Bloomberg — O presidente Luiz Inácio Lula da Silva elaborou um plano com o objetivo de tornar ainda mais acessível um programa especial de empréstimos para pessoas de baixa renda, o consignado privado. Em vez disso, esses empréstimos ficaram mais caros, e bancos e governo se esforçam para encontrar uma solução.
O programa provê a bancos e fintechs acesso a um banco de dados do governo com dados da folha de pagamento de trabalhadores do setor privado, bem como garantias para proteger os credores quando um tomador é demitido.
O programa foi anunciado como uma forma de reduzir as taxas de juros para até 50 milhões de pessoas e, ao mesmo tempo, diminuir os riscos para os bancos.
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Mas há muitos problemas técnicos.
Em alguns casos, os pagamentos de empréstimos deduzidos dos contracheques dos trabalhadores foram enviados aos credores errados.
Em outros, os bancos recebiam os pagamentos sem saber de quais clientes eles vinham. O resultado: a inadimplência do novo programa subiu para 16% em agosto, o que forçou os bancos a aumentar as taxas de juros.
“A inadimplência está ocorrendo devido a problemas operacionais”, disse Rafael Baldi, diretor de produtos da Febraban, em uma entrevista à Bloomberg News. “A inadimplência dos clientes com o novo produto é mínima.”

Visando a corrida presidencial de 2026, o governo Lula agiu rapidamente para lançar a iniciativa, projetada para ampliar um programa existente para disponibilizar crédito mais barato também para trabalhadores domésticos com baixos salários.
Porém, cinco meses após o lançamento, o governo enfrenta uma verificação da realidade, com críticos que dizem que as falhas técnicas estão tornando os empréstimos mais arriscados e expondo o que eles dizem ter sido uma pressa em revelar o programa antes que ele estivesse pronto.
O governo e os bancos estão discutindo possíveis correções em reuniões semanais, e os executivos dizem que automatizar totalmente o sistema é a melhor solução. Mas isso levará tempo.
Por sua vez, o governo acredita que o programa está atendendo às expectativas, de acordo com um funcionário do Ministério da Fazenda que falou com a Bloomberg News.
A legislação que permitiu empréstimos consignados no Brasil foi aprovada em 2003, mas não havia à época incentivos para que trabalhadores privados os tivessem.
Neste ano, o governo reformulou o programa.
A nova versão gerou mais de R$ 20 bilhões de reais em novos empréstimos em quatro meses, disse a pessoa, que pediu para não ser identificada por discutir informações não públicas. E isso para uma carteira do programa anterior que totalizava R$ 40 bilhões de reais, após 22 anos de existência.
E mais do que simplesmente estimular a economia, o programa de empréstimos tem como objetivo corrigir distorções que precisavam ser resolvidas, disse a pessoa.
Uma dessas distorções tem sido o fato de que a maioria dos trabalhadores brasileiros teve que recorrer a empréstimos pessoais para obter financiamento, que são mais caros, porque seus empregadores não fizeram parceria com os bancos no produto que desconta as parcelas diretamente da folha de pagamento.
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O Banco Central, que em maio disse que esperava que o programa de empréstimo consignado privado aumentasse a renda familiar, reconheceu em sua última ata que a linha de crédito “teve menos impacto do que muitos participantes do mercado esperavam”.
Grandes bancos
Alguns executivos do setor estão prevendo que o sistema se corrigirá sozinho à medida que mais bancos de grande porte, que haviam adotado uma abordagem de esperar para ver, decidirem se envolver.
A falta de entusiasmo dos grandes bancos foi uma das razões pelas quais as taxas de juros subiram, já que aqueles considerados de maior risco ficaram “testando as águas”, de acordo com Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco, o maior banco do Brasil em ativos.
A ABBC (Associação Brasileira de Bancos) estima que seus membros, em sua maioria de pequeno e médio porte, foram responsáveis por 34% dos empréstimos até 4 de setembro.
Na versão anterior do programa, os maiores bancos do Brasil eram responsáveis por 90% dos empréstimos. Como esses empréstimos exigiam contratos entre os bancos e todas as empresas envolvidas, aqueles com grandes serviços de gerenciamento de folha de pagamento tinham uma vantagem competitiva.
Até o final de agosto, os maiores participantes eram o Banco do Brasil e o Itaú, mas seis das dez maiores instituições eram de menor porte ou fintechs, que têm um forte apetite por consumidores considerados mais arriscados e pelas taxas de juros mais altas que eles pagam.

Mesquita, do Itaú, disse que o programa ganhará mais força quando as instituições maiores começarem a desempenhar um papel mais importante nos próximos meses. Então, “deveremos ver o resultado pretendido”, disse ele em uma entrevista coletiva no mês passado.
Marcelo Noronha, CEO do Bradesco, o quarto maior banco do Brasil, disse que a sua instituição estava otimista com o programa quando ele foi anunciado, chamando-o de “oportunidade colossal”, mas permaneceu cauteloso até que ele estivesse funcionando com sucesso.
“Estávamos oferecendo crédito apenas para trabalhadores de empresas que conhecíamos anteriormente e para trabalhadores com pelo menos um ano de emprego”, disse Noronha em uma entrevista coletiva em julho.
Alex Sander Gonçalves, diretor da ABBC e do Banco Pan, controlado pelo BTG Pactual, disse que está otimista com a queda gradual das taxas de juros “no segundo semestre deste ano e no próximo”.
Gonçalves, cujo banco está entre os maiores do país a oferecer empréstimos consignados, também destacou partes do programa que estão funcionando como previsto, como quando a garantia é encaminhada aos novos empregadores quando os trabalhadores mudam de emprego.
Pedro Carvalho, diretor e chefe de instituições financeiras não bancárias no Brasil da Fitch Ratings, disse que os bancos menores podem ter que baixar suas metas ao tentar competir com as grandes empresas pelos empréstimos consignados.
“Os grandes bancos têm um custo de financiamento menor e também a maioria dos clientes”, disse Carvalho em uma entrevista. “O custo de financiamento das fintechs é mais alto, portanto, talvez não seja possível obter uma taxa de juros próxima à dos bancos.”
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