quando assumiu o cargo” em 1º de janeiro, disse Christopher Garman, diretor da consultoria de risco político Eurasia Group. “Tivemos um choque positivo, o que significa que Lula será muito mais forte por muito mais tempo do que prevíamos.”

No início de 2023, os economistas se preparavam para um crescimento lento, à medida que os juros altos e a inflação acima da meta minavam o poder de compra dos consumidores. Os investidores temiam que planos ambiciosos de combate à pobreza sobrecarregariam o Brasil com dívidas.

Além disso, o líder de esquerda enfrentava um Congresso dividido e uma oposição fortalecida, cujos apoiadores mais radicais invadiram sedes de instituições da República poucos dias após sua posse.

Ao avançar para setembro, no entanto, temos: a taxa de aprovação de Lula próxima de 60%, grandes bancos elevaram suas previsões de crescimento do PIB para 2023, com o Bank of America apostando em uma expansão de 3% - mais de três vezes a taxa que a maioria dos analistas previa em janeiro -, e a Fitch Ratings melhorou a classificação do Brasil devido ao progresso nas reformas fiscais do governo.

Para ser justo, nem todos os setores estão se beneficiando igualmente. Indústrias chave, como a manufatura, têm enfrentado dificuldades devido a condições financeiras restritas e falta de investimento, mesmo com o crescimento geral avançando. Grande parte do aumento também não foi resultado direto das ações de Lula. O enorme setor agrícola do Brasil teve colheitas fortes no primeiro trimestre, a inflação esfriou devido à política rigorosa do banco central, enquanto o mercado de trabalho se manteve surpreendentemente forte.

No segundo trimestre, a indústria cresceu 0,9%, impulsionada pelo desempenho sólido nos setores extrativos, como a mineração, enquanto os serviços cresceram 0,6%, representando os principais impulsionadores do período. Enquanto isso, a agricultura encolheu 0,9% depois de registrar um grande aumento nos três meses anteriores, de acordo com a agência de estatísticas.

O índice de referência da bolsa de valores do Brasil, o Ibovespa, abriu em alta na sexta-feira após os dados do PIB mais fortes do que o esperado, subindo 1,6% em São Paulo no pregão da manhã. No fechamento, o ganho foi de 1,86%. O índice foi impulsionado por ações de materiais e de consumo, enquanto o real ganhou 0,4% em relação ao dólar.

O Brasil não está sozinho em desfrutar de um crescimento melhor do que o esperado. Nesta semana, na segunda maior economia da América Latina, o México, o banco central aumentou suas previsões de crescimento para este ano e 2024 devido ao forte comércio e consumo privado. O Chile também viu um aumento surpreendente na atividade econômica em julho.

O presidente brasileiro saudou os dados econômicos de sexta-feira, mas afirmou que os ganhos “precisam ser distribuídos” entre a população.

Até agora, Lula conseguiu desafiar os pessimistas e agradar seus apoiadores que o elegeram com esperanças de ressuscitar os dias de glória. Durante sua administração de 2003 a 2010, o atual chefe de Estado, agora com 77 anos, viu um renascimento econômico impulsionado por commodities que tirou milhões de pessoas da pobreza e as elevou à classe média. Quando deixou o cargo, era de longe o líder mais popular do Brasil desde o fim da ditadura militar.

Popularidade em alta

O desempenho atual da economia ainda está aquém desse boom. Mesmo assim, Lula está colhendo os benefícios com apoiadores e opositores igualmente.

Entre abril e agosto, a taxa de aprovação de Lula subiu 9 pontos percentuais para 60%, de acordo com o instituto de pesquisa Quaest. Também subiu para 50% ou mais entre grupos conservadores que em grande parte se opuseram a ele durante a eleição do ano passado, incluindo evangélicos e residentes do rico sul do Brasil.

Isso representa quase o dobro das avaliações que os aliados ideológicos de Lula estão recebendo em outros lugares da América do Sul. Após vencerem eleições com mandatos de mudança, Gabriel Boric, do Chile, e Gustavo Petro, da Colômbia, estão ambos atolados em recessões econômicas, lutando para avançar em suas agendas e registrando índices de aprovação na casa dos 30%.

“Lula optou por debater a economia e seus efeitos”, disse Felipe Nunes, diretor do instituto de pesquisa Quaest. Ele “está neutralizando as divisões resultantes das eleições e abrindo espaço para conquistar parte da oposição”.

Uma disputa acirrada contra o ex-presidente Jair Bolsonaro culminou na vitória de Lula com a margem mais estreita da história moderna do Brasil. A recusa do líder de direita em reconhecer explicitamente sua derrota, combinada com falsas alegações de fraude eleitoral que ele disseminou, alimentou a raiva dos apoiadores de Bolsonaro, que causaram tumultos em Brasília em 8 de janeiro.

Em seu terceiro mandato, Lula tem se preocupado mais com questões orçamentárias e com a revisão do complicado sistema tributário do Brasil do que com o legado de seu antecessor. A maioria dos momentos públicos de raiva de Lula não foi direcionada a Bolsonaro, mas, sim, ao presidente do Banco Central por resistir às chamadas por uma política monetária mais flexível.

O tumulto abalou os mercados financeiros, mas o Banco Central começou a reduzir sua taxa-chave em agosto, o que deve impulsionar ainda mais o crescimento e também pode ajudar a acalmar Lula.

Os investidores também encontraram um aliado improvável no ministro da Fazenda de Lula, Fernando Haddad. O confidente de longa data do presidente é creditado por encontrar um equilíbrio entre as preocupações do mercado e as demandas do Partido dos Trabalhadores no poder. Lula sancionou o novo arcabouço fiscal na quinta-feira (31).

Garman, analista de risco político, afirmou que a popularidade de Lula está fortalecendo sua posição no Congresso, e a aprovação de pontos-chave de sua agenda econômica poderia impulsionar o crescimento a médio prazo.

“Isso cria um ciclo de retroalimentação positiva que gera as condições para uma recuperação econômica no segundo semestre do próximo ano”, disse ele.

O Brasil ainda enfrenta muitos desafios. Seu parceiro comercial dominante, a China, está passando por uma desaceleração econômica. As taxas de juros nos Estados Unidos devem permanecer mais altas por mais tempo, o que pode afetar a política monetária local. O longo processo de transformar as reformas de Lula em leis também é provável que afete sua popularidade.

Pelo menos por enquanto, Lula parece estar sendo justificado quando declarou “O Brasil está de volta” após sua eleição no ano passado. Ao olhar para os dados econômicos, é difícil argumentar o contrário.

-- Com a colaboração de Robert Jameson e Leda Alvim.

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