Condenação de Bolsonaro eleva tensão com EUA e pode unir direita em torno de candidato

Decisão histórica do Supremo Tribunal Federal ignora cobranças do governo Trump em defesa do ex-presidente e pode acelerar movimento da oposição em busca por um nome competitivo para enfrentar Lula em 2026

Bolsonaro
Por Andrew Rosati - Travis Waldron
12 de Setembro, 2025 | 02:29 PM

Bloomberg — O Supremo Tribunal Federal ainda não havia proferido a sentença de Jair Bolsonaro quando os Estados Unidos prometeram retaliação.

“Os Estados Unidos responderão à altura a esta caça às bruxas”, disse o secretário de Estado Marco Rubio no X, na quinta-feira (11), logo após a condenação do ex-presidente por tentativa de golpe.

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Durante meses, a Casa Branca exigiu que o Brasil retirasse as acusações contra um dos aliados mais próximos de Donald Trump na região.

Mas a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou para considerar Bolsonaro culpado de conspiração para permanecer no poder após sua derrota nas eleições de 2022, ignorando uma campanha de pressão dos EUA que incluiu a imposição de tarifas punitivas sobre produtos brasileiros, uma investigação comercial e sanções ao ministro Alexandre de Moraes.

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A perspectiva de mais retaliações ainda preocupa o país, que conduziu um dos julgamentos mais significativos de sua democracia de quatro décadas.

Essas ameaças, no entanto, ainda não intimidaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em vez disso, a inimizade de Washington lhe deu um novo senso de propósito político, enquanto busca angariar apoio sob uma bandeira nacionalista antes das eleições do próximo ano.

Também não conseguiu unir seus oponentes conservadores em torno de Bolsonaro, com muitos ávidos por uma alternativa politicamente mais moderada e mais capaz de enfrentar Lula.

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Poucos líderes mundiais desafiaram Trump com mais veemência do que Lula. O ex-líder sindical de 79 anos, que aprecia um embate político, passou meses criticando os EUA por tentarem intervir nos assuntos brasileiros.

“Não tenho medo de novas sanções dos EUA”, disse ele em entrevista na televisão após a decisão de quinta-feira. “Se Trump vai tomar novas medidas contra o Brasil, problema dele.”

O STF também se manteve obstinado: Alexandre de Moraes, o ministro do Supremo sancionado por Trump, abriu o julgamento de Bolsonaro dizendo que a soberania da nação “jamais será violada, negociada ou extorquida”.

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A decisão histórica provavelmente concentrará ainda mais a atenção do mundo no Brasil e em sua abordagem de confronto com Trump, especialmente em um momento em que outros aliados tradicionais dos EUA — como Mark Carney, do Canadá, e Narendra Modi, da Índia — enfrentam relações subitamente frias com Washington.

O caso contra o ex-presidente gira em torno de uma investigação sobre as manifestações de 8 de janeiro de 2023 em Brasília, quando seus apoiadores saquearam prédios do governo sob a falsa crença de que sua derrota para Lula foi devido a uma votação fraudada.

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Aproximação com Trump

As provas apresentadas na condenação ligaram Bolsonaro, que passou grande parte de sua tentativa de reeleição espalhando conspirações sobre o sistema de votação brasileiro, e sete co-conspiradores a um complô para declarar estado de emergência e anular o resultado.

Bolsonaro, ex-capitão do Exército e defensor do regime militar brasileiro, nega as acusações. Ao longo do caso, ele fez propostas para que Trump interviesse em seu favor, traçando paralelos entre seus próprios problemas jurídicos e os do presidente americano.

Tanto o STF quanto o governo Lula estão agora se preparando para medidas adicionais dos EUA, incluindo a possível extensão de sanções que poderiam ampliar a pressão sobre instituições financeiras e empresas brasileiras.

O Banco do Brasil, em particular, já está se preparando com planos de contingência para uma reação adicional de Trump contra clientes — incluindo muitos servidores públicos — ou contra o próprio banco.

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Mesmo com a crescente probabilidade de novas penalidades dos EUA, os investidores, em grande parte, ignoraram a decisão, que foi amplamente precificada nos mercados.

Em vez disso, muitos nos círculos financeiros estão esperançosos de que a condenação de Bolsonaro e sua pena de 27 anos de prisão o obrigarão a ceder lugar a um novo líder do movimento conservador brasileiro.

O veredito “pode abrir a porta para que a direita política do país comece a se unir em torno de um candidato com maior apelo público”, escreveram em uma nota Jimena Zuniga e Adriana Dupita, analistas da Bloomberg.

Apesar de estar impedido de exercer cargos públicos, Bolsonaro, 70, se recusa de desistir da disputa eleitoral do próximo ano. Essa postura impediu que outros potenciais candidatos entrassem oficialmente na disputa.

Nos últimos meses, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, tomou medidas para aumentar sua visibilidade nacional, reunindo-se com membros da elite financeira brasileira, bem como com importantes líderes conservadores.

Isso gerou especulações de que Tarcísio, que foi ministro no governo Bolsonaro, formalizará em breve sua candidatura para as eleições de 2026.

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Embora Tarcísio tenha rechaçado especulações sobre sua intenção de disputar a presidência, ele também vem tentando conquistar a base de Bolsonaro.

Ele criticou o julgamento como “maculado” na semana passada, em um comício em defesa de seu ex-chefe, e pediu uma legislação que lhe concedesse anistia legal, medida que está ganhando força no Congresso.

Mas a recusa do ex-presidente em abrir mão do controle de seu movimento também alimentou especulações de que Bolsonaro poderia apoiar um membro de sua família.

Com a probabilidade de seus concorrentes se multiplicarem, analistas políticos dizem que é improvável que Lula recue em uma disputa que tanto o ajudou politicamente.

Essa realidade não sugere um alívio rápido nas tensões com os EUA, de acordo com Mauricio Santoro, pesquisador do Centro de Estudos Políticos e Estratégicos da Marinha do Brasil, um think tank no Rio de Janeiro.

“Esse conflito entre Lula e Trump provavelmente vai durar muito tempo”, disse.

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