Bloomberg — Cubanos há muito tempo arriscam-se por selvas perigosas ou águas infestadas de tubarões para escapar da privação e da repressão rumo aos Estados Unidos. Mas, à medida que o governo Trump fecha as portas da América, migrantes da ilha caribenha forjaram uma nova rota de fuga para o sul do Brasil.
Com a repressão agressiva de Donald Trump abalando os padrões migratórios em todo o hemisfério, o principal destino dos cubanos não é mais a costa da Flórida. Em vez de Miami, eles estão se dirigindo a Curitiba.
A cidade brasileira, repleta de áreas verdes, foi fundada por migrantes europeus séculos atrás, em uma das regiões mais ricas do país.
Atraídos pela promessa de empregos, acesso facilitado a documentos de imigração e uma vida calma e acessível, refugiados cubanos têm chegado em massa, vindos da ilha comunista e de outras nações vizinhas onde não são bem-vindos.
A corrida para a cidade de 1,8 milhão de habitantes não se deve tanto aos efeitos da política de fronteiras abertas do Brasil, mas, sim, às consequências da reversão repentina da sorte de migrantes cubanos nos EUA, país que os acolheu nos últimos 50 anos.
Apesar do histórico de apoio da comunidade americana, as tentativas de Trump de retirar proteções especiais dos cubanos colocaram centenas de milhares em risco de deportação, o que levou muitos dos que ainda estão na ilha a abandonarem o american dream.
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“Mais pessoas estão chegando diariamente”, disse Santiago de Posada, de 53 anos, dono de uma pizzaria no estilo cubano no centro de Curitiba. Ele veio ao Brasil em 2022, originário de Camagüey, terceira maior cidade da ilha. “Não sei quantas vezes a comunidade já cresceu até agora.”

Em 2024, mais de 22.000 cubanos solicitaram status de refugiados no Brasil — quase o dobro do ano anterior.
E, desde o início de 2025, os cubanos já superaram os venezuelanos nesse tipo de pedido — mesmo com a crise no país vizinho tendo se intensificado após uma eleição amplamente considerada fraudada pelos socialistas no poder.
O caminho até o Brasil foi em grande parte pavimentado por milhares de médicos cubanos que vieram durante a última década para trabalhar no programa Mais Médicos, sob a presidência de Dilma Rousseff.
A partir dessa experiência, muitos, como Roberto Carlos Escriba — que migrou para Curitiba em 2023, de Las Tunas (uma cidade do leste de Cuba) —, passaram a ver o Brasil como um lugar com melhores chances de sustento, diante do agravamento da situação na ilha.
“Não é muito, mas é o suficiente para viver como gente”, disse o operador de empilhadeira de 27 anos, enquanto dividia pizzas com a esposa e o filho no restaurante de Posada, a Pizzaria Elpis, movimentada com outros cubanos, ao som de reggaeton.
Impulsionada pelos apagões constantes, que deixavam seu filho com necessidades especiais em acessos de gritaria, Lisbet Despaigne, de 35 anos, planejara partir de sua casa nos arredores de Havana rumo ao caminho tradicional para o norte.
Mas, ao saber que um parente fora retido no México devido ao endurecimento das restrições americanas, optou no “último minuto” por mudar-se com a família para o Brasil, em abril, para evitar um destino semelhante.
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“Meus filhos não iam passar por isso”, disse ela em frente ao seu apartamento em Curitiba.
A capital do Paraná, estado em que a agroindústria está em expansão, agora abriga uma comunidade cubana em ascensão. Embora muitos recém-chegados trabalhem no setor de serviços, surgiram negócios de proprietários cubanos: restaurantes, estúdios de tatuagem e barbeiros.
Centenas de crianças cubanas se matricularam nas escolas da cidade. E o espanhol caribenho pode ser ouvido por todos os cantos: de supermercados a canteiros de obras.
A cidade, conhecida por seu sistema rápido de ônibus e parques exuberantes, recebeu ondas de estrangeiros na última década e meia. Milhares de haitianos foram para Curitiba após o terremoto de 2010.
E anos de calamidade econômica enviaram venezuelanos em peso, em parte por causa de um programa governamental de reassentamento.
Mas o fluxo repentino em massa de cubanos chamou a atenção de autoridades locais e assistentes sociais, já preocupados com recursos escassos.
O prefeito de Curitiba, Eduardo Pimentel, afirmou que os recém-chegados são bem-vindos, mas que está preocupado com a pressão crescente sobre o Brasil à medida que outros países fecham suas portas.
“Estou preocupado em receber um número muito grande de imigrantes que poderia trazer prejuízo ao país”, disse.
A onda do sentimento anti-imigrante que varreu os EUA antes da eleição de 2024 agora se espalha por grande parte da América do Sul.
A Argentina recentemente endureceu suas regras de entrada e os principais candidatos na próxima eleição presidencial do Chile prometem restringir o acesso às fronteiras.
Supermercados cheios de carne
Oscar Vasquez, 22 anos, chef de Havana que mantém conta no TikTok com mais de 12.000 seguidores, disse que parte do desejo de criar conteúdo vem da simples novidade de viver em um lugar com prateleiras cheias.
“Os cubanos vêm aqui e entram em um supermercado cheio de carne e dá vontade de chorar”, afirmou em sua casa em Curitiba. “Quando saí de Cuba, nunca imaginei restaurantes como esses, e eu sou cozinheiro.”
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Mas o burburinho online tem efeitos reais.
Um grupo no Facebook chamado “Cubanos en Curitiba”, com mais de 45.000 membros, recebe postagens diárias sobre oportunidades de emprego, aluguel de apartamentos e envio de dinheiro para casa. Agora, comunidades de cubanos podem ser encontradas em outras partes distantes do Brasil.
Noslen Castro, 35 anos, mudou-se para Venâncio Aires, uma cidade de 70.000 habitantes no Rio Grande do Sul, no ano passado, depois de enfrentar dificuldades para obter documentação e colocar comida na mesa no Equador e na Colômbia. “Uma pessoa que emigra sem documentos não é ninguém”, disse ele.
Natural de Manzanillo, cidade portuária no sudeste de Cuba — próxima de onde Fidel Castro (sem parentesco) desembarcou com um pequeno grupo de guerrilheiros em 1956, agora mantém um canal no YouTube sobre a vida no Brasil.
O ex-ator afirma que ajudou 45 conterrâneos a imigrar para seu novo lar. “As pessoas aqui me chamam de prefeito”, brincou.
Uma rota popular rumo ao Brasil é via Georgetown, na Guiana, para onde os cubanos podem voar sem visto. Após desembarcar no continente, contratam transporte particular para a jornada ao sul.
Embora a maioria dos pedidos de refúgio ocorra junto às fronteiras norte do Brasil, entrevistados disseram unanimemente que seguir para o sul é a melhor opção.
Estados como Amapá e Roraima, por onde muitos entram, tendem a ser mais pobres e com menos oportunidades de trabalho.
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Muitos cubanos vendem os próprios bens ou recebem ajuda de familiares no exterior para deixarem a ilha. Grupos de apoio a migrantes também denunciaram a atuação de agências de viagem duvidosas, que deixam refugiados endividados ao chegarem no Brasil.
Apesar dos riscos, muitos recém-chegados afirmam que o trajeto até o Brasil sai bem mais barato do que o caminho rumo aos EUA, que frequentemente exige atravessar a América Central e o México.
Os cubanos mais desesperados tentam cruzar o Estreito da Flórida em embarcações frágeis que frequentemente se desfazem no mar.
O êxodo cubano se intensificou depois que Donald Trump endureceu sanções em seu primeiro mandato, e a pandemia dizimou o turismo na ilha, reduzindo a entrada de dólares na economia e levando os comunistas no poder a reprimir ainda mais os opositores.
Um estudo divulgado em março revelou que a população cubana encolheu aproximadamente um quarto nos últimos quatro anos.
Embora Trump tenha conquistado amplo apoio entre os eleitores cubano-americanos por sua postura firme, muitos cubanos que recentemente deixaram a ilha duvidam que suas táticas resultem em mudança de regime.
“Mais pressão, mais força, só o tornam mais forte”, disse Oreste de la Cruz, engenheiro elétrico de 40 anos de Camagüey.

Enfrentando períodos de fome, ele emigrou para o Brasil em março, após ter seu pedido de liberdade condicional humanitária nos EUA negado.
“Ainda penso nos Estados Unidos porque trabalhando lá você pode ajudar sua família. E por mais que eu queira, agora não posso”, disse sobre seu trabalho atual em Curitiba lavando pratos.
Muitos cubanos que conversaram com a Bloomberg News disseram esperar que, no futuro, possam fazer a viagem rumo ao norte, assim que as restrições nos Estados Unidos sejam flexibilizadas.
Embora todos concordem que as condições no Brasil são bem melhores do que em casa, alguns expressaram frustração com os obstáculos burocráticos ao solicitar status de refugiado.
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E então há as dificuldades típicas de quem recomeça. Migrantes cubanos dizem sentir falta de suas famílias e do calor do Caribe - Curitiba é uma das capitais mais frias do Brasil - e que se adaptar à vida em uma das regiões mais conservadoras do Brasil não é fácil.
Liset Larrondo Salas, 37 anos e afro-cubana, emigrou de Santiago há quatro meses e inicialmente trabalhou em um salão de beleza em Curitiba.
Lá, disse ter sido alvo de racismo, com clientes se recusando a deixá-la lavar seus cabelos devido à cor de sua pele. Mas, quando questionada sobre se a experiência a desanimou, ela deu de ombros.
“É problema deles. Não vou deixar de ser negra.”

Quaisquer que sejam suas frustrações, muitos recém-chegados dizem esperar que outros sigam seus passos em breve.
Gerardo Gonzales, 43 anos, mudou-se para Curitiba em 2023 depois que quedas frequentes de energia tornaram inviável seu negócio de tatuagem em Havana. Desde então, trouxe sua esposa, filho e seu cachorro.
E, com cada vez mais venezuelanos e cubanos chegando, ele disse que o fluxo migratório deixará um efeito duradouro na cidade brasileira.
“Eventualmente eles vão falar espanhol aqui”, disse.
-- Com a colaboração de Jim Wyss e Alex Newman.
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