Bloomberg — O presidente Luiz Inácio Lula da Silva insiste que não quer escolher entre os Estados Unidos e a China, já que seus dois maiores parceiros comerciais estão travando uma guerra comercial.
Lula e Xi Jinping, da China, assinaram na terça-feira mais de 30 acordos para investimentos chineses em mineração, infraestrutura de transporte e portos, bem como a compra de jatos fabricados pela Embraer.
As duas nações decidiram cooperar em inteligência artificial e tomar medidas conjuntas em relação ao clima, enquanto seus bancos centrais firmaram um acordo de troca de moeda de US$ 157 bilhões para fornecer liquidez aos mercados um do outro durante um período de cinco anos.
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Os acordos, assinados em Pequim durante uma visita de Estado, marcam o mais recente passo nos esforços de Lula para transformar a economia brasileira, que depende muito de commodities, com a ajuda da China, ao mesmo tempo em que enviam um dos sinais mais fortes de que as ameaças protecionistas de Donald Trump pouco fizeram para dissuadir o líder da maior economia da América Latina de apostar ainda mais em Pequim.
“Nos últimos meses, o mundo se tornou mais imprevisível, mais instável e mais fragmentado”, disse Lula em uma cerimônia com Xi. “A China e o Brasil estão determinados a unir suas vozes contra o unilateralismo e o protecionismo. As guerras comerciais não têm vencedores”.
A visita de Estado é a terceira entre Xi e Lula desde 2023. Acrescente as cúpulas e eventos globais dos quais ambos participaram, e há poucos líderes mundiais com quem o brasileiro passou mais tempo durante seu terceiro mandato.
Os acordos se baseiam em acordos firmados durante a viagem de Xi a Brasília em novembro, quando eles fecharam acordos para a China aumentar o financiamento de projetos de infraestrutura brasileiros e abrir novos mercados para os produtos agrícolas da nação sul-americana.
O comércio do Brasil com a China cresceu de forma constante na última década, com o fluxo total atingindo US$ 158 bilhões no ano passado, quase o dobro do valor com os EUA.
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Lula tem procurado aprofundar ainda mais os laços, apostando no investimento chinês e no apoio a uma estratégia de desenvolvimento destinada a elevar o país na cadeia de valor global.
O presidente colombiano Gustavo Petro também se encontrou com Xi em Pequim durante um fórum entre a China e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos. Ele manifestou interesse em aderir à Iniciativa Cinturão e Rota da China, uma decisão que poderia abalar suas relações já instáveis com os EUA.
Lula tem se esquivado dos apelos para aderir à iniciativa, buscando, em vez disso, beneficiar-se de seus objetivos sem aderir formalmente.
Recentemente, ele organizou uma força-tarefa ministerial para manter conversas regulares com Pequim sobre novas oportunidades de negócios, incluindo projetos ambiciosos como uma ferrovia transoceânica que ligaria a costa atlântica do Brasil ao Pacífico no Peru, onde o novo porto de Chancay, de propriedade chinesa, foi inaugurado no ano passado.
A maior parte da nova infraestrutura de transporte do Brasil acabará chegando a Chancay, com produtos destinados à China e a outros mercados asiáticos que o Brasil está ansioso para explorar.
O interesse é mútuo, pois a China busca expandir sua presença em uma região que os EUA há muito consideram sua.
A China está ansiosa para aproveitar o renascimento bem-sucedido do setor automotivo brasileiro, impulsionado por empresas chinesas como a BYD e a Great Wall Motor.
As vendas nacionais de veículos eletrificados aumentaram quase 90%, chegando a mais de 177.000 em 2024, em relação ao ano anterior, de acordo com a associação de veículos elétricos do Brasil. Desse total, 61% eram de marcas chinesas, quase todas da BYD e da GWM.
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Na véspera da reunião de Lula com Xi, um grupo de empresas chinesas anunciou investimentos de R$ 27 bilhões (US$ 4,7 bilhões) no país sul-americano nos próximos anos.
Além da GWM, a lista inclui novas fábricas de semicondutores da Shenzhen e a chegada da maior rede de fast food do mundo, o Mixue, e de um aplicativo de entrega chamado Keeta.

“A China surgiu como um grande comprador do Brasil e o que queremos é diversificar a agenda de investimentos e parcerias”, disse Eduardo Saboia, secretário para a Ásia e o Pacífico do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. “Nossa parceria é ambiciosa e o trabalho é complexo, denso e promissor”.
Lula também se juntou à China no uso de instituições multilaterais globais para se opor às políticas comerciais de Trump, liderando um acordo entre o bloco BRICS de nações de mercados emergentes que criticou o protecionismo dos EUA no mês passado.
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Sem citar o nome de Trump, o grupo de 10 países fundado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul levantou “sérias preocupações sobre o aumento de medidas protecionistas unilaterais injustificadas”, incluindo tarifas recíprocas, em uma declaração que se seguiu a uma reunião dos ministros das Relações Exteriores do BRICS no Rio de Janeiro.
Até o momento, isso gerou pouca resposta de Washington, que se envolveu em uma blitz diplomática em outros cantos da América Latina, mas evitou o Brasil.
No entanto, isso pode mudar, já que o governo de Lula continua a abraçar a China, ao mesmo tempo em que busca capitalizar a guerra comercial, entrando nos mercados que as tarifas de Trump tornaram mais caros para os produtos agrícolas dos EUA.
O Brasil planeja levar mais de 150 representantes de seu setor de agronegócios à China no final deste mês para reuniões, eventos e a maior feira de alimentos da Ásia, em Xangai.
O objetivo é que as negociações expandam o comércio de uma longa lista de produtos que inclui milho, etanol, sorgo, gergelim e café, disse Luis Rua, secretário de comércio e relações internacionais do Ministério da Agricultura.
Novas aprovações de plantas brasileiras de carne bovina, suína e de frango para exportação para a China também estarão na pauta.
O Brasil quer discutir medidas para iniciar as exportações de sorgo para a China, depois de ter autorizado a compra do produto no final do ano passado.
E está buscando abrir o mercado chinês para o DDG brasileiro, um subproduto do etanol de milho, e expandir suas exportações do biocombustível.
“Neste momento de guerra comercial, os empresários brasileiros e o governo brasileiro estão se colocando à disposição”, disse Rua. “Mostrar a cara neste momento é importante para que o parceiro comercial possa ver que o Brasil está lá, inclusive os tomadores de decisão.”
-- Com a ajuda de Andre Loureiro Dias, Clarice Couto e Franco Dantas.
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